Separados pelo Isolamento | Como ficam os relacionamentos que foram distanciados pelo Coronavírus?

Como lidar com um relacionamento a distância neste período de tantas dificuldades, conflitos e tensões?

Além dos inumeráveis danos aos sistema respiratório e a vida humana, a pandemia de coronavírus também tem atingido os relacionamentos. Pedidos de divórcios aumentaram na China e nos EUA. Até na caixa de e-mails do PdH, aumentaram os pedidos de ajuda sobre relacionamentos e a convivência durante o isolamento. 

Para os casais que vivem juntos ficam os desafios da convivência mais intensa, das inseguranças financeiras, além da falta que faz poder sair da casa e desfrutar do lazer ao ar livre.

Para os casais que moravam separados, a primeira grande questão foi escolher entre ficar distanciados durante o tempo que durar o isolamento social ou, de uma hora para outra, passar a viver na mesma casa.

Quem escolheu pensando que teria de enfrentar um isolamento de 15 ou de 40 dias, por agora já deve saber que ainda não há previsão de término. Aqui em São Paulo, contamos 55 dias de isolamento, que ficará mais restritivo na próxima semana. 

Milhares de casais - dos que não moravam juntos aos casados que estão trabalhando na linha de frente e isolados da família - entraram de supetão, em um relacionamento a distância. E não está sendo fácil de lidar.

Sempre que ouço comentários sobre a dificuldade dos relacionamentos a distância, me vem um impulso instantâneo de falar dos vários pontos positivos. Eu me relacionei a distância por duas vezes: seis meses em cada uma e ambas com data para acabar. Nesses dois momentos, por mais que eu sentisse saudades, eu pude ver como a distância fortaleceu o laço do relacionamento.

Ninguém quer ficar longe e muito menos por motivos tão terríveis quanto uma pandemia que já matou centenas de milhares e não tem prazo para acabar. Sem querer glamourizar o isolamento, vale tentar olhar com gentileza para algumas reflexões que ele pode trazer.

Quando a gente se relaciona a distância, temos a oportunidade de deixar de ser um casal - um ser único composto por dois organismos - , para nos tornar duas pessoas individuais que se amam e se apoiam.

A distância também pode nos ensinar que a gente tem capacidade para viver sem a presença do outro e que, se estamos em um relacionamento, é porque queremos ter a pessoas ao nosso lado, não por qualquer necessidade ou co-dependência.

Acontece que listar pontos positivos não anula todas as dificuldades da distância, certo?

Aceitar que a relação, como ela costumava ser, não vai mais existir, pelo menos por um tempo é uma grande perda e toda perda envolve luto.

Sentimos falta dos carinhos, da proximidade, da possibilidade de sair para se divertir e ainda temos de lidar com novos conflitos: a insegurança da distância, os medos relacionados a pandemia, a tensão relacionada ao trabalho, os filhos sem escola e as preocupações com a saúde dos familiares... Tudo isso somado à dificuldade de se comunicar e de se conectar ao outro.

Como amar e apoiar o outro, estando distantes e envolvidos em tanto caos?

Eu tenho uma boa e uma má notícia: A má é que não temos uma fórmula mágica. A boa é que a gente separou algumas reflexões que podem te ajudar a lidar com essas dificuldades todas.

[Uma sugestão: convide o(a) parceiro(a) para ler esta matéria com você e conversar sobre cada um destes pontos.]

Repensando nossa visão de amor

Temos visto e ouvido casais que ficaram chateados um com o outro porque um quer ficar junto a todo custo enquanto o outro prefere seguir o isolamento a distância. 

Na visão de amor romântico, amar seria sinônimo de unir-se em um só propósito nos mais dramáticos cenários, tal qual nosso atual fim do mundo, não? É aquela visão do amor hollywoodiano que, seja em Duro de Matar ou em Titanic, define amor como sinônimo de colocar a própria vida a serviço do outro.

Neste momento é importante que a gente reflita sobre as várias formas de amar, sem esperar que o outro haja tal qual um romântico heróico. Amor também é respeitar o espaço e tempo do outro. Amar também é querer o bem do outro entendendo que isso nem sempre envolve ter você por perto. 

Cada um é cada um 

Cada um de nós aprende a ver o mundo através de sua própria lente e não é raro que a gente espere que o outro também esteja enxergando através da nossa lente. 

É importante neste momento entender que nossos parceiros e parceiras podem ter reações diferentes diante de uma situação. Talvez um busque por mais contato enquanto o outro se torna mais introspectivo. 

