A fotografia é como a vida: a cada dia se renova.
Todavia, aquele momento registrado por uma lente qualquer, tem como grande mérito ser imutável, mesmo quando tudo muda. Essa fidelidade fotográfica nos permite olhar para o passado e ver exatamente (mesmo em um recorte) como tudo foi. Ela é um testemunho.
Quando se aponta a câmera para algum objeto ou sujeito, constrói-se um significado, faz-se uma escolha, seleciona-se um tema e conta-se uma história. E ela nem sempre agradável.
O dia 19 de setembro de 1941 amanheceu claro na Varsóvia, então ocupada pelas tropas nazistas. Era aniversário do sargento alemão Heinz Jost, que servia na capital polonesa e estava de folga até a noite. Naquela manhã de verão, a luminosidade era perfeita para que Jost se dedicasse à fotografia, sua ocupação preferida nas horas vagas. Para exercitá-la, no entanto, naquele dia ele não procurou árvores ou paisagens floridas como costumam fazer os fotógrafos amadores.
Naquele dia, ele queria contar uma história diferente.
Assim, preferiu apontar suas lentes para o palco de uma das maiores atrocidades da história: o gueto judeu da cidade, uma área com pouco mais de 4 quilômetros quadrados onde viviam confinadas cerca de 500 000 pessoas. Infestados por piolhos e pelo tifo, o lugar havia sido declarado zona de epidemia e estava proibido aos não judeus. Mesmo para Jost, que era um oficial germânico, a entrada no gueto era vedada e qualquer tentativa de invasão poderia ser punida com a morte.
O risco não o intimidou. Intrigado pelos cadáveres empilhados diariamente atrás dos muros do gueto, o sargento foi apurar o que se passava lá dentro. Como ninguém o impediu, seguiu em frente e atravessou a porteira principal, permanentemente vigiada. As imagens que ele documentou são de embrulhar o estômago.
As pessoas do lugar pareciam entorpecidas pelo terror. Ninguém parecia se importar com os mortos espalhados pelas calçadas. Durante o dia, esses cadáveres, eram recolhidos, às centenas, em carretas.
Doloroso, aterrador, desconcertante, o trabalho de Jost registra a luta e a convivência desigual entre a vida e a morte naqueles tempos sombrios na Polônia. Situações corriqueiras, como donas de casa bem vestidas levando os bebês em carrinhos para um banho de sol, se misturam à tragédia de mendigos doentes definhando e chorando pelas calçadas.
No entanto, a porção mais preciosa do trabalho de Jost não se refere à morte no gueto, mas trata do cotidiano das pessoas no lugar. Uma de suas belas fotos mostra um rapaz vestido com terno e chapéu que passa o tempo tocando violino na calçada.
O violinista é um sujeito triste e abalado pela fome, mas ainda assim, mantém a altivez necessária para encarar o fotógrafo.
Outro grande momento registrado por Jost mostra uma velha vendedora de braçadeiras, com vários de seus produtos presos ao vestido. As braçadeiras eram um item exigido pelos nazistas no vestuário dos judeus.
Nessa fotografia, a dignidade humana insiste em transparecer até nas condições de vida mais miseráveis.
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