Livro “Amanhã o sexo será bom novamente” fala sobre burocracia, consentimento e vulnerabilidade.

Recentemente eu li o livro “Amanhã o sexo será bom novamente”, e conversei com a autora,  filósofa e psicóloga Katherine Angel.

O livro foca na perspectiva feminina, mas traz instiga a algo que serve para todas as pessoas: a vulnerabilidade é uma porta para prazeres mais autênticos e intensos. Quando tentamos controlar todos os fatores envolvidos em uma cena, estamos limitando o nosso envolvimento com a outra pessoa, a nossa capacidade de nos surpreender e de construir uma relação que é completamente única. Até o medinho que dá dentro do “não sei o que vai acontecer”, pode deixar as sensações mais intensas.

Consentimento e prazer:

Eu poderia escrever para o público masculino com dois focos: um puxão de orelha e um convite para ampliar seu prazer, comecei pelo fim para ver se te convenço. No entanto o foco do livro é uma discussão bem crítica sobre questões de gênero nas relações sexuais. 

Pedir consentimento é o mínimo, mas nem sempre é o suficiente.

Diante de uma sociedade em que o poder está mal distribuído e que os abusos sexuais atingem em sua grande maioria meninas e mulheres, a autora entende que o consentimento é uma ferramenta importante para reduzir situações de abuso. Mas que a história não para por ai. 

Qual consentimento queremos?

O consentimento não pode ser uma questão burocrática de sim ou não. Um “sim” pode ser dado com muito receio e sensação de desconforto. E ai qual consentimento é esse? Num contexto em que a pessoa consentiu, mas não estava a vontade para dizer “não” ou “pare”, podemos ver, além de um certo nível de abuso, uma culpabilização de quem se sentiu mal “ah mas ela consentiu…”

O que que eu posso fazer sobre isso?

Precisamos falar sobre o papel dos homens de estarem atentos e dispostos a construir 

condições contínuas para que ambas as pessoas na relação se sintam confortáveis em dizer sim e não a qualquer hora, construir uma situação de parceria e humanidade em que, ainda que não seja comunicado de forma verbal, pequenos desconfortos não vão passar batido. 

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Construir consentimento em um contexto favorável é um exercício contínuo, constante e que é praticado a dois, em contato com a outra pessoa. 

Voltando pro prazer

Nada disso é sobre ser tornar o sexo chato ou burocrático. Muito pelo contrário, a autora diz que, no mundo em que vivemos, não podemos construir uma situação ideal em que haja igualdade de poderes e perfeita segurança nessa relação. Sempre há um risco, um certo nível de medo e de insegurança. E que por mais cuidados que tomemos, esses fatores não desaparecem porque não basta um esforço individual. 

“Prazer envolve risco, e isso nunca pode ser desconsiderado ou evitado. Não é nos endurecendo diante da vulnerabilidade que nós vamos encontrar realizações sexuais. […] Ser o foco do desejo dos outros, e ser surpreendido pelo desejo do outro são exercícios de confiança mútua e negociação do medo. Quando funcionam podem ser uma experiência mágica, segura e arriscada na medida certa.” Angel, 2023 [trecho do livro]

A violação, o estupro é um dos muitos medos que homens não precisam ou costumam ter em suas relações.. Mas quantos outros, em maior ou menor medida, tentam ser mascarados pelo controle? 

O medo da brochada, o medo de não atender certa expectativa, o medo do corpo não ser o suficiente, o medo de como ele pode ser relatado para outras pessoas… Quanto disso é frequentemente transformado em tentativas de controle? Quanto disso pode ser aberto como vulnerabilidade possibilitando mais surpresas, mais prazeres e mais afetos genuínos?


publicado em 31 de Maio de 2023, 19:29

Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro <a href="https://www.amazon.com.br/Amulherar-se-repert%C3%B3rio-constru%C3%A7%C3%A3o-sexualidade-feminina-ebook/dp/B07GBSNST1">Amulherar-se" </a>. Atualmente também sou mestranda da ECA USP