Ritual de fim-de-ano: conferir se não sou um monolito

E se não me perdi no script da vida comum

Todo fim-de-ano, tenho um ritual. Releio o texto "Monumento a um jovem monolito", do André Dahmer, e faço uma autorreflexão. Essas palavras estão descrevendo em alguma medida a minha vida no ano que passou? Me tornei um monolito?

Se a resposta for sim, é hora de jogar tudo pro alto e começar de novo, colega.

* * *

O texto completo é curto. É quase uma oração. Ou um koan. Aqui vai.

Monumento a um jovem monolito

Ao completar trinta anos, você ganhará os olhos duros dos sobreviventes. Só verá sua amada na parte da manhã e da noite, só encontrará seus pais de vinte em vinte dias. E quando seus velhos morrerem, você ganhará um dia de folga para soluçar e gritar que deveria ter ficado mais próximo deles. Sorria, você é um jovem monolito e a vida vai ser pedrada. O trabalho é uma grande cadeia e você sentirá muito alívio por ter uma. A cadeia engrandece o homem, o sangue do dinheiro tem poder. Reze. Reze ajoelhado por uma carreira, dê a sua vida por ela. Viva como todo mundo vive, você não é melhor que ninguém. Porque o dinheiro move montanhas, o dinheiro é a igreja que lhe dará o céu. Sorria, você é um jovem monolito e o mundo é uma pedreira. Eles irão moer você todinho. De brinde, muitos domingos para chorar sua falta de tempo ou operar uma tendinite. Nas terríveis noites de domingo, beba. Beba para conseguir dormir e abraçar mais uma monstruosa segunda-feira. Aquela segunda-feira que deixa cacetes moles e xoxotas secas para sempre. A vida é uma grande seca, mas ninguém sente calor: Nas salas refrigeradas, seus colegas de trabalho fabricam informação e, frios, sonham com o dia dez do próximo mês. Você é o Babaca do Dia Dez, não há como mudar o seu próprio destino. Babaca que acorda assustado, porque ninguém deve atrasar mais de vinte e cinco minutos. Eles descontam em folha e você é refém da folha, do salário, do medo. Ninguém tem o direito de ser feliz, mas você ganhará a sua esmola de seis feriados por ano. E todos nós vamos enfrentar, juntos, um imenso engarrafamento até a praia. Para fingir que ainda estamos vivos. Para mostrar que ainda somos capazes de sentir prazer. Para tomar um porre de caipirinha sentado em uma cadeirinha de praia. É uma grande solução. E você ainda ganhará quinze dias de férias para consertar a persiana, pagar contas, fazer uma bateria de exames. Ninguém quer morrer do coração, ninguém quer viver de coração. Eu não duvido da sua capacidade de vencer: Lembre disso no primeiro divórcio, no primeiro infarto, no primeiro AVC.

Monumento a um jovem monolito
Monumento a um jovem monolito

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No livro Não para a felicidade, de Dzongsar Jamyang Khyentse, ele diz que o dharma, ou caminho budista, foi criado especificamente para virar sua vida de cabeça pra baixo:

Se você pratica o dharma e a sua vida não capotou, então, não está funcionando.

Quando Henry David Thoreau foi preso por se recusar a pagar impostos que seriam usados na Guerra Mexicano-Americana (forte concorrente ao posto de mais canalha guerra de agressão já travada pelos EUA contra um inimigo mais fraco), Ralph Waldo Emerson foi visitá-lo na cadeia e lhe deu um puxão de orelha:

“Henry, Henry, em tempos como esses, o que você está fazendo aí dentro?”

E Thoreau, na lata:

“Waldo, a questão é o que você está fazendo aí fora.”

Ser bem-sucedido e bem-ajustado num mundo escroto pode bem ser indicativo da sua própria escrotidão.

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Compartilhei minha tarefa anual com os amigos aqui do PapodeHomem. Quem não conhecia o texto pirou.

O Gitti pediu pra eu fazer um shot sobre isso, linkando esse outro post que o Fábio Rodrigues já tinha escrito sobre o monolito:

Monumento a um jovem monolito: entre Pedro Bial e André Dahmer

Mas Gitti, respondi eu, não seria redundante escrever sobre isso de novo?

E veio a porrada:

Redundante é ficar postando amenidades e novidades num portal.
O lance é bater de novo e de novo e de novo nas mesmas coisas.
Igual a um masoquista que não cansa de levar chicotada do mesmo jeito, e gosta cada vez mais.
Assim são os leitores e nós e todos que sofrem e desejam a liberação última.

Beleza, falei, mas vou incluir essa resposta no post.

Ao que o Fábio suspirou:

"Seus deliciozinhos."

Assim é a redação do PapodeHomem.

* * *

Você foi um monolito em 2012?

Vai continuar sendo em 2013?

Será que não existe mesmo outro jeito?

Essa é a única maneira de viver?

Sério?

Pensa de novo.

Afinal, está valendo a sua vida.

Link YouTube | "Monumento a um jovem monolito", em vídeo..

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Outros textos meus nessa mesma linha:

Ou dê uma moedinha ao violinista cego.

* * *

Visite também o site do André Dahmer. O homem é brilhante.


publicado em 10 de Dezembro de 2012, 12:31
File

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha vídeo-biografia, me siga no facebook, assine minha newsletter.


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