De vez em quando, aqui nos comentários do PapodeHomem, algum leitor comenta em tom de desafio:

O autor desse texto só pode ser boiola!

E respondo:

Sou, por quê? Qual é o problema? Não pode?

* * *

Recebo muitas perguntas parecidas. Minha resposta é sempre “sim”.

Você é gay? Sim.
Já foi à África? Todo ano.
Você é acreano? Desde criancinha.
É casado? E muito feliz!
Você se acha muito inteligente, né? Mais que você, com certeza.

Etc.

* * *

Única exceção: quando a resposta “sim” significaria confessar um crime:

Já sonegou imposto, Alex? Jamais. Nunca. Cruz credo.

* * *

Fiz isso com todas as turmas para as quais dei aula.

Já na segunda semana, os alunos percebiam que não valia a pena me fazer perguntas pessoais e desistiam.

Nem todo mundo é gay na Parada Gay.
Nem todo mundo é gay na Parada Gay.

 

* * *

Escrevo sobre racismo e não sou negro.

(Mas sempre que falo isso aparece algum leitor e diz, “sério? sou gaúcho e sempre te achei negro pelas fotos!”, um comentário que revela mais sobre quem fala — e sobre a fluidez do conceito de raça — do que sobre mim e minha composição étnica.)

Escrevo sobre homofobia e não sou gay.

(Mas as pessoas sempre acham que sou. Já disseram que pensaram que eu era gay pelo modo como fumo, como seguro o copo, até porque os meus sapatos são “legais demais”. E, na verdade, o que querem dizer esses rótulos? Nunca chupei pau mas, se um dia eu tiver vontade, por que não?)

Escrevo sobre feminismo e não sou mulher.

(Mas sempre acham que eu tenho um jeito meio feminino de agir e de pensar e, nos meus relacionamentos, sou sempre a mulherzinha, o sensível, o romântico.)

Então, na verdade, sinceramente, o que importa o que eu sou ou deixo de ser? Por que diabos eu seria minimamente importante?

Leia também  What I learned after living three months with a living legend

Eu sou irrelevante.

Só os textos importam.

(Na verdade, nem eles.)

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu