Estas últimas semanas de protestos no Brasil têm sido um pouco duras para aqueles que, como eu, se veem longe do país em um momento político tão importante. O transporte público é um tema essencial para qualquer grande cidade e seu bom funcionamento influencia diretamente a qualidade de vida dos seus cidadãos.

Se neste momento eu não posso ajudar com a minha presença nas passeatas, acredito que posso contribuir com ideias, muitas delas construídas durante minhas visitas a outros lugares, onde tive a oportunidade de conhecer sistemas eficientes e baratos de transporte público.

Onde existe e como funcionaria o Passe Livre no Brasil?

Ônibus de graça em Libourne, França. Mas não serve de exemplo para nossas Metrópoles. A cidade não chega a ter 25 mil habitantes
Ônibus de graça em Libourne, França. Mas não serve de exemplo para nossas Metrópoles. A cidade não chega a ter 25 mil habitantes

Não podemos tratar do tema sem mencionar o Passe livre, modelo adotado em poucas cidades do mundo, como Colomiers e Liborune, aqui na França. Existe um motivo para o sistema ser incomum até em grandes países de regimes social-democráticos: ele exige um gasto muito grande de recursos do Estado que, particularmente, no caso do Brasil, poderia ser melhor aplicado em outras de nossas áreas deficientes.

Apesar da minha crença em soluções menos drásticas capazes de resolver o problema do transporte público, não poderia escrever um artigo sobre o tema sem mencioná-lo e até mesmo concordar que ele não chega a ser uma reivindicação completamente desprovida de sentido.

Cada cidade possui sua própria maneira de lidar com esta conta, mas usarei aqui o Rio de Janeiro (por familiaridade) como exemplo principal. Nesta cidade, graças a um grave problema de políticas públicas, não sabemos dizer quanto efetivamente do custo do transporte é pago pela empresa de ônibus, quanto é subsidiado pelo governo e o quanto é coberto pela venda de bilhetes para os seus passageiros.

De acordo com a Fetranspor e as autoridades locais, o custo é dividido igualmente entre os três fatores, ou seja, no sistema atual os cofres públicos seriam responsáveis por cerca de 33% do custo operacional do transporte na cidade.

É importante lembrar que, visando conter o aumento das passagens no Brasil, o Governo Federal decidiu zerar os impostos do PIS/Cofins para o setor e, no caso carioca, temos Eduardo Paes, que reduziu o ISS de 2% para 0,01%. Trocando em miúdos, empresas de ônibus no Brasil praticamente não pagam impostos e mesmo assim têm ajustado os preços das passagens acima da inflação.

O dado importante aqui é que o Estado não recebe nenhum dinheiro no modelo atual e mantém o seu gasto de 33%.

A cobrança dos passageiros é responsável por cerca de 10% a 20% das despesas totais, já que isso implica em contratar cobradores, instalar catracas, confecções de cartões, perde-se tempo e gasolina em esperas longas para que todos os passageiros embarquem, e etc.

Ou seja, o Passe Livre reduziria – em parte – o custo total do transporte público.

Considerando todos esses dados, se o Passe Livre fosse aplicado, o Estado teria de arcar com um valor mais ou menos equivalente a um pouco mais de o dobro do que o faz hoje. Se atualmente ele paga 33% do custo total, considerando o fim dos mecanismos de cobrança (que tem um custo em torno de 15% em uma cidade grande) e a perda da parceria com uma empresa privada, restariam ainda um adicional de 52% de custo para os cofres públicos.

Como recuperar este dinheiro?

Uma alternativa interessante seria criar pedágios nos pontos centrais da cidade, desencorajando o transporte privado e incentivando o uso massivo do transporte público. Outra boa opção é cobrar por serviços nos trens, ônibus e metrôs da cidade, oferecendo pacotes de wi-fi e outras comodidades para os passageiros interessados em pagar.

Por fim, com um sistema de transporte urbano tão utilizado, certamente será possível arrecadar bastante dinheiro com propaganda.

Espaço e possibilidades para propaganda não faltam
Espaço e possibilidades para propaganda não faltam

É claro que, para tornar uma cidade tão funcional em termos de transporte público, será necessário um investimento colossal. Nem mesmo as frotas atuais são decentes o suficiente para aguentar toda esta demanda e, no fim, me parece uma opção muito cara para o Estado.

Modelo europeu do “provar que pagou”

O continente Europeu costuma utilizar um sistema distinto do Brasileiro, no qual os passageiros compram seus tickets antes de embarcar, podendo encontrá-los em máquinas no ponto de ônibus ou em bilheterias específicas (a maioria das pessoas tem um cartão automático do serviço que você paga todo mês).

Ao entrar no seu ônibus ou trem, você passa seu bilhete ou cartão em um dos muitos pequenos terminais dentro dos veículos. Sem atraso, sem catraca, sem tumulto. Uns até entram sem pagar, mas arriscam encontrar alguns dos muitos fiscais que transitam entre os ônibus e trens em busca de fraudes.

