Nota do editor: 

Escute abaixo a versão narrada deste artigo feita em parceria com os caras do Vooozer, uma plataforma de audio criada para dar voz a internet.

Aperte o play abaixo e ouça o audio do artigo e deixe sua opinião nos comentários.

Esses dias contei uma história pra minha mãe sobre uma situação engraçada que um dos meus colegas passou. Como gosto de contar histórias caprichosamente, conservei o diálogo original, caprichei nas entonações, contextualizei, mas tudo que minha mãe me disse ao final foi: "Esse seu amigo fala bastante palavrão, hein!?"

Poxa, mãe.

Em contraste, minha namorada é uma pessoa que evita falar palavrões em todos os momentos da vida. Nós viemos de famílias que desestimulam o uso em casa e, mesmo com nossos amigos, os termos escolhidos não vão muito além de um 'puta merda'. Isso por um lado é bom, já que, se escuto ela falar um palavrão em algum momento, saio correndo do outro cômodo da casa porque sei que algo sério aconteceu (geralmente o gato derrubou alguma coisa que fez uma puta bagunça).

O que meu amigo e minha namorada tem em comum além de serem pessoas próximas de mim? Eu considero ambos muito inteligentes. Mas quando escrevi este outro artigo, ele só me deu explicações a respeito da relação inteligência-palavrões do meu primeiro amigo. Agora, com essa tradução feita por Julia Barreto deste artigo do Michael Adams originalmente publicado em inglês no The Conversation, a relação inteligência-palavrões da minha namorada também se esclareceu. O segredo está em saber quando usar, meus amigos.

Aguardo vossos xingamentos nos comentários.

"Seu arrotinho de bebê!" Referência.

Você fala palavrão demais?, por Michael Adams

Algumas pessoas amam falar palavrões e não se cansam de fazê-lo. Mas, ocasionalmente, você vai ouvir reclamações de que, se não formos cuidadosos, talvez os usemos excessivamente e os gastemos, nos forçando a inventar novos palavrões ou – pior ainda – ficar completamente sem xingar. Já pensou nessa hipótese?

Para os alarmados, porém, fiquem tranquilos: na média, nós não xingamos tanto assim, o que é uma indicação – apesar de parecer um pouco paradoxal — de que as profanidades estão aqui para ficar.

Considere a enxurrada de fala de um dia comum: conversas cara a cara, tweets, lembretes, mensagens no celular, e-mail. Essas torrentes convergem num grande reservatório de linguagem diária. Timothy Jay, um professor de psicologia da Massachusetts College of Liberal Arts e um especialista renomado em xingar, estima, graças a décadas de pesquisa, que palavrões representam aproximadamente 0,5% da produção verbal diária de um falante comum.

Essa contenção não é acidental. A maioria de nós possui o senso comum de não estragar os palavrões usando-os demais. Precisamos reter seu poder expressivo, tão profundo e versátil que me levou a escrever um livro sobre: In Praise of Profanity [Em louvor da profanidade].

Nele, mostro que apesar de xingamentos estarem cada vez mais presentes na mídia, a profanidade é fundamental para a experiência humana.

"Seu rocambole sem glúten!"

Palavrões, palavrões everywhere?

Mas por que será que nós superestimamos o quanto xingamos? Como nossas impressões da fala ao nosso redor podem ser tão erradas?

Notamos os palavrões justamente porque os usamos tão eventualmente. Apesar de ser familiar, pode nos pegar de surpresa, então tendemos a superestimar seu papel na fala. Além da frequência, às vezes somos profanos em maneiras não usuais – como quando usamos o “infixo” em inglês abso-f–king-lutely ou guaran-f–king-tee – ou quando a empregamos para chamar atenção: Me f*de! ou Vai se f*der!, ou frases-padrão reservadas para xingar, especialmente se faladas com certa entonação, como Mas que inferno!?. Essas frases-padrão são tão convencionais que podemos só dizer Mas que… e os ouvintes vão completar o espaço. Xingamentos penetram, não conseguimos ignorá-los.

Nas últimas décadas – da anulação de algumas leis sobre obscenidade na década de 1930 até o antiautoritarismo dos anos 1960, passando pela influência cada vez maior da cultura teen desde 1970 – o tabu dos palavrões perdeu força. Nós ouvimos e lemos palavrões em lugares que as gerações anteriores não podiam, como filmes, TV a cabo, revistas, literatura e na incensurável internet, tudo isso nos expondo a mais e mais profanidades. A tendência é evidente mesmo na ficção para jovens adultos.  

Hoje em dia ela é acessível para todas as idades, desde o eufemismo Mas que feno? em “My Little Pony” até o filhos da p*ta ch*padores de p*u de força total do “The Sopranos”. Mas como os palavrões da mídia influenciam o falar do dia a dia ainda é incerto. É impossível dizer se hoje xingamos mais no nosso dia a dia do que 50 anos atrás, porque não existia nenhuma pesquisa sobre isso naquela época. Então não podemos comparar o nosso xingar – em termos de quantidade ou qualquer outra coisa – com o de nossos avós.

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"Sua pantufa apertada!"

Xingar é ser humano

Todos os dias interlocutores estão bastante cientes que palavrões servem propósitos especiais e que usá-los em demasia os tornariam menos efetivos. Alguns usam para promover intimidade (pense em sacanagem) ou solidariedade em grupo (pense em salas de chat ou fóruns) ou até comunidades de marcas (pense no longo catálogo do Tumblr de sites “Fuck Yeah”, tantos que existe um “Fuck Yeah de Fuck Yeahs”). Nos ligamos a pessoas dispostas a correr riscos conosco. E quando você está extremamente frustrado, quando você atingiu o limite da linguagem para expressar o que sente, você pode gritar um palavrão, porque a língua comum te deixou na mão.

Os palavrões têm seu lugar, e dependemos dele. Uma pesquisa sobre o cérebro até sugere que xingar é um saudável diminuidor de stress, especialmente quando estamos com dor. Outra pesquisa descobriu que há uma parte do cérebro que armazena palavrões, o que sugere que profanidades são parte do ser humano, e é por isso que os falantes intuitivamente separam os palavrões para ocasiões importantes – eles são valiosos e não podemos nos dar o luxo de xingar tanto que os palavrões percam o sentido.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que precisamos de profanidade para sermos 100% humanos, se somos profanos demais, acabamos menos humanos — e perdemos uma capacidade exclusivamente humana.

"Seu filhotinho de panda!"

A maioria dos xingamentos são do mesmo saco

Parece improvável, no entanto, que gastemos os palavrões tão cedo. O que é uma boa notícia, porque se não pudéssemos usar os palavrões que conhecemos, precisaríamos inventar novos para suprir nossas necessidades sociais e de expressão.

Não seria fácil. É claro, inventamos palavras o tempo todo. Criamos gírias a torto e a direito. Efêmeras com frequência. Mas se você reunir todas as gírias americanas que existem ou existiram, criaria um dicionário maior até do que o Green’s Dictionary of Slang, criado pelo lexicógrafo de inglês e historiador de contracultura Jonathon Green – três volumes, 6 mil páginas e ainda em expansão.

Palavrões, por contraste, formam um vocabulário muito pequeno. O livro The F Word, do antigo editor do Oxford English Dictionary Jesse Sheidlower, tem cerca de 400 entradas, mas algumas delas – como mindf*cker (s), mindf*ck (v) e mindf*cking (adj) – são muito próximas, então basicamente o léxico da palavra com f é bem menor do que essa conta. Nós inventamos novos itens lentamente – f*ckward (1974), WTF (1985), f*knut (1986), f*ktard (1994) –, mas sua força expressiva depende principalmente de uma base profana sólida. Os sufixos acrescentam nuances ao significado ou tom ou então respondem ao contexto. Mas essas palavras modernas não caem longe do tronco da árvore de profanidade.

No mundo das gírias, criamos novas palavras, mas com palavrões é quase o contrário nesse sentido. Usamos-os criativamente, mas com limites restritos. Todos nós precisamos reconhecê-los pelo o que são e saber o que significam, enquanto que com as gírias estamos frequentemente estabelecendo limites lexicais entre grupos e “forasteiros”, enquanto palavrões servem a todos. Quando, em um contexto ou em outro, conseguimos xingar de maneira criativa, escapamos das forças gravitacionais da história e tradição. É a criatividade contra as probabilidades.

Nós nos apoiamos na mesma gama de palavrões por séculos. F*ck [f*der]] surgiu na língua inglesa no final do século 15. Sh*t [merda] está por aqui desde o Inglês Antigo, apesar do insulto pessoal (Seu merda!) ser contemporâneo à palavra com f, e não ter sido usado como uma interjeição – “Merda!” – até metade do século 19. B*tch [puta] surgiu em torno de 1400, mas ninguém foi um “filho da puta”, aparentemente, até os anos 1700.

Esse pequeno repertório de profanidade histórica funcionou bem, e seria uma vergonha e uma inconveniência perder o poder expressivo dos palavrões. Não poderíamos, realmente, criar um comitê para planejar, distribuir e regular novos palavrões – a língua, pelo menos na América, não funciona desse jeito. Claro, algumas pessoas falam muito palavrão. Mas, de maneira geral, podemos confiar na intuição da maiorias dos falantes para xingar quando necessário, que é como acabamos xingando apenas 0,5% do tempo. Se mantivermos essa porcentagem, podemos evitar a catástrofe da vida sem palavrões. Algo que eu claramente não fiz neste texto. Holy shit.

Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a <a>Jornalismo Júnior</a>