Sobre outras possibilidades de empresas e negócios

Como tornar próspero um negócio quando você não vê sentido na maior parte daquilo que se entende como um negócio tradicional?

Essa pergunta tem guiado meu trabalho nos últimos anos. A partir dela, inúmeras conversas têm surgido. Uma dessas trocas informais de emails, entre amigos presentes na rede do PdH, se transformou em algo digno de se compartilhar. Pra captarem o espírito da coisa, vou manter o formato de diálogo, com leves ajustes.

* * *

Guilherme:

Pessoal, o trabalho da Patagonia nesse sentido, de cultivar outras possibilidades de empresas, parece animal. Eles são referência global – usam somente algodão orgânico, encorajam seus clientes a comprar menos e estão constantemente em busca de melhorias relacionadas a consumo consciente, meio ambiente e qualidade de vida.

Yvon, 75 anos, em seu ateliê. Aventureiro, ambientalista e homem de negócios relutante
Yvon Chouinard, 75 anos, em seu ateliê. Aventureiro, ambientalista e homem de negócios relutante

Segue bela entrevista com seu fundador:

Algumas boas falas de Yvon sobre gestão, consumo, responsabilidade e simplificação:

"A sociedade nunca atua nas verdadeiras causas, atua nos sintomas. É como se nunca desse pra lidar com problemas de longo prazo, sempre se pega o atalho."
"Se você quer colocar comida saudável em casa, não adianta só ir ao supermercado. Você precisa conhecer o fazendeiro."
"Pra que comprar uma jaqueta de ski que fica parada no seu armário nove meses durante o ano. Escolha algo que possa usar com mais frequencia, que também possa usar para ir ao trabalho. (...) Claro, não estaríamos aqui se não fossem os clientes. Mas o que nós dizemos a eles é: compre algo que dure pra sempre."
"A chave para resolver o problema do consumismo é consumir menos e melhor."
"Você olha pra nosso estacionamento e vê grandes SUVs. A maioria de nossos empregados usa jeans Levi's, que não são feitos com algodão orgânico. É muito difícil comunicar a mensagem de que "eu sou o problema"."
"Aqui nós tentamos diminuir os danos que causamos, mas ainda somos poluídores. Por isso criei uma iniciativa chamada 1% pelo Planeta, por meio da qual doamos 1% de nossas vendas, não de nosso lucro, para as ONGs que estão realmente fazendo o bom trabalho. E hoje já temos cerca de 1000 empresas participando dessa iniciativa."
"Essa é a nova economia. E se nós pudermos mostrar a outras empresas que estamos indo bem em meio à recessão, elas vão vir até aqui e dizer "ei, quero fazer algo similar". Existe essa influência."
"Alguns de nossos clientes compram nossos produtos por acreditarem nos valores da empresa, mas são só uns 10%. Os outros 90% compram por gostarem da cor ou do estilo das roupas. Então se for esperar que seus clientes o digam para tornar sua empresa mais verde, você está muito atrasado."
"Se você é um escritor, pode escrever sobre boas coisas. Se é palestrante, pode falar sobre isso. Se é um médico, pode passar um ano com os médicos sem fronteiras. Desse modo pode dormir tranquilo à noite, tendo a certeza de que é parte da solução e não do problema."

E vocês, conhecem outros casos interessantes?

Jonathan Batista:

Ver empresas como a Patagonia me faz acreditar que o meio empresarial está se abrindo para um 'novo' tipo de visão. Algo que pode se transformar numa grande tendência e beneficiar muitas pessoas.

Eu também gostaria de saber o que o Brandão tá encontrando lá pelas bandas do Chile, no Exosphere!

Um forte abraço.

Daniel Scola:

E aí, Guilherme. Já venho acompanhando o Yvon e a Patagonia há algum tempo.

Me admira muito o jeito como eles tocam o negócio.

Algumas peças de roupas da Patagonia vêm com a seguinte etiqueta "você realmente precisa desta camisa?", acho isso genial.

"Não compre essa jaqueta"
"Não compre essa jaqueta"

Yvon também é um dos criadores do fundo One Percent for the Planet, onde empresas doam 1% do seu faturamento anual para apoiar causas ambientais. Artistas como Jack Johnson também apoiam esta iniciativa. Cada colaborador ganha um selo, que pode usar em seu site, embalagens de produtos, capa de cd, etc.

Agora que Yvon saiu do corpo de diretores da Patagônia, acho que a companhia está tomando um rumo mais comercial. Atualmente ele parece estar se dedicando mais a apoiar causar ambientais e atuar como representante da marca. Mas continua tendo minha admiração.

Aconselho assistirem o documentário 180 South – e a lerem a biografia de Yvon, chamada "Deixe meu pessoal ir surfar", na qual ele também fala sobre experiência como um homem de negócios. Abração.

Alberto Brandão:

Jonathan,

Grande parte das discussões que temos aqui na Exosphere vem girando em torno desse assunto. Não focar apenas em ganhar grana, mas tentar influenciar a sociedade para um lado positivo. A visão que adquiri por aqui, é que a função do empreendedor é resolver problemas da sociedade e por conseqüência vem o dinheiro. É uma visão utópica, concordo, mas está bem alinhada com o que acredito para minha vida.

Nossa discussão de grupo no momento gira em torno de um livro chamado You are not a gadget, do Jaron Lanier. Abordamos a forma que a tecnologia acaba ditando o jeito como nos comportamos. Como estamos simplificando o que é ser um humano para uma representação virtual superficial.

O autor faz uma referência de como o arquivo MIDI é uma representação muito pobre do que pode ser a música, e como nossos perfis e ações online acabam tendo o mesmo impacto negativo. Online somos apenas uma representação bem pobre e simplificada do que é ser uma pessoa. Estamos fazendo isso com tudo, simplificando e reduzindo para tentar representar online.

Sempre que desenvolvemos algo, mesmo sem saber, podemos estar causando um mal extremo. A partir disso discutimos formas mais conscientes de desenvolver tecnologia ou mesmo conteúdo. Como aquilo pode influenciar a sociedade de forma negativa e nos travar num ciclo que não conseguimos sair tão facilmente.

Nossa discussão anterior foi baseado no ensaio "Autoconfiança", de Ralph Waldo Emerson, que indico para todos lerem com muita atenção.

Abraços!

Guilherme:

Muito bom isso, Brandão:

Sempre que desenvolvemos algo, mesmo sem saber, podemos estar causando um mal extremo. A partir disso discutimos formas mais conscientes de desenvolver tecnologia ou mesmo conteúdo. Como aquilo pode influenciar a sociedade de forma negativa e nos travar num ciclo que não conseguimos sair tão facilmente.

Essa preocupação passa muito batida. Não é algo que se vê como pauta numa PEGN ou Exame.

Não focar apenas em ganhar grana, mas tentar influenciar a sociedade para um lado positivo. A visão que adquiri por aqui, é que a função do empreendedor é resolver problemas da sociedade e por conseqüência vem o dinheiro. É uma visão utópica, concordo, mas está bem alinhada com o que acredito para minha vida.

Não acho utópico. Penso que estamos num momento em que estimular o florescimento humano se tornou desejável a ponto de ser também uma boa oportunidade de negócios. O PdH e o lugar estão nessa trilha. Cinese, Catarse e outras novas empresas, também.

:-)

O Gitti publicou um texto bem interessante e que casa demais com essa discussão, "Um experimento silencioso".

Roberto Sampaio:

Guilherme, pelo que você tem estudado/analisado, quais os impedimentos atuais para tocar um projeto desse tipo?

Guilherme:

Inúmeros, Roberto.

Todo nosso aprendizado usual em como tocar um novo negócio gira em torno de estruturas bem fortes de: hierarquia, poder, controle, pressão, ansiedade e tensão – algumas mais veladas e outras escancaradas. Fora isso, o aspecto de mundo interno é frequentemente ignorado, como se somente ajustes externos nas estruturas fossem capaz de "resolver".

Aspectos como atenção, intenção, motivação intrínseca, fluidez e empatia também são ignorados – ou raptados em livros como "O segredo da empatia para fechar mais vendas".

Imagem por Fabio Rodrigues, representando a cultura que aspiramos cultivar
Imagem por Fabio Rodrigues, representando a cultura que aspiramos cultivar

Então negócios com aspiração de produzir sentido(favorável ao florescimento humano) necessitam de um força de propósito imensa, um núcleo duro de apoiadores profundamente envolvidos com a visão e uma capacidade de dialogar/negociar com as pressões cotidianas da selva de negócios, que está pouco se lixando se você quer salvar as baleias ou fazer as pessoas mais felizes.

É como se fosse necessário desenvolver um novo idioma sem muitos professores e ser, ao mesmo tempo, fluente no idioma usual de negócios.

Como se o empreendedor começasse como um nativo perdido numa ilha, falando uns grunhidos. Ele precisa aprender o idioma usual pra se dar bem, vamos supor que seja inglês. E, nessa metáfora, o desenvolver um negócio com sentido favorável seria o equivalente a aprender também latim arcaico de maneira auto-didata e encontrar outros malucos interessados em aprender inglês e latim arcaico, para trabalhar em conjunto.

É uma construção de pontes insana.

Se torna necessário ter uma alta tolerância a situações de ambiguidade e persistir quando tudo indica que você deve retroceder. A lógica de escalabilidade perde um pouco de força, há certos processos que não podem ser acelerados nem com toda grana do mundo. Sob o preço da lógica de "trabalho com propósito" ser cooptada e absorvida pelo sistema atual, apenas trocando de casca.

Pois as faculdades nos formam de maneira bastante hábil para replicar o que já está aí, porém, não pra transformar. E muitas das pessoas que falam em propósito e sentido usam os termos sem muito critério, o que já vai dando uma prostituída bem ruim na coisa toda.

Uma das maiores lacunas são, portanto, espaços consistentes de formação, troca e conversa para quem está tocando iniciativas assim avançar coletivamente. Algo difícil de fazer, já que, tentando manter o negócio vivo, mal sobra energia pra respirar.

* * *

Os emails cessaram pouco depois, o que nos trás até a presente linha desse texto, na fronteira com a caixa de comentários.

Portanto, passo a bola. O que pensam disso tudo? Recomendam casos relacionados? Gostaram desse artigo em formato de conversa?

* * *

Referências trocadas:

Quer colocar isso em prática?

Para quem está cansado de apenas ler, entender e compartilhar sabedorias que não sabemos como praticar, criamos o lugar: um espaço online para pessoas dispostas a fazer o trabalho (diário, paciente e às vezes sujo) da transformação.

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publicado em 13 de Janeiro de 2014, 08:45
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Guilherme Nascimento Valadares

Editor-chefe do PapodeHomem, co-fundador d'o lugar. Membro do Comitê #ElesporElas, da ONU Mulheres. Professor do programa CEB (Cultivating Emotional Balance). Oferece cursos de equilíbrio emocional.


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