Você já deve ter ouvido aquela história de que é na crise que estão as melhores oportunidades. Papo furado. Quando nego apela prum ideograma chinês pra te consolar, pode ter certeza: a situação tá braba, meu velho, muito braba. Pelo menos tão braba quanto a atual fase do futebol brasileiro.

Quer dizer, as discussões sobre um reles contrato de televisão foram o bastante para ameaçar a ordem vigente e podem desembocar em anomalias do naipe de uma Copa João Havelange ou (ah, a humanidade!) uma Copa União.

O cenário é o pior possível. O já frágil entendimento entre os clubes ameaça desandar, graças a diabólicas investidas da dissimulada Confederação Brasileira de Futebol. O Corinthians ganhou uma maquete pra ficar do lado da Globo e evitar a concorrência, enquanto os flamenguistas foram seduzidos pelo reconhecimento do título de 1987 por uma instituição que eles juraram não reconhecer há um mês. É, cada um tem o Mefistófeles que merece, diria o atacante alemão Johann Wolfgang Goethe.

Você compraria um carro usado dessa galera?

Do outro lado estão São Paulo e Atlético Mineiro, entre outros, que também consideram a Globo a melhor opção (e é mesmo, técnica e profissionalmente), mas miram o divino dinheiro purificado da Record para barganhar um preço maior da emissora de Galvão Bueno – o que, convenhamos, é justo.

O jogo é pesado e a perspectiva de entendimento é tão pequena que Fábio Koff, líder histórico do Clube dos 13, aproveitou para conceder uma comovente entrevista-confissão-testamento ao oráculo Juca Kfouri. Mas e se o ideograma chinês estiver certo e essa confusão toda servir para organizar a bagaça?

Ligas e Ligas

Por organizar a bagaça, entenda algo como a fundação de uma liga, nos moldes das associações europeias, que tanto admiramos. O Clube dos 13 foi criado com essa intenção. Seria uma boa, né?

Não necessariamente. Na Liga Espanhola, onde estão os maiores jogadores do mundo, o Sevilla lidera neste momento um movimento contra os benefícios reservados a Real Madrid e Barcelona na hora de fechar os contratos de TV. Enquanto o Real Madrid leva € 150 milhões em direitos de televisão, o humilde Levante fica com € 9 milhões, o que, segundo a reca, aumenta o fosso que separa os grandes dos pequenos — os últimos cinco títulos espanhóis ficaram com Real Madrid ou Barcelona.

A LFP também negocia com o governo, desta vez em bloco, uma revisão da norma que garante a exibição de um jogo de destaque em TV aberta por rodada. Na Itália, o problema do fim do ano passado foi trabalhista, entre o sindicato dos jogadores e a Liga Italiana, e quase desembocou em greve.

Mas sempre haverá a bem sucedida e rentável Liga Inglesa para nos consolar, certo? Mais ou menos. O modelo inglês parece de fato o mais justo (e falo já sobre ele), mas a Comissão Europeia posicionou-se recentemente a favor das transmissões gratuitas na Inglaterra e na Bélgica, o que significa o fim da exclusividade, ou seja, qualquer TV estaria autorizada a transmitir qualquer partida do campeonato. Considerando que a TV também é o maior rendimento por lá, a coisa pode ficar feia.

Na Premier League, as coisas funcionam

E por aqui?

Qual seria, então, o melhor modelo para essa almejada Liga Brasileira?

Difícil pensar num exemplo melhor que o inglês. A Premier League precisa apenas do contrato com uma TV de Cingapura (R$ 690 milhões) para ultrapassar os R$ 410 milhões fechados pela Globo com o Clube dos 13 no último acordo (mais detalhes aqui). Como eles conseguem? Bem, eles entenderam por lá que, para a coisa dar certo, todos os participantes têm de sair ganhando (ainda que alguns ganhem um pouco mais que os outros).

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Na Liga Inglesa, 56% do arrecadado é dividido igualmente entre os 20 clubes, 22% é repartido de acordo com a performance técnica (colocação) e os outros 22% são divididos com base na audiência alcançada e no número de jogos transmitidos.

O mais importante por lá é que os times negociam em bloco (diferente do que acontece na Espanha e em Portugal, onde os campeonatos acabam disputados pelos dois ou três que ganham mais) e arrumaram um jeito de não favorecer muito os favorecidos e de não ferrar de vez os desfavorecidos. Nesse âmbito, ainda temos o idílico exemplo da NFL, a liga de futebol americano dos EUA, em que as cotas são divididas igualmente, como na saudosa União Soviética.

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No modelo adotado atualmente no Brasil, Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Vasco compõem o grupo mais beneficiado, seguidos de Santos, Fluminense e Botafogo. Tem clube que acha que merece mais, mas não tem como provar, pois não existem regras e formas de aferição claras como na Liga Inglesa. O problema é que por aqui rola um “salve-se quem puder” do cão e cada um pensa só no seu, uma atitude que nos levou a uma patética jornada em busca do titulo perdido neste início de ano.

O quadro pode piorar com essa pretensão de alguns clubes de negociar individualmente, algo que enfraquece o grupo e, no caso de envolver mais de uma emissora, inviabilizaria a transmissão de alguns jogos, porque o direito de arena por aqui é compartilhado — ou seja, se Corinthians fechar com Globo e São Paulo fechar com Record, o clássico não poderá ser transmitido por nenhuma das duas emissoras.

Resumindo, galera, ou esses caras percebem que dependem uns dos outros e se entendem ou será o caso de pegar em armas e sair às ruas para garantir as rodadas do fim de semana. Se eu fosse a presidente Dilma, interviria logo na questão, porque o povo até aguenta inflação e aumento progressivo de salário parlamentar, mas eu não arriscaria deixar a galera sem futebol.

Podia ser pior

O clima é tenso e dias piores virão, mas o futebol argentino está aí, como sempre, para nos consolar.

Governo argentino aposta suas notas promissórias no Bolsa Futebol

Lá, quem paga os direitos de transmissão de TV é a tia Cristina Kirchner. Assim como tudo na Argentina, é a Casa Rosada que banca o futebol, com míseros 600 milhões de pesos anuais (US$ 156 milhões ou R$ 265,2 milhões) pelas peladas. Como o pais está para quebrar (de novo), o futuro dos hermanos parece mais obscuro que o nosso.

Rodolfo Borges

Jornalista e editor do <a>osgeraldinos.com.br</a>. Teórico do esporte bretão