A lógica da mente humana é narrativa. Não apenas experimentamos o tempo como uma sequência de eventos inter-relacionados como tentamos, de maneiras mais ou menos racionais, achar dentro dessa sequência de eventos coisas como lógica, causalidade e sentido.

Ou seja, cada um de nós vive a sua própria historinha e, pelo fato de só ter acesso a um ponto de vista – o próprio – acaba naturalmente se pensando como protagonista da trama, mocinho do livro, herói do filme de ação, mesmo que em alguns casos a gente tenha a sensação de que nasceu mais preparado pra ser o amigo desligado do ator principal, a irmã brincalhona da protagonista, o figurante que chega bêbado na festa da vilã ou mesmo apenas o extra #4 que foi cortado do filme na ilha de edição porque ficava olhando pra câmera e tentando acenar.

"Tá demitido, cara"

E exatamente porque vemos na nossa vida o mesmo esquema narrativo que vemos nos filmes, nos livros, nas séries, acabamos, em um grau ou outro, esperando que ela funcione mais ou menos nos mesmos moldes de uma ficção razoavelmente bem escrita.

Passamos por experiências e esperamos que elas gerem crescimento pessoal, para que o nosso personagem tenha um arco narrativo. Conhecemos pessoas, nos apegamos a elas, e esperamos que elas tenham uma função importante na nossa história, assumindo algum papel que está mais ou menos estabelecido na nossa cabeça. Passamos por algum grande problema e esperamos que ele gere algum tipo de recompensa ou contraproposta futura do destino. Em suma, vivemos a vida como se ela fosse uma história que em alguns momentos vai ser complicada, vai ser cansativa, mas que está fadada a um final narrativamente coerente e feliz.

O que, é claro [spoilers á frente], não é verdade de absolutamente maneira alguma.

Isso porque a vida, como muita gente já disse, não é exatamente uma narrativa muito bem escrita. Personagens gastam anos para se estabelecer, se tornam importantes, somem do nada. Traições, desastres, reviravoltas, acontecem sem absolutamente nenhum foreshadowing, como se o roteirista apenas tivesse acordado do lado errado da cama naquele dia. Protagonistas passam por experiências negativas, dizem ter aprendido uma valiosa lição, fazem exatamente a mesma coisa, dizem ter aprendido uma valiosa lição, fazem aquilo de novo, dizem ter aprendido uma valiosa lição, reclamam quando a namorada decide que não vai mais continuar no elenco depois dessa palhaçada.

Se tiver um colchão ao final da cena, amigo, já se considere um cara de sorte

Um dia você está andando na rua, um pombo avenas voa em direção ao seu peito, bate nele e cai, você não conta isso pra ninguém mas algo na sua cabeça diz que isso não é normal, não é assim que pombos se comportam.

Basicamente, como eu disse, a vida não é uma narrativa muito bem escrita.

Mas ainda assim nós, é claro, continuamos cobrando dela as mesmas coisas que cobramos da boa ficção. Queremos explicações para atos, queremos o desdobramento de situações, queremos que atitudes tenham consequências, bons gestos sejam recompensados e maldades sejam castigadas – lembrando, é claro, que a visão de bom e ruim está sempre filtrada pelo fato de que quase sempre só podemos analisar o que é bom ou ruim para nós.

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E duas coisas nós costumamos querer sempre: um final feliz ou um desfecho. Um final feliz porque, bem, a gente não sairia de casa toda manhã se não achasse que as coisas vão dar certo. Seja no trabalho, seja na vida pessoal, seja na jornada pra conseguir achar um delivery que entregue um bom feijão tropeiro na cidade de Santos, somos movidos pela nossa crença inabalável de que a nossa história, seja longa ou curta, vai ter o final que a gente espera.

"Aí eu falei pra ele que isso, na vida real, não vai acontecer"

Então se a gente concluiu que esse final é inevitável, que esse é o único final possível, e colocou alguma coisa ou alguém como essencial para esse final, não existe limite pro nível de esforço e de apego que a gente vai ter a essa lógica, mesmo quando essa coisa claramente só nos afasta de uma conclusão positiva e essa pessoa já disse mais de uma vez que o único final feliz que ela tem interesse com você é “felizmente chegar ao final dessa época em que a gente ainda se fala”.

Da mesma maneira, quando finalmente aceitamos que as coisas deram errado, fazemos questão de desfecho, de encerramento de uma explicação. Por que não deu certo? Por que essa pessoa foi embora? Por que o que parecia na minha cabeça tão perfeito acabou terminando da maneira que terminou? E entramos num confuso jogo de culpa e tensão, que não permite que aquilo realmente acabe, porque a nossa cabeça precisa de uma justificativa racional para que isso tenha acabado.

Então várias vezes o melhor, por mais difícil que possa parecer, é aceitar que bem, algumas narrativas apenas não são assim. Algumas histórias não existem pra ter um final feliz – ao menos não da maneira que a gente espera –  algumas subtramas nunca vão fazer muito sentido na sua cabeça ou receber uma explicação decente do roteirista e alguns personagens, bem alguns personagens apenas não vão continuar na próxima temporada.

E não vão ser mensagens de madrugada pedindo por uma cena pós-créditos, negar que partes da trama aconteceram ou noites em claro pensando “que tipo de pombo age assim?” que vão mudar isso.

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode