De tempos em tempos surge algum texto para levantar esta questão. Alguns mais empolgados, outros mais indignados, mas todos com um discurso alinhado:

“ Hoje em dia, não há nada mais fundamental e atual do que estar bem consigo mesmo, usar o que gosta e se se sentir confortável com suas peças. É claro que, em ocasiões mais formais, se vestir bem é crucial, além de também pegar muito bem naquele jantar romântico com a(o) namorada(o). Mas o fato é que você é mais importante que as roupas que veste, é sua personalidade que realmente interessa.”

Alguém discorda do que foi dito?

Pois deveria.

Como assim?

Este é mais um caso em que um argumento mal colocado pode nos induzir a um erro conhecido como Retórica Comparativa de Fatores Não Equivalentes, algo muito comum em quase todos os debates de internet. Vamos ver como isso funciona abaixo, em nosso momento Telecurso 2000:

1. Começa-se falando sobre o tema geral, e não sobre assunto específico da conversa. Moda (não vestuário), Futebol (não histórico tático), Corrupção (não a competência de cada cargo político).

2. Aplica-se o primeiro argumento em cima do tema genérico, normalmente utilizando o caráter cronológico por dois motivos:

 A. a passagem do tempo sempre garantirá a mutabilidade de todas as coisas. Falar que o tempo passou e as coisas mudaram é um acerto garantido (embora seja sempre uma redundância). 

B. estar desatualizado é sinônimo de equívoco (embora este fato não seja uma verdade pétrea) e, ao reforçamos o contexto temporal, produzimos o mesmo efeito que uma pergunta retórica causaria – a concordância prévia do leitor.

3. Abre-se a falsa exceção, em que uma situação específica ( “estar confortável” ou “ir a um jantar romântico”) é equiparada ao motivo da discussão (“se vestir bem”), dando a entender que o autor não é radical e que encara o assunto com maleabilidade, sugerindo que sua observação é ponderada e imparcial. Mas, note, não estamos analisando se ir a um jantar bem vestido é positivo, mas sim se estar bem vestido é positivo. 

São análises totalmente diferentes. O mesmo serve para o conforto.

4. A conclusão final é obtida por meio da colocação antagônica da estrutura do tema (“você é mais importante que as roupas que você veste”) mediante a uma de suas subtramas, como se fosse possível a comparação entre elas.

Hora de colocar o método a prova com um exemplo. Vamos a prancheta do PVC da Moda:

O assunto: 

 Será que vale a pena eu mudar a cor da minha sala de estar?

Ai, lá vem ele

A resposta: 

Hoje em dia, não há nada mais atual e fundamental do que estar atento à construção de sua casa. Checar materiais e priorizar sempre a qualidade. É claro que, em vários cômodos, é importante destacarmos o papel da pintura. Uma casa bonita pode deixar seu morador mais feliz, mas o fato é, a estrutura é a parte mais importante da casa. 

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Conclusão:

Agora que já decupamos a estrutura, é possível perceber como muitas de nossas discussões na internet (e na vida real) são impossíveis de serem concluídas mesmo que os dois lados tenham informações e argumentos verdadeiros.

Mais do que checar os fatos e os raciocínios, é necessário observar se o que é apresentado pelas partes visa ou não elucidar o questionamento. Caso contrário, corre-se o risco de estar apenas gastando energia à toa, independente da relevância do assunto e da veracidade dos fatos expostos.

Analisar a questão é tão importante quanto analisar quais são os argumentos. 

Finalmente, voltemos a questão primária. Se vestir bem é importante?

Antes de seguirmos adiante, é necessário exercer a reflexão sobre o que está sendo perguntado. Afinal, o que é se vestir bem?

Ainda tá confuso, é?

Veja quão manjador dos paranauê você é escolhendo a alternativa correta:

A) (   ) “- Ah, Dom, é mandar aquela beca estilo na hora do role”;

B) (   ) “- É não sair com roupas cafonas ou que não sirvam bem”;

C) (  ) “- É estar atemporal e alinhado, independente de onde se encontre”;

D) (  ) “- É colocar uma roupa confortável que seja adequada a situação que você se encontra”.

E a resposta correta é: nenhuma das alternativas. 

Isso quer dizer que as afirmações estão erradas? De maneira alguma. Apenas quer dizer que nenhuma delas é a resposta a esta pergunta, pois todas se tratam de “como se vestir bem” e não de “o que é se vestir bem”.

Seguindo para a resolução da dúvida, “se vestir bem” é a junção entre conseguir comunicar exatamente o que se deseja em um determinado meio social e passar a este meio a mensagem de que você tem as características que eles admiram em uma pessoa.

Agora que temos o total entendimento sobre o tema, não tenho dúvida que todos podem responder a esta pergunta com relativa facilidade: 

Se vestir bem é importante?

Antes de começarem a me xingar pelo final de texto estilo Inception, tenham paciência. Aprender sobre algo tem muito mais a ver com reflexão do que com informação. Não se aflija, no próximo texto a treta fica séria. Iremos para a parte prática de como traduzir os fatores almejados socialmente em características visuais.

Como sempre, espero que tenha sido útil ou, ao menos, divertido!

Bruno Passos

Pintor. Ama livros, filmes, sol e bacon. Planeja virar um grande artista assim que tiver um quintal. Dá para fuçar no <a>Instagram</a> dele para mais informações."