Quando eu entrei na faculdade, lembro que nas rodinhas onde veteranos e calouros tentavam se conhecer, entre o básico, de “quantos anos você tem? e “ de onde veio?”, alguém sempre soltava a pergunta polêmica: pra você, sexo oral é sexo?
—Lógico que não, você recebe um boquete e vai falar que comeu alguém?
—Claro que sim! Gozou, é sexo!
—Depende, quanto tempo de oral?
—Que tipo de pergunta é essa?
As respostas sempre diziam muito, até mesmo quando não diziam nada. Jovens tão moderninhos e ‘pra frentex’ terminavam mostrando que ainda vivemos num mundo onde só a penetração garante, com certeza, o selo de “transa certificada”. Todo o resto será levado a júri, analisado, e pode ser aprovado ou não.
Em pleno mundo ocidental, 2016, Era na qual uma minoria do sexo praticado tem finalidade reprodutiva, gozar com o pau dentro de uma vagina ainda é a definição de sexo mais bem aceita entre a população. O anal também tem conferido certificados, afinal, penetra-se a fundo, e portanto, é válido. E nos casos de impossibilidade de haver pau biológico, espera-se, ao menos, um artifical para levar a transa em conta.
A obrigação de entrar também se relaciona com o processo burocrático de romper o hímen para então poder proclamar-se iniciado sexual (as mulheres tem de perdê-lo e os homens tem de rompê-lo ou pelo menos cruzar a linha de chegada ainda que alguém já tenha rasgado a faixa primeiro).
Essa burocracia que segue sendo praticada se torna cada dia mais obsoleta. É hipócrita proclamar virgem uma moça faz anal, oral, manual com o namorado há anos, só porque conservou o hímen, assim como é hipócrita igual dizer que esse namorado também é virgem porque não adentrou justamente no buraco que deveria. É ridículo dizer que uma mulher que tenha, 10, 20 anos de vida sexual com uma parceira é virgem porque nunca teve o hímen rompido.
Dos clichês que refletem nossa sociedade moderna-mas-nem-tanto, um deles mostra muito bem nossa obsessão pela penetração: “Eu até entendo porque um gay gosta de outro homem, mas como uma mulher pode querer transar com outra mulher? Elas não tem nada pra fazer o negócio”. Quando as pessoas pensam assim, reduzem a transa sem penetração peniana a nada. Dá pena que pau-na-buceta seja tudo o que elas conheçam como sexo.
Por que desconsideramos os esfregas, as línguas, as chupadas, os dedos? Por que tudo o que antecede a penetração é chamado preliminar?
O nome que damos já mostra que consideramos os momentos de toque – que despertam todos nossos sentidos – como carícias de segunda categoria, cujo trabalho está a serviço apenas de preparar o terreno para uma finalidade maior. Afinal, só começa a contar depois que o pau cruza a fronteira e se situa inteiramente no país das maravilhas.
A obrigação de seguir a coreografia pronta ‘aquecer para entrar’ pressiona e frustra. Mulheres se concentram nas primeiras carícias para que, tão logo as carnes dêem o sinal latejante de umidade, possam proclamar “passe, agora pode entrar”, sem considerar deixar-se ficar no deleite dos dedos.
Homens se pressionam para mostrar o melhor de sua performance metedora, deixando de lado outros sentidos, tatos e talentos, porque acham que isto e não aquilo é o que se espera de um macho de verdade.
No entanto, fechadas em seus clãs de confiança, moças maldizem com desprezo as metidas que se limitaram a ser exibições de bate-estaca, como se o objetivo final fosse apenas fincar o mastro em terra conquistada.
A ideia de não ficar rijo o suficiente para penetração coloca almas masculinas em pânico e o próprio medo é quem acaba sabotando os cacetes desnudos.
Diante da vergonha instituída, esquece-se que é possível entregar-se a viagens sensoriais, a lambidas nos pés, ao espetáculo de assistir a masturbação alheia, a beijos na boca, a conversas safadas. Ao invés disso, o impedimento de penetrar se torna apito agudo, perturbador. Faz com que o jogo pare sob a lamentável premissa de que “se a bola não vai entrar no gol, pra quê seguir suando a camisa?”.
Muitos - gays ou héteros - finalmente encontram conforto e prazer no gouinage, prática sexual que não envolve penetração em nenhum momento. Muitos outros, que adoram a sensação de entrar, sair, pôr e tirar, se aprofundaram em outros prazeres quando passam a ver isso como opção e não como passo obrigatório.
Quanto prazer fica pra escanteio quando nos submetemos à pressão de cumprir uma obrigação? Por que consideramos que nossas transas são desperdiçadas quando o gozo vem antes da penetração? Porque, nesse caso, temos mania de dizer “Não transamos, não. Gozamos antes”.
Antes de quê, oras? Não foi atingido o êxtase? Afinal, o que é a transa se não a troca de saliva, carícias e calores, que fazem fervilhar nosso sistema nervoso, descarregando energias sexuais e deixando de vestígio uma calma malemomente? Sexo oral pode, sim, ser sexo. Pau no pau, pé, no peito, mamilo no mamilo, clitóris na mão, na coxa, na virilha, tudo o que nos conecta e nos realiza pode, sim, ser sexo.
E pra você, sexo sem pau é sexo?
Mecenas: Olla - Dia do Sexo 6/9
O dia do sexo não é necessariamente uma data para se fazer sexo. A gente sabe que ele não precisa de uma dia, horário ou local para acontecer.
Agora que o dia do sexo passou, A Olla e o PapodeHomem querem propor algo diferente:
Vamos falar sobre o assunto? Uma conversa aberta com amigos, pais, familiares e parceiros ajuda a promover discussões e quebrar tabus. Se organizar direitinho, todo mundo se abre! Qual é o seu tabu? Responde aqui nos comentários e vamos discutir a relação!
publicado em 29 de Setembro de 2016, 18:58