Dá pra aprender francês com haitianos e árabe com sírios: como refugiados estão lecionando em São Paulo

A escola de idiomas Abraço Cultural só tem professores refugiados, que veem no exercício de lecionar a possibilidade de serem cidadãos do mundo

O mundo não poupa corações quando expõe gente de carne e osso à necessidade de sair às pressas de onde vivem, deixando pra trás família, identidade, pertences, referências culturais e dignidade em busca de sobrevivência.

Essa necessidade se fez por guerra por vezes durante a história, e se repete agora. Refugiados que partem pra toda a Europa e também países da América Latina, como o Brasil, não estão à procura de oportunidades, dinheiro, ou viver o american dream, mas tão somente a possibilidade de dignidade e qualquer liberdade possível.

É preciso receber essas pessoas não por dó ou solidariedade, mas por direito à vida. Mas uma política colaborativa e bem pensada é necessária, já que a situação pode gerar conflitos que reverberam por todos os cantos. Os embates culturais que se estabelecem entre pessoas de nações tão diversas são só um dos pontos de tensão. Há ainda questões estruturais: há moradia, abrigo, emprego e mercado pra que essas pessoas produzam, consumam e habitem?

Receber milhares de pessoas de uma vez muda a dinâmica econômica e social de determinado lugar, e a distribuição tem de ser feita de forma responsável pra garantir a cidadania de quem já é habitante e dos novos imigrantes - coisa de esforço cooperativo, articulação política mundial e ações comunitárias que apliquem essas pessoas para o avanço.

Já temos exemplos europeus de como essa integração pode ser realizada de forma positiva, e não me surpreendeu, mas alegrou, descobrir que há iniciativas brasileiras além das políticas públicas para integrar essas pessoas. É o caso da escola Abraço Cultural.

A instituição ensina idiomas por meio da integração cultural, contratando professores refugiados de diferentes nacionalidades para lecionar. São aulas de espanhol, árabe, inglês e francês dadas por congoleses, nigerianos, sírios, paquistaneses, haitianos e cubanos, que não só ensinam muito, mas também recuperam a possibilidade de trabalhar e construir uma vida mais sólida e cidadã no Brasil.

Porque o Abraço Cultural ainda é uma instituição pequena, que funciona com a colaboração de cinquenta voluntários mais cinco cargos de coordenação, os professores são empregados como autônomos por meio de MEIs (microempresas individuais) que emitem notas fiscais. O objetivo futuro é que todos sejam CLT.

Há também tempo e dinheiro investidos em sua capacitação para lecionar, além de certificado de horas de estudo para os alunos e atividades de intercâmbio cultural, que enriquecem a experiência de aprendizado.

Por terem crescido bastante nos últimos tempos, eles estão precisando de um novo espaço, mais confortável, mais computadores, projetores e equipamentos de sala de aula, e mesmo que você não vá fazer um curso de idiomas por lá, pode contribuir pra que o projeto cresça via financiamento coletivo, que só fica no ar por mais onze dias.

Peito até pula de orgulho de saber que existe gente promovendo a integração desse jeitinho, com ganhos pra todo mundo. Há lugar para recebê-los na nossa nação em pleno desenvolvimento, até porque em coração de mãe sempre cabe mais um.


publicado em 23 de Maio de 2016, 16:38
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Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.


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