E se Deus abençoasse seu prazer?

Se todo-poderoso voltasse à terra, promoveria uma boa revisão das nossas práticas sexuais

“Masturbação é sexo egoísta, é pecado. Camisinha impede que a vontade de Deus nasça no seu ventre. Sexo com alguém do mesmo sexo? Uma aberração! Deus não fez a natureza assim.”

Sob o nome de Deus, escudando-se na bíblia, os homens da terra já justificaram atrocidades de todos os tipos e, hoje, seguem querendo legislar sobre nossos sexos. A religião, que deveria trazer elevação espiritual e amor, incita o ódio, a violência, mas acima de tudo, a repressão psicológica que tira o sono e o tesão de muita gente.

Meninas chegam à vida adulta sem saber ter um orgasmo, choram porque se sentem culpadas e têm nojo de si mesmas quando se masturbam. Casais frustrados que se uniram ainda muito jovens para atender a vontade de Deus e só consumar a carne depois do sacramento. Homens que se forçam a uma sexualidade de fachada para poder ter uma família e uma vida ‘normal’. Filhos e filhas expulsos de casa porque resolveram assumir a identidade que os acometia por dentro. É inevitável para os de fora críticas às restrições impostas pelas religiões, mas é muito mais complicado, para os dentro, se libertar de tudo aquilo que já foi incrustado no seu inteiror.

Fazendo uma reflexão viajandona, imagino o que aconteceria se, por um acaso, aqueles que acreditam, resolvessem ler de novo, pensar de novo sobre o que foi dito e se permitissem reinterpretar as escrituras.

E se os jovens percebessem que o celibato foi dado por motivações mais de ordem econômica que religiosa? Se percebessem que o sexo só depois do casamento nunca foi uma regra divina e que tal recomendação era aplicada a uma sociedade em que meninas eram enviadas para seus maridos aos 13, 14 anos? Talvez naquela época esta ordem fizesse sentido pra evitar o abuso de meninas muito novas, ou para que mulheres ficassem grávidas ainda solteiras numa sociedade que as rejeitaria.

E se alguém entendesse que, seja pela escolha do anticoncepcional ou pela opção sexual, um casal já pode escolher livremente se quer ou não ter filhos, já que essa não precisa ser a missão deles nesta terra – e isso não é necessariamente um ato de egoísmo. Quando Deus disse “univos e reproduzí-vos”, o mundo tinha menos de 3% da população que tem hoje.

Imagina que incrível seria se entendêssemos todos que “o que Deus uniu, o homem não separa” é muito mais sobre quebrar barreiras do amor, raciais, econômicas e, inclusive, de gênero, do que algo que te prende de um casamento infeliz.

E, nesse tempo, quem sabe os líderes ouvissem da boca de Deus, o próprio, que orgasmos são uma benção daquelas que todos deveriam agradecer a Ele com um Obrigada maiúsculo. Qual benção não seria se o sexo deixasse de ser visto como tentação e pecado pra se tornar uma comunhão de corpo e alma.

É possível que caso Deus, ao vir dar esse recado, venha como mulher – afinal, Deus é uma progenitora – e esclareça que, antes, tinha de vir de barba porque a ignorância da terra não levaria uma mulher a sério.

Talvez nessa vinda traga consigo uns dois anjos não binários, revelando que a identidade de gênero não importa em nada pra el@.

Mas não se preocupe: nessa utopia sem cabrestos, ao declarar a liberdade, não se transformaria o mundo numa grande orgia coletiva. Todas as vontades individuais, inclusive as de orgia coletiva, seriam respeitadas, mas a hipersexualização dos corpos e a pressão social para que todos sejam grandes transadores e conquistadores declarados seria deixada de lado junto com as vaidades. O sexo se transformaria em instrumento de elevação da alma.

Em tal mundo a bíblia e os preceitos religiosos não serão ignorados, mas passam a ser encarados como história. História, que provando ou não a existência de um ser superior por trás dela, fez sentido enquanto parte de uma sociedade diferente.

Nesse novo tempo será possível ver que religião e a palavra divina não são estáticas, nem absolutas. Ora, cada livro foi editado por um homem de certa origem, em certa época, e, por fim, um outro os editou mais uma vez, unindo todos.

Veremos que o próprio Jesus veio à terra para atualizar as definições do velho testamento, trocando o temor pelo amor a Deus. Além disso, padres e pastores também têm adaptado a ensinamentos escritos na bíblia durante séculos e séculos. Os que se assumem guardiões da palavra, eles mesmos, excluem e ignoram o que não lhes convém.

“Deixemos de lado aquele capítulo do Levítico que fala sobre como nós não podemos cortar o cabelo a ponto de mostrar o formato da cabeça. Aparemos as barbas pois é preciso fazê-lo pra se adaptar ao mundo moderno. Não arranquemos os olhos de alguém que, sem maldade, acabou vendo a irmã que se trocava no banheiro. Deixemos viver os maridos que se deitaram com a mulher no dia de sua regra. Deixemos. Deixemos que tudo isso é coisa velha, já sem sentido. Deixemos que isso não machuca ninguém. Deixemos que não há maldade, então, não há de haver problema.”

É no meio deste mesmo livro que está o polêmico versículo que condena o sexo entre duas pessoas de mesmo gênero. Depois de séculos eliminando o que queriam e se apegando ao que era útil para controlar a vida íntima das pessoas, o povo e os líderes, finalmente iriam concordar que o sexo entre dois iguais é parte das regras antiquadas e já sem sentido, porque que nunca prejudicou ninguém.

Por fim, escolherão manter daquele livro, e de todos os outros, só os ensinamentos que levam as pessoas a viverem melhor, a trocarem mais amor, mais caridade, o resto viverá como história.

Por fim, de olhos mais abertos pra leitura da realidade, as pessoas serão capazes de ver os erros do passado. Verão que a ansiedade, a competitividade e a individualidade, são as verdadeiras doenças das almas modernas. E que o sexo – a um, a dois ou a três – será um momento de conexão entre corpos e almas.


publicado em 28 de Junho de 2016, 13:02
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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