Tente respeitar a individualidade (que não é sinônimo de egoísmo). Antes de pressupor motivos, ou interpretar qualquer mensagem implícita, vale a pena dialogar, explicar sua impressão (entendendo que é só uma possível interpretação) e se dedicar a escutar e acolher tanto o sentimento quanto a reação do outro.

Não sobrecarregue o relacionamentos de expectativas

Dificuldades econômicas, mortes, prejuízo na saúde mental, dificuldades no trabalho. Tudo já está tão difícil que esperamos que nosso relacionamento seja nosso espaço de alegrias, de leveza, e de conforto. 

É uma delícia quando isso acontece. Mas é importante que a gente saiba equilibrar essa expectativa, afinal, é um peso muito grande esperar que a outra pessoa seja todas as coisas positivas da sua vida ou que compense as dores desse momento.

Entenda que a outra pessoa também não está no seu melhor momento

Falamos sobre ser irreal esperar que a outra pessoa traga a tranquilidade que falta. Mais do que isso, também é pedir muito esperar que a outra pessoa não traga novos problemas, afinal, todos estamos passando por problemas difíceis e estamos irritáveis, sensíveis, carentes, ansiosos. 

É um momento em que precisamos ter mais empatia do que nunca, equilibrando um aos outros. Quando ver que o outro está agindo diferente  por conta do estresse, tente ser o lado racional e tenha paciência. Converse mais tarde sobre este tipo de reação e combinem como um pode ser apoio do outro, sem sobrecarregá-lo.

É como se estivéssemos caminhando por uma estrada dura, cansados, com sede e com feridas no pé. O ânimo pode não ser dos melhores, nenhum dos dois terá força para carregar o outro, mas andar em companhia ajuda. 

Dando passos para trás

A gente começa se aproximar e, aos poucos, nossa(o) companheira(o) passa a ser parte da nossa vida. Desenvolve-se um certo encaixe, nos adaptamos até um ponto de equilíbrio. 

Quando, de uma hora para outra, todo o nosso contexto muda o equilíbrio daquele encaixe fica impactado. É nessa hora que a gente precisa aceitar que estamos voltando umas casinhas no jogo, e que vamos ter que reapreender a como nos relacionar com aquela pessoa. Como nos adaptar enquanto casal a um outro encaixe. 

Que tal planejar encontros?

Porque estamos todos em casa, podemos facilmente assumir que a pessoa estaria "a nossa disposição" para quando queremos conversar ou ter companhia. Supor isso pode ter como consequência o sentimento de frustração ou rejeição quando a pessoa não estiver disponível ou disposta para nos atender. 

Cada um precisa do tempo para si, para outro núcleo familiar, assim como o relacionamento também precisa ter um tempo de convivência separado para ele. Separem horas, marquem encontros para desfrutarem juntos por vídeo-chamada, por áudio, por telefone... 

Façam planos que sejam gostosos para ambos: jantares a distância, ouvir as mesmas músicas juntos, fantasias de sexo online. Cuidar do relacionamento é importante. 

Reflita sobre a comunicação entre vocês:

A distância e contato mais virtual somado às nossas ansiedades e inseguranças podem nos levar a interpretar coisinhas mínimas equivocadamente. 

Vale a gente repensar como tem conversado com nossos parceiros: evitar suposições, fazer perguntas, não esperar que o outro entenda "indiretas" e expressar mais o que sentimos.

Entenda suas necessidade:

Ainda sobre a comunicação entre o casal, ao analisar o que você está sentindo, tente diferenciar o que você precisa resolver sozinho daquilo que é possível pedir para o outro. 

Aproveite para se descobrir 

É possível que na vida pré-epidemia estivéssemos seguindo no piloto automático, sem pensar muito em valores, objetivos ou no trajeto que realmente queremos traçar.

A individualidade do isolamento pode ser um ótimo momento para que, longe dos olhares e pressões externas, a gente se pergunte: 

  • Eu estava deixando de fazer algo que era importante para mim?

  • Quais coisas do isolamento que tem me feito bem?

  • O que eu gostaria de manter e o que eu mudar na minha vida daqui para frente?

  • Como essas mudanças impactam meu relacionamento? Elas podem nos fortalecer?

Conta aqui!

Conta para gente: como o isolamento tem afetado sua relação? Vocês tem conversado sobre isso? O que vocês aprenderam até agora com todas estas mudanças?


publicado em 11 de Maio de 2020, 06:00
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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