Nessa época de festas e viagens, é bom saber o que fazer durante uma blitz.
Nos últimos meses estive mergulhado em uma grande transição na minha vida e senti falta de escrever para o PapodeHomem. Aquele último email do Gitti marcado como não lido era pra eu realmente não me sentir em paz cada vez que ligasse o note.
Poeira baixa, tudo assentado, mestradão comendo solto. Pois é, a transição foi essa. Repentinamente tive que largar tudo e meter a cara nesse novo projeto e, em meio a provas, papers, comentários de acórdãos e afins, cá estou pra conversar sobre uma situação comum na nossa vida cotidiana: abordagem em blitz policiais.
Esta é uma discussão que não é nova, mas que se renova constantemente. Sempre há espaço pra algum novo levantamento e dele surgem vários novos assuntos. O último deles gerou muitos dissabores nas blitz de trânsito Brasil afora (com ou sem abusos de poder) e muitas divergências de entendimento, mas finalmente me parece que a discussão sobre ele se encerrou. Falo da obrigatoriedade ou não da realização do teste de bafômetro.
Teste do bafômetro e presunção de culpa
Quando a “lei seca” do trânsito entrou em vigor, a própria recusa em realizar o teste de alcoolemia se mostrou comportamento definido como crime. Este dispositivo não só deixou a sociedade indignada pela sua rigidez, como também colocou em polvorosa a comunidade jurídica brasileira. Ninguém desconfiou da boa intenção dos legisladores, contudo a norma aprovada afrontava diretamente o princípio constitucional de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo (artigo 5º, inciso LXIII).
Houve quem dissesse que o teste de bafômetro não seria uma expressão de ideia e, portanto, não atuaria como uma produção de prova contra si mesmo. Alegou-se que uma simples entrega de amostra, qualquer que fosse a forma, não feriria a garantia constitucional (nos EUA funciona assim). Outra corrente defendeu que nenhum direito é absoluto e que se fosse pra salvar vidas no trânsito não haveria problema em se relativizar, ou seja, afrouxar o princípio da não auto-incriminação.
Felizmente, tais pensamentos não prevaleceram. Comungo do mesmo entendimento daqueles que interpretam a lei invertendo o ônus da prova, mantendo a finalidade principal e protegendo a norma constitucional, bem como a capacidade das pessoas de não se auto-incriminarem. A recusa do teste de alcoolemia não é tratada como crime, mas simplesmente presunção de que o motorista está alcoolizado (ele que não provou que estava sóbrio). Assim, cria-se a tal presunção de culpa, possibilitando a punição do condutor do veículo de forma menos drástica e mais eficiente.
Na prática, o motorista embriagado pode recusar o procedimento, porém sofrerá as mesmas sanções de quem for flagrado alcoolizado no aparelho de bafômetro.
Encerrada essa questão, antes de orientá-los a como reagir diante de uma situação de abuso tenho que dizer quais são os limites da ação de um Policial Militar.
Como agir em caso de abuso de poder
Todo Policial Militar deve agir dentro da legalidade: pode fazer tudo o que achar necessário em uma abordagem, contanto que não vá contra alguma lei, o chamado “poder discricionário baseado na lei”. Se no decorrer da abordagem o indivíduo praticar alguma atitude suspeita, o agente público atuará de acordo com este comportamento. Portanto, colabore para que o procedimento dure o menor tempo possível, já que o termômetro é a postura da pessoa averiguada.
Partindo dessa premissa, temos que abuso de poder é quando o Policial reage com excesso em relação à ação da pessoa que está parada na blitz. Uma desproporcionalidade entre a conduta do policial e a do cidadão-comum, medida desnecessária e inadequada.
Caso isso ocorra e você não esteja em lugar ermo (quando a única coisa a ser feita será uma tentativa de gravação de voz e/ou imagem do que está acontecendo), procure por testemunhas, já que isto poderá amenizar a atitude errada do agente e ajudará futuramente. Além da importância do conteúdo das provas registradas, essencial que se memorize o nome do(s) Policial(is) e, se possível, o número da viatura. Posteriormente há duas medidas a serem tomadas e você não precisa escolher uma delas, pode dar andamento em ambas: a judicial e a administrativa.
O caminho judicial é ir até uma delegacia com as provas que tiver (hematomas, gravação, testemunhas etc) e contar o que aconteceu para que haja uma investigação e, dependendo das provas, um processo. Procure manter a calma, relatar o ocorrido com detalhes e dizer com convicção plena a identificação dos agressores.
Dependendo do estado da federação que você morar, a via administrativa é boa, rigorosa e eficiente. Após o abuso, procure imediatamente o comandante de turno e peça pra relatar por escrito a situação vivida. Diga para ele que no próximo dia útil irá ao Batalhão conversar com o comandante regional sobre o fato e que você mencionará que foi ouvido pelo comandante de turno fulano de tal e que tudo foi relatado por escrito (e realmente faça isso).
Meu caro… isso deve funcionar. Acompanhe o procedimento de perto e saiba que, em caso de necessidade, você ainda pode se valer da Ouvidoria e da Corregedoria da Polícia Militar. Caso as vias administrativas da própria Polícia não resolvam, ainda há a Secretaria de Segurança Pública e o Governador de seu estado. O que não podemos é permitir que o Estado (Brasil) seja o Leviatã, de Thomas Hobbes, com poder soberano e ilimitado. É pra isso que servem todos os direitos e garantias fundamentais da Constituição.
De qualquer forma, apesar de suplicarmos o endurecimento do Poder Público em situações que geram caos no cotidiano, reclamamos e nos rebelamos quando tais medidas chegam perto de nós. Daí vira direito dos outros, lei feita pros outros. Se for “o outro” buscando proteção, julgamos como “aquela lenga-lenga dos direitos humanos”.
Antes que me ataquem, não estou defendendo ninguém. Pode parecer utópico, mas eu acredito que a mudança de um todo esteja em cada um. Talvez em outra oportunidade falarei sobre comportamentos e posturas das pessoas aqui na Europa (esqueci de dizer, o mestrado é aqui). Percebe-se que o ideal não é vivermos baseados em leis, e sim procurarmos pensar no próximo para vivermos de forma harmônica. Assim, nossos valores não estarão escritos no papel, mas serão intrínsecos e arraigados em nossa cultura. Enfim, procurarmos agir com bom-senso e com senso de coletividade.
Ironicamente, aproveito o ensejo para citar René Descartes:
“O bom-senso é o bem melhor distribuído entre os homens, todos acham que têm o suficiente, de tal forma que até aquele que costuma desejar ter as coisas mais difíceis, dificilmente costuma desejar ter mais bom-senso.”
Histórias?
Para continuarmos o papo sobre como agir em casos específicos, conte alguma história que já viveu em blitz policiais. Deixe um comentário dizendo o que rolou e como agiu.
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