Seleção brasileira corrobora: "futebol é perda de tempo"

Uma vez me disseram que futebol é perda de tempo e eu não quis acreditar, mas está ficando cada vez mais difícil negar

Confesso, caro leitor, que relutei em escrever esse texto. E relutei por alguns motivos bem claros.

Primeiro porque os fatos que ocorreram recentemente às margens das mais diversas partidas de futebol me brocharam. Violência física sempre me parece, em primeira instância, uma burrice. Violência física 'justificada' por rivalidade no futebol, nem se fala.

Segundo porque em tempos onde pessoas estão sendo mortas por qualquer motivo aparente, falar de futebol me parece algo menor. Pessoas estão sendo mortas por simplesmente existirem e serem diferentes umas das outras. E isso me parece algo muito mais importante de ser examinado.

Terceiro porque tenha uma forte sensação de que cada linha escrita sobre o atual futebol brasileiro, na figura de sua seleção e confederação, é uma enorme perda de tempo. Mas é justamente por aqui que quero começar este texto.

Futebol é perda de tempo

Não é segredo que sou um grande fã de esportes. E que dentre os tantos esportes que existem e me agradam, futebol é um dos principais deles. Entretanto, faço parte de uma bolha social na qual futebol não é tratado lá como grande coisa. Dentro dessa bolha, não é raro ouvir como resposta a um comentário com menção ao tal esporte bretão que "futebol é perda de tempo".

Pois é.

Eu poderia dar diversos motivos pelos quais o futebol é encantador. Sejam eles motivos lúdicos ou motivos pragmáticos. Mas a verdade é que eu sinto e não consigo negar que o futebol brasileiro é, há quase dois anos, pura perda de tempo.

Essa sensação me desanima profundamente. Primeiro porque, como nós sabemos, o tempo não volta atrás e só me resta lamentar por tanto tempo perdido falando, pensando, assistindo ou acompanhando futebol nos dois últimos anos. Segundo porque esse sentimento me deixa com a sensação de que talvez quem diga há muito mais tempo que futebol é perda de tempo esteja certo e eu, burro, só reparei nisso agora.

Mas a verdade é que você que está me lendo tem 98% de chances de ser brasileiro. E se você de fato o é, goste de futebol ou não, carregará consigo ainda durante muitos anos o lastro do futebol brasileiro seja lá em que lugar do mundo você esteja, mas principalmente se estiver fora do Brasil.

Bons tempos.

Desde junho de 2002, todo brasileiro que nasce, nasce pentacampeão mundial.

Desde julho de 2014, todo brasileiro que nasce, nasce goleado por 7 a 1 pela Alemanha.

Tempos difíceis.

Não importa o quanto você se identifique com a seleção brasileira, o futebol brasileiro ou simplesmente com esportes em geral, se você é brasileiro, não está ao seu alcance escapar de comentários sobre futebol, a única coisa que está ao seu alcance é como reagir a eles. E, amigos, sinceramente, venho reagindo muito mal a eles.

Não porque as críticas e as piadas que vêm de fora em relação ao futebol brasileiro são absurdas ou infundadas. Justamente o contrário. É porque somos nós mesmos os maiores críticos e/ou os maiores criadores de piadas a respeito de algo que internacionalmente (ainda) nos representa tanto. E porque todas essas críticas e piadas são 100% merecidas.

Vá lá, eu não sou tão patriota assim. Se ter que aguentar comentários negativos de uns ou de outros sobre algo que tanto gosto fosse o maior dos problemas, estaria muito feliz. O que dói, o que realmente dói, é saber que existe muito pouco que eu possa fazer para tentar melhorar o que tantos estão estragando e, em última instância, saber que quem pode realmente fazer algo para resolver a situação é justamente a causa de tudo isso. Por isso eu relutei, mas decidi falar.

Livrai-nos de todo mal

Objetivamente, ontem o Brasil foi derrotado pelo Peru numa partida válida pela terceira rodada da Copa América Centenário e acabou eliminado na fase de grupos da competição.

Dunga, após mais uma eliminação precoce com futebol pobre.

Seleção brasileira derrotada pela seleção peruana era algo que não se via há 31 anos (se você contar amistosos) ou 41 anos (se você só contar partidas oficiais). De qualquer forma, fazia bastante tempo.

Seleção brasileira eliminada na primeira fase de uma Copa América era algo até então único. Ocorreu há 29 anos quando, num grupo com três equipes, se classificava apenas uma. Na ocasião, o Brasil dividiu o grupo com Chile e Venezuela e terminou na segunda colocação.

Dessa vez, destinada a fazer uma campanha histórica, o Brasil caiu num grupo que contava com quatro equipes, das quais duas se classificavam para a próxima fase. Dividindo grupo com Equador, Peru e Haiti, esperava-se que a seleção tivesse vida fácil, mas após três rodadas, acabou eliminada.

Na primeira partida, empate em 0 a 0 com o Equador. No lance mais polêmico da partida, a arbitragem anulou um gol que seria uma frango histórico do goleiro da seleção brasileira por supostamente, a bola ter saído.

Na segunda partida, goleada por irônicos 7 gols a 1 sobre o Haiti, uma seleção praticamente amadora de um país que teve que superar um terremoto devastador há pouco mais de cinco anos (e que só fez um único gol na competição). Mas no discurso, o resultado que significava que daqui em diante o futebol brasileiro tinha reencontrado o caminho das glórias.

Na terceira partida, um empate classificava a seleção em primeiro lugar no grupo, mas veio a inacreditável derrota por 1 a 0 para o Peru. Derrota com gol irregular marcado com a mão e confirmado depois de quase quatro minutos de discussão entre o quarteto(?) de arbitragem. Depois do gol, ainda se sucederam 19 minutos de jogo, onde nem os jogadores em campo, nem o treinador esboçaram reação. Dunga terminou a partida com uma equipe perdida em campo e com duas alterações por fazer.

Tal fracasso já seria retumbante por si só, mas fica ainda maior quando contextualizamos um pouco e notamos que o desastre estava anunciado.

Desde quando o Brasil foi eliminado na semifinal da Copa do Mundo que disputava em casa pela Alemanha com acachapantes 7 gols a 1, todas as pessoas minimamente envolvidas com o futebol brasileiro disseram ser necessário fazer uma mudança. Muita roupa suja foi lavada em público e ainda tivemos tempos de ver a última apresentação da seleção brasileira na Copa na disputa de terceiro lugar: derrota para a Holanda por 3 a 0 e demissão do então treinador Luiz Felipe Scolari, o Felipão.

Felipão teve 3 vitórias, 2 derrotas e 2 empates na Copa e atribuiu a eliminação brasileira a um "apagão" de 5 minutos.

Com o cargo de treinador vago, muito se esperava sobre as atitudes que a Confederação Brasileira de Futebol tomaria. Mas, para nossa total incredulidade, os primeiros rumores que pareciam absurdos começaram a se confirmar. Para comandar a mudança após o maior fracasso da história da seleção brasileira, a CBF chamou Dunga, um treinador que ela mesmo tinha inventado em 2006 e mandando embora quatro anos depois pela mesma entidade.

Mas se Dunga não serviu na primeira passagem, a segunda passagem foi pior ainda. Devo reconhecer que a partida de ontem não foi a pior que já vimos da seleção brasileira sob seu comando, mas o resultado, a apatia diante da adversidade, a incapacidade de fazer mudanças e a nítida sensação de que em dois anos Dunga (e sua comissão técnica) nem esboçaram um começo de trabalho que pudéssemos chamar de útil é que dão dimensão ao fracasso e à nítida sensação supracitada de perda de tempo.

Não sou a favor de troca de treinadores a cada resultado ruim. Qualquer pessoa que leve futebol um pouquinho mais a sério sabe que trocar treinador toda hora não resolve o problema de um time ruim. É preciso dar tempo para que o trabalho evolua e a tão elogiada seleção alemã é a prova disso. Acontece que dar tempo para Dunga no comando da seleção nesse momento não seria dar tempo para que um treinador implementasse seu método de trabalho numa equipe até que ela começasse a dar resultado. Dar tempo a Dunga seria insistir num erro até esperar que ele se resolva sozinho. E essa é a definição mais famosa de loucura.

"Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes" - Albert Eistein 

Se na primeira passagem dele, o time chegou a vencer partidas importantes, conquistou uma Copa América e uma Copa das Confederações, dessa vez a seleção foi eliminada precocemente na Copa América do Chile no ano passado, eliminada precocemente na Copa América Centenário, ontem, e ocupa apenas a sexta colocação nas Eliminatórias Sul-americanas para a Copa do Mundo. Tal posição deixa a seleção brasileira de fora da Copa no momento, algo que ainda não aconteceu na história. Mas estamos falando justamente de quebra de recordes, não é mesmo?

Acontece que Dunga, que já provou por A + B que não é um técnico de futebol de verdade, é só a ponta de um icebergue que nós nem somos capazes de imaginar. Alguém colocou Dunga numa função que ele não é capaz de executar. Duas vezes. E esse alguém chegou lá por métodos tão jurássicos quanto escusos.

Da esquerda pra direita, Andrey Lopes, o Cebola, auxiliar técnico; Marco Polo Del Nero, presidente; Dunga, treinador; José Maria Marin, ex-presidente; e Gilmar Rinaldi; coordenador técnico

Sobre estes, é difícil citar a quantidade de erros tão claramente quanto os resultados de Dunga, mas ainda vale citar o nome do coordenador técnico Gilmar Rinaldi (costas largas de Dunga nessa segunda passagem), do secretário-geral Walter Feldman, do atual presidente Marco Polo Del Nero (denunciado por corrupção pelo FBI), do vice-presidente e chefe da delegação na Copa América Coronel Nunes (laranja numa manobra do grupo político de Del Nero recentemente) e do ex-presidente José Maria Marin (quem efetivamente contratou Dunga de novo e hoje está em prisão domiciliar nos EUA). Todos articuladores políticos dentro da CBF que ocuparam ou ainda ocupam cargos superiores ao de Dunga e que devem ser responsabilizados por mais um vexame da seleção brasileira.

Nessa véspera do que tudo indica culminará na demissão de Dunga e Gilmar Rinaldi, o futuro aponta para uma direção tenebrosa. Com a troca no comando técnico da seleção, os resultados dentro de campo até podem voltar a aparecer, mas resta muito pouca esperança de que a estrutura de poder da CBF sofra alguma alteração.

No momento pelo qual passamos por uma crise de representatividade, corremos um sério risco de que no futebol, assim como na política, cortemos um galho e continuemos ignorando que a árvore inteira está podre.


publicado em 13 de Junho de 2016, 21:33
Breno franca jpg

Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura