Um fenômeno intrigante que vivemos hoje em dia – e digo menos no sentido de “a beleza intrigante das rosas” e mais num nível “estou intrigado com como aquele urso aprendeu a usar aquela metralhadora – é a coexistência entre um dos momentos de maior pluralidade de opiniões na história humana e um dos períodos em que a questão do fanatismo mais se colocou em voga.

Isso porque, como qualquer especial de televisão aberta sobre a internet e qualquer vendedor de enciclopédias aposentado podem te dizer, nunca tivemos tanto acesso a um volume tão grande de informações. Você poder ler jornais de outros países, bibliotecas de outros continentes, acompanhar em tempo real o que robôs da Nasa estão fazendo no solo de Marte. Nós costumamos preferir ver brigas de trânsito russas, redublagens de clipes indianos e vídeos de japoneses vestidos como pequenos animais? Talvez, mas isso não muda o fato de que sim, o conteúdo continua todo lá se você quiser dar uma olhada.

 

Já conhece o Instagram da Nasa? Não? Bom, cada um vai atrás do que lhe gera interesse, né?

E com esse acesso cresce também o volume de pessoas que podem se expressar e o número de pontos de vista com que podemos esbarrar por aí. Se antes o direito de opinar em público era algo restrito a alguns poucos, hoje, numa era de blogs, sites e redes sociais, o número de pessoas que tem essa possibilidade é bem maior, permitindo que minorias e grupos de cuja existência em alguns casos nem mesmo sabíamos consigam ao menos expressar suas opiniões e pensamentos.

Mas ao mesmo tempo que essa é uma era fantástica pra quem deseja entender um pouco a opinião e a experiência de pessoas diferentes – cores diferentes, orientações sexuais diferentes, posições políticas diferentes, experiências de vida diferentes, teorias sobre o fim da série Friends diferentes, como aquela em que a Phoebe na verdade é uma moradora de rua na frente do Central Park e todas as temporadas são um delírio dela – nunca foi tão fácil para uma pessoa se fechar dentro das próprias opiniões e conviver apenas com quem concorda com ela.

Isso porque além da chamada “era da informação” ser, num certo nível, uma espécie de ilusão – uma parcela da humanidade tem pequenos computadores presos em seus pulsos mas uma outra parcela, bem maior, não tem nem mesmo eletricidade – mesmo para aqueles de nós que vivem o dia todo na internet ainda é fácil, na verdade até fácil demais, nunca topar com uma opinião contrária, nunca viver um conflito real de ideias.

Afinal, a internet, as redes sociais, trabalham agregando pessoas e conteúdos e nos oferecendo mais daquilo que já temos. Se somos de direita vamos nos cercar de amigos de direita, em páginas de direita, com conteúdos de direita. Se somos de esquerda vamos acessar os sites de esquerda, seguir no twitter as pessoas de esquerda, receber indicações de mais conteúdo de esquerda. E quanto mais esse ciclo continua, quanto mais acabamos convivendo com as ideias já familiares e num ambiente onde todas as pessoas tendem a concordar com elas, mais ficamos incapazes de reagir racionalmente diante das ideias diferentes, mais a discordância começa a soar ofensiva, mais nos tornamos dispostos a brigar de verdade com um cara com avatar de desenho animado porque não gostamos do comentário que ele fez no nosso post do Facebook.

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Então hoje vivemos num mundo de opiniões cada vez mais fortes, cada vez mais enfáticas, cada vez mais contundentes, mas ao mesmo tempo cada vez menos capazes de serem justificadas, de sobreviver a uma discussão, de funcionar numa conversa em que não vale desqualificar o opositor, ameaçar a pessoa de morte ou apenas dar mute nela e voltar a conversar com aquela galera que a gente sabe que concorda 100%, tudo bróder, fechamento, Phoebe era doida mesmo.

Será?

E é sobre esse tipo de questão que vai ser essa coluna – sim, essa é a estreia da coluna e, ao invés de falar sobre mim ou sobre as minhas ideias pra cá, decidi reclamar sobre discussões na internet, acabei de notar.

Em alguns momentos vai ser um olhar moderado sobre uma discussão polarizada, de vez em quando vai ser uma tentativa de mostrar como é complicada uma coisa que pensamos ser bem simples, em mais momentos do que eu vou gostar de admitir vai ser apenas uma elaborada reclamação sobre alguma coisa que eu acho especificamente perturbadora na internet. Mas sempre aberto pra discussão, nunca convicto demais e prometo que jamais irei bloquear ninguém que apontar nos comentários que eu tô redondamente enganado.

Mesmo se a pessoa estiver usando avatar de desenho animado.

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode