Seis meses sem celular

Aquela noite de 17 julho de 2011 começou com um amigo perguntando: e aí, bora se estragar hoje? Lembro claramente que eu respondi: nah, tô de boa de álcool essa noite. Eu realmente não queria beber.

Poucas horas depois eu estava vomitando na porta de um strip club e percebendo que não estava mais com o meu celular.

Nunca mais vi.

Me critiquem à vontade, mas eu era daqueles caras que não tinham um celular – tinham um iPhone. E eu queria outro iPhone, ou então estava disposto a ficar sem. Como eu estava fora do país (isso aconteceu em Barcelona, na Espanha), e a grana estava curta, não rolou.

Resultado: fiquei sem celular por seis meses, até dezembro.

Eu, um viciado digital. Eu, que decepcionava a (então) namorada ao entrar no Twitter enquanto estávamos jantando fora. Eu, que trocava dezenas de mensagens no WhatsApp por dia. Eu, que não sabia mais cagar sem jogar Tiny Wings. Eu, que passava o dia trocando turnos com meus amigos no Carcassone e passava a noite lendo livros de 400 páginas no aplicativo do Kindle. Eu, que tinha um plano que me custava mais de R$ 200 por mês e mesmo assim vivia estourando os enormes limites de minutos e SMS.

Como?

O início foi foda mesmo. Eu colocava a mão no bolso direito da calça por reflexo, e não tinha nada lá. Eu sentia falta regularmente de aplicativos específicos para tarefas que eu só fazia de vez em quando, como um cronômetro, um gravador de som, um conversor de medidas, um guia de referências.

E fiquei sem câmera. No meio de uma viagem, na cidade mais linda e interessante que eu já conheci. Isso foi o pior.

Mas a adaptação nesse momento não foi tão difícil. Afinal, eu estava usando o celular mais como um computador de bolso do que como uma ferramenta de comunicações. Logo me acostumei.

Só até voltar ao Brasil.

Quando voltei, comecei a observar. Percebi algumas coisas óbvias, mas que você tem que estar olhando para conseguir ver. Para muita gente, não existe mais sequer a opção de “ligar em casa”. Muitos não têm mais aparelho fixo, e mesmo os que têm muitas vezes não enxergam nele uma opção de comunicação. Sem olhar para trás (por que olharíamos, afinal?), paramos de ligar para casas e começamos a ligar para pessoas.

“Oi, fulano está?” “Oi! Ele está sim. Espera, vou chamar.” FULANOOOOOO! TELEFOOOONE!”

O diálogo acima praticamente não acontece mais. Hoje em dia ou o fulano está e já vai te atender prontamente, ou a ligação simplesmente não acontece. Basta observar o extremo desconforto que acontece quando você liga para o celular de alguém, e outra pessoa atende. Parece que a própria realidade se desconfigurou na sua frente. Parece que você digitou 2+2 na calculadora, e a resposta veio 5.

Sem celular, eu quase arruinei a minha vida social. Minha sorte é que eu moro com um amigo, e ele marcava as coisas. Eu só ia. Se dependesse de mim, acho que pouca coisa teria rolado.

As vezes em que precisei marcar encontros a dois, frequentemente dava errado. A única maneira era combinar o local e hora do encontro de maneira minuciosamente detalhada. E torcer para que nenhum dos dois se atrase por nenhum motivo. E que não aconteça nenhum imprevisto. Porque, se acontecer, eu estou na rua. Incomunicável.

Houve uma vez que marquei encontro com uma amiga em um local específico. Mais de 40 minutos depois da hora combinada, ela não estava lá. Logo depois que eu desisti de esperar, ela chegou. Não sei nem por que ela esperou, mas ela fez isso por tempo suficiente para que eu chegasse em casa e visse que ela tinha mandado um tweet (é o mais próximo que alguém sem celular chega de um SMS) avisando que tinha saído atrasada. Na mesma hora eu peguei o Skype (o mais próximo que alguém sem celular chega de um celular) e liguei pra ela. Voltei. Conseguimos nos encontrar depois. Uma hora e vinte minutos depois do combinado.

(Oi, Fer. Sim, é de ti que eu tô falando. :*)

Isso pra não falar dos encontros em que eu não tive essa sorte toda.

"Experimento social"

Mas, de modo geral, foi um bom “experimento social” ter ficado esse tempo todo sem celular.

É difícil observar objetivamente um grupo quando você faz parte dele. Quando eu me vi de volta ao Brasil, mas fora do grupo das pessoas que usam celular, eu pude observar exatamente como é chato quando alguém dá mais atenção para o Twitter do que para o mundo à sua frente. Eu sempre soube, mesmo quando era eu fazendo isso. Mas só quando eu me vi externo a isso foi que eu senti a extensão completa do quanto isso é um pé no saco.

Gente que vai com o teu grupo na balada mas só usa um dos braços para dançar, porque o outro está digitando um SMS ou fazendo checkin no Foursquare ou sei lá. Entende? É chato. É desconexo. Desconfortável.

"Viciados nos nossos iPhones? Eles vão ver quem vai rir!" "OMG, né, kkk, deixa eu ver quem tuitou sobre isso!"

No final de dezembro, o PapodeHomem recebeu para testes um HTC Ultimate. Sabendo da minha condição de ilhado digital, a equipe acabou decidindo que eu ficaria com o aparelho. Agora eu tenho um celular de novo, e por vezes me sinto agindo como agia antes. Especialmente se eu estou com dois ou três amigos e um deles puxa o seu. Basta um. Aí vira bagunça. Por isso: evite ser o primeiro a puxar o celular da calça se ninguém mais estiver fazendo isso.

Nesse sentido, uma das características do celular que me serviu bem foi o Windows Phone 7. Esse sistema operacional é novo e ainda tem bem menos aplicativos, por isso eu não fico mais tanto tempo no Twitter, no Facebook ou jogando. O foco do aparelho não são games e aplicativos diversos. Percebo uma preocupação maior com o design e a interface e a integração bem feita com algumas redes sociais do que com mil outras funcionalidades e distrações.

E quer saber? Que bom. Como eu coloquei há alguns meses na minha bio do Twitter (oh, a ironia!), “aí um dia eu me liguei que o videogame mais legal que tem é a vida”. Não preciso de tantos joguinhos no celular pra me divertir.


publicado em 19 de Janeiro de 2012, 09:55
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Fabio Bracht

Toca guitarra e bateria, respira música, já mochilou pela Europa, conhece todos os memes, idolatra Jack White. Segue sendo um aprendiz de cara legal.\r\n\r\n[Facebook | Twitter]


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