Sobre a viabilidade ética de socar a cara de um nazista

E uma das discussões mais recentes envolve o soco que Richard Spencer, um dos fundadores da“alt-right”, recebeu no rosto durante uma entrevista

Vivemos numa era de problematizações. Falo isso sem ironia, falo isso não num tom de crítica como “nossa, vocês problematizam tudo, puta galera chata do caralho”, mas sim como reconhecimento de que esse é um período em que começamos a questionar paradigmas, duvidar de verdades, colocar em discussão situações que antes eram apenas aceitas como “da vida” e pronto. Existe exagero em dados momentos? Claro, existe, situações acontecem, uma vez eu vi uma pessoa no Facebook dizendo que o gif era uma “estupidificação da imagem móvel” e eu fiquei olhando confuso pra tela durante quase dez minutos.

Mas ainda assim, isso tudo é sinal de que vivemos num tempo em que a discussão é aberta e vários de nós estão dispostos sim a pensar nas questões, duvidar das premissas e entender que as coisas tendem a ser muito mais complexas do que elas poderiam parecer à primeira vista, por mais cansativo que esse processo de pensamento seja.

E uma das discussões mais recentes envolve o soco que Richard Spencer, um dos fundadores da chamada “alt-right” norte-americana, recebeu no rosto durante uma entrevista, o quão correto seria socar um cidadão desses e como uma situação dessa influencia a conversa sobre o livre discurso na nossa sociedade.

Primeiro, vamos situar quem é Richard Spencer e o que a “alt-right” dele representa.

Supremacia racial branca, um país apenas para caucasianos sem pessoas de outras raças, ódio específico contra judeus, hábito de saudar líderes gritando “hail” com um dos braços erguidos. Uma breve busca na Internet permite rapidamente perceber que, se o nazismo fosse um bolo, Spencer teria todos os ingredientes para fazer a massa, a cobertura, ainda dar uma decorada em cima com glacê. Ele mesmo, quando questionado sobre suas ligações com o nazismo, descarta o termo. Não porque, bem, se trata de nazismo, mas sim porque considera a nomenclatura pouco relevante hoje em dia.

Então, quando Spencer levou um soco no rosto ao vivo, desferido por um black bloc durante uma entrevista, a discussão se dividiu em dois lados. De um lado as pessoas que acreditam que nada dá a ninguém o direito de agredir uma pessoa por suas opiniões e do outro lado as pessoas que acreditam que existem regras, claro, mas certos pontos de vista violam todas elas e por isso não merecem esse tipo de proteção.

E os dois lados levantam pontos muito válidos, claro.

Por um lado o direito de livre discurso existe e é um dos mais importantes para a manutenção das liberdades no mundo em que vivemos. A liberdade para qualquer pessoa defender qualquer ponto de vista sem ser vítima de violência ou ser silenciada é o que permite que minorias se manifestem, que questões importantes venham á tona, que exista uma real discussão sobre variados problemas. E essa liberdade não deveria existir apenas para as opiniões que nos parecem sensatas ou positivas, mas sim para todas elas, incluindo aquelas que discordamos mais radicalmente e nos causam mais desconforto.

Acreditar em liberdade de discurso envolveria acreditar também no direito para que pessoas como Spencer falassem ao ar livre que a solução para o país deles é uma “faxina ética pacífica”.

Do outro lado temos o argumento de que certas ideias são nocivas demais para que alguém possa defendê-las impunemente. A doutrina nazista e os movimentos fascistas como um todo já causaram imensa destruição quando chegaram ao poder – tente lembrar de um conflito chamado “2ª Guerra Mundial”, por exemplo – e o melhor seria reprimir ideias assim já no berço, não permitindo que elas ganhassem corpo e representassem um risco ainda mais real do que já representam. Bater em alguém que propaga esse tipo de ideia é menos uma violação dos direitos dessa pessoa e mais uma tentativa de manter os direitos de todas as outras pessoas que alguém assim adoraria prejudicar.

E ainda que talvez a maior parte de nós imaginasse que, de todos os vilões de filmes do Harrison Ford, não iriam ser exatamente os nazistas que se tornariam assunto em pleno ano de 2017, conforme os movimentos de extrema direita crescem no mundo todo esse tipo de questão vai se tornar mais e mais relevante.

Quando você nega o direito de livre expressão para discursos considerados de ódio, você está impedindo que um pensamento negativo se espalhe ou cerceando a liberdade das outras pessoas? Diante de uma ameaça como o neonazismo, que medidas podem ser tomadas e que medidas cada um de nós tem o direito de tomar? O que podemos aprender com a história pra impedir que esse tipo de pensamento se propague como já aconteceu antes?

Perguntas complicadas e que não esperávamos precisar fazer, mas que podem ser essenciais pra definir o mundo em que viveremos daqui a 10, 20 ou 30 anos.


publicado em 26 de Janeiro de 2017, 00:00
Selfie casa antiga

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (www.justwrapped.me/) e discute diariamente os grandes temas - pagode, flamengo, geopolítica contemporânea e modernidade líquida. No Twitter, é o (@joaoluisjr)


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