De pequeninos, o vaso cai no chão. Enquanto a terra mancha o carpete e a água vai escorrendo em vigas regulares, nossas cabeças infantis antecipam o esporro. Não deveríamos estar ali, mexendo na substância transparente mais bonita do mundo, posicionada sobre a luz do sol acima de nossas cabeças.
Foram muitos os alertas que havíamos recebido: “Não mexa aí, menino!”, “Se isso cai e pega numa vista”. Mas às cinco da tarde a janela deixava o raio de sol entrar no quarto e ele repousava bem sobre o vaso de vidro. Dentro, a água estática segurava um só talo, magrinho, da rosa vermelha.
Tudo estava em paz até que uma mão gordinha e suada meteu os dedos na peça. De primeira, acabou empurrando a coisa mais pra trás, dificultando o tato. A estratégia oficial para pegar coisas fora do alcance é traçada: pequenos empurrõezinhos com as falanges até que a outra mão interrompa a queda da coisa.
Não aconteceu.
Os cacos jogados eram a sentença do crime: havíamos feito aquela única coisa que não deveríamos fazer. O erro teve lá sua motivações. Foi cometido senão por encantamento, por curiosidade, o não contentar-se com a ignorância, a tara infantil pelo desconhecido, a mão temerária da criança.
Não perdemos a mão temerária, muito menos a curiosidade. O que não é predominantemente bom nem ruim, vá lá – machucamos gente pelo caminho, perdemos muitas chances, parcerias e cumplicidade, fazemos coisa errada mesmo, da qual nos arrependeremos por bons tempos. Mas há quem aprenda a jardinar depois de pisar na flor, há o filho que nunca seria não fosse a irresponsabilidade do casal, a cicatriz do pega-pega com a melhor amiga no chão escorregadio.
Ainda bem que ainda tem quem bote fé no potencial do erro. Achamos o tesouro de uma breve entrevista pro Canal Brasil, na qual o consagrado ator argentino Ricardo Darín recuperou tudo isso. Ele criticou a pressão constante que existe sobre nós de agir com foco no resultado, como se uma borracha se devesse passar sobre caminhos que induziram ao erro. Falou de como estamos condicionados à efetividade.
Basta ser um tico observador – de si mesmo e dos outros – pra perceber que essa pressão pode ser contraproducente. Quem já esteve numa sala de aula sabe que ela não leva ao acerto, nem acelera nossa capacidade de raciocínio.
Ela tem como consequência duas ações principais. A primeira é bem utilitária: inibir a má-fé deliberada, egoísta e destrutiva. A segunda, nem tanto: inibir a tentativa.
Isso significa que quanto mais deixamos que nossos erros sejam motivos de vergonha e condenação, menos nos permitimos experimentar novos padrões de comportamento. E isso também não é lá motivo pra se orgulhar.
A visão de Darín é extremamente compassiva. Pode não ser fácil entender os limites entre o egoísmo e autocentramento e a autocompaixão, mas a verdade é que se somos muito críticos de nós mesmos, as chances de que sejamos extremamente intolerantes para com os outros é grande. E isso não é bom pra ninguém – só retroalimenta a destrutividade do erro, condenação e inibição.
Mas há outra possibilidade possível: experimente, tente quebrar o menor número de caras possíveis pelo caminho, aprenda, perdoe-se e siga em frente.
publicado em 04 de Maio de 2016, 17:42