Estou convencido que este é o melhor sistema de cobrança, sendo bem mais econômico para todos. Não é incomum, no Brasil, um ônibus ficar horas no ponto porque tem uma longa fila de passageiros para entrar e pagar seu bilhete. Estudos na cidade de Nova York estimam que, graças a essa forma de cobrança, perde-se cerca de 20 minutos por trajeto completo de uma linha de ônibus. Nas grandes cidades brasileiras, com tráfego absurdo, esse atraso deve ser ainda maior, representando um gasto enorme de tempo para os passageiros e de gasolina para os motores ligados.

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 O modelo londrino do OysterCard

Londres tem um dos transportes público mais caro do planeta, graças ao exorbitante custo de seu metrô: £4.50 Libras (15,20 Reais pela cotação atual). Mas apenas turistas e visitantes costumam pagar este preço.

Na capital inglesa, praticamente todos viajam com o OysterCard, um cartão que assegura preços muito melhores para seus viajantes. Munidos deste cartão, o preço das tarifas do transporte público londrino é diminuído por mais que a metade: o metrô cai para £2,10, os ônibus vão de £2,40 para £1,40, além de inúmeras reduções de acordo com sua classe social ou trabalho (estudantes até 18 anos pagam £0,70 para usar um ônibus).

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Para funcionar no Brasil, o cartão deveria exigir um número mínimo de cargas relativamente altas (como 15 ou 20 reais) além de um preço módico pela sua confecção (5 reais reembolsáveis se você devolver o cartão). A barreira de 25 reais garantiria que apenas usuários frequentes da cidade (quem usa transporte público pelo menos duas vezes na semana) comprem o cartão.

O sistema londrino parece se adequar perfeitamente para grandes cidades do Brasil, como Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, que recebem milhões de visitantes todos os anos. Desta forma, temos um preço baixo e justo para a população local que o utiliza sempre, e outro bem maior para turistas e passageiros eventuais.

No momento atual, a passagem de ônibus/metrô (bilhete único não entra nem em discussão) poderia custar R$4,50, mas todos aqueles munidos de cartão de transporte poderiam pagar cerca de R$1,90.

O modelo francês

A França é conhecida por ter o sistema de transporte público mais eficiente do mundo.

São dezenas de opções diferentes, mesmo nas cidades pequenas, que incluem metrôs, ônibus, tramways e trens interurbanos. Ainda que algumas especificidades locais existam (incluindo o Passe Livre em mais de dez cidades), o básico é sempre semelhante:

  • bilhete único entre todos os transportes (que funciona por uma hora, ainda que o Parisiense não possa ser reutilizado, como em Lyon ou Marseille),
  • cartão mensal para residentes com um grande desconto de tarifas,
  • modelo “provar que pagou”
  • e uma ampla rede de linhas que dá suporte à cidade inteira.

Na cidade de Lyon, segunda maior área urbana do país, o bilhete único custa €1,70. No entanto, você possui várias opções mais baratas de pagamento para quem é residente. A mais utilizada é o cartão TCL, que abrange toda área urbana da cidade (incluindo os municípios nas periferias) e que custa apenas €53 euros (€28 para estudantes) para lhe dar transporte ilimitado, isto é, qualquer tipo de veículo quantas vezes ao dia você desejar, por um mês inteiro.

Se as principais cidades do Brasil oferecessem um serviço de acesso automático a qualquer transporte público, por cerca de 50 ou 60 Reais e mantivessem as tarifas atuais elevadas, certamente teríamos a solução para o problema.

O lucro das empresas de transporte seria ridiculamente diminuído, mas o que importa é o bem estar da população. Se o Estado arcasse com os custos, creio que com usuários pagando este preço sugerido, os governos pagariam muito pouco mais do que já o fazem hoje.

Tramway em Lyon
Tramway em Lyon

Conclusão

O que temos de manter em mente é que transporte público é algo vital para o funcionamento das grandes cidades. Certas privatizações foram importantes no Brasil, como o caso do setor de telefonia, mas esta é uma área que não deve visar o lucro. Muito pelo contrário, é um absurdo que prefeitos como Eduardo Paes declarem que irão subsidiar a redução das passagens com dinheiro dos nossos impostos.

O que todos querem é que se reduza o lucro das gigantes do transporte ou, melhor ainda, que repensemos nosso modelo atual, trocando-o por outros que efetivamente funcionam, que respeitem o orçamento dos brasileiros e se adequem às nossas necessidades reais.

Felipe Velloso

Carioca erradicado na França, Felipe Velloso se formou em História, mas largou os tomos empoeirados e os arquivos para viver a vida de redator e escritor. Apaixonado por quadrinhos, games, literatura e cinema, Felipe hoje se prostitui de maneira literária pelo velho continente.