Nós perdemos na semifinal de futebol feminino das olimpíadas para a Suécia, mas não é só dentro dos campos que ela bate um bolão. Com um dos níveis de desigualdade de renda mais baixos do mundo, este país ocupa o quarto lugar no índice de democracia da revista The Economist e é o terceiro maior da União Européia em termos de área. 

Estocolmo, a capital, ficou em segundo lugar na pesquisa feita pela siemens sobre as cidades mais verdes do mundo, e seus municípios reaproveitam praticamente tudo que jogariam fora, a ponto de precisarem importar lixo da Noruega para a produção de energia. No quesito sustentabilidade, a Suécia supera todas as expectativas. 

A novidade da vez mora onde todos nós temos um pezinho: consumo. A ideia é mudar um pouco a lógica por trás desse sistema, e para isso foi proposta uma lei que mexe no IVA (Imposto sobre Valor Acrescentado), diminuindo em até 25% seu custo para serviços de reparo. 

“Burlando” a obsolescência 

O modo como o país escandinavo enxerga o reaproveitamento e conserto de bens, por sí só, já é capaz de provocar grandes mudanças. Até mesmo os resíduos deixaram de ser vistos como lixo e hoje são interpretados como fontes de negócio.

Ao propor a lei, o governo acaba institucionalizando formas sustentáveis de consumo, batendo de frente com uma tendência mundial guiada, em parte, pela obsolescência programada. Segundo os papos conspiratórios (ou não), a teoria da obsolescência surgiu depois da crise de 29 como um método de garantir a venda constante de produtos, já que eles seriam programados para pararem de funcionar em um prazo preestabelecido.

Nesse processo de valorização da visão sustentável, o meio ambiente agradece. Diminuindo a compra de coisas novas, há grande economia de espaço no que diz respeito ao descarte de bens, e o que sobra é utilizado na produção de energia, mecanismo que livra o país de consumir cerca de 670 mil toneladas de combustíveis fósseis por ano.

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Essa lei deve ser votada em dezembro. Se for aprovada vai tornar mais barato o conserto de coisas como sapatos, bicicletas e roupas.

Dá pra aplicar por aqui?

É claro que trazer essa medida para Brasil, em termos de políticas públicas, fica difícil. São realidades completamente diferentes, com escalas distintas e condições econômicas singulares. Mas exemplos como esses podem servir de farol vermelho pra nós, no sentido de repensarmos os modelos de produção.

Por mais que pareça inviável aplicá-los em níveis de grande escala por aqui, o convite para repensarmos nossas práticas cotidianas fica ainda mais reforçado. Tomar conhecimento sobre o caminho feito por produtos que consumimos, por exemplo, ajuda a construirmos práticas menos danosas e que, no fim das contas, vão beneficiar a nós mesmos.

Para ajudar nesse caminho, sugiro dar uma olhada nessa lista de transparência sobre trabalho escravo no Brasil e no App Moda Livre, que já apareceu aqui no PdH mas foi atualizado esse ano com mais 25 grifes. Além disso, o documentário The Story of Stuff explica de uma forma super didática todo o processo do consumo e economia de materiais, desde a extração e produção até a distribuição.

Lá na Suécia, a alma das medidas tomadas é, num primeiro momento, fazer com que as pessoas se sintam encorajadas a investir na reutilização de suas coisas antes de partirem para a substituição descontrolada, como manda o sistema.

Tomar conhecimento sobre o percurso que os produtos fizeram até chegarem nas nossas casas, qual farão depois de descartados e como a lógica de consumo pode ser reestruturada, também pode mudar nossa relação com a ideia de reparo e aproveitamento por aqui.

Reconstruir a rotina (dentro das possibilidades) é essencial em qualquer lugar do mundo.

 

Carol Rocha

Leonina não praticante. Produziu a série <a> Nossa História Invisível</a>