Rodrigo Hilbert, homão da porra onipresente, bagunçou com a nossa vida, amiguinhos. Ou não. Depende do contraste que ele criou na sua forma de agir.
Costumo enxergar dois estereótipos de homem que funcionam como duas pontas em uma escala. O hipster sensível e o cabra macho retrógrado (que pede cerveja com o controle remoto na mão). Agora existe um novo vetor, o padrão Hilbert. De caçador a astronauta ele parece ter o melhor de todos os mundos sem o pior de cada um deles. Subiu a nossa fita métrica de referência (ou nós pausamos a nossa).
O viking bom coração está causando um frisson na mente das pessoas e com isso duas correntezas aparecem: a de despeitados e de admiradores. Gostaria de dissecar a natureza desses dois sentimentos pelo nosso querido ídolo pós-moderno.
Uma sequência interminável de atributos parece definir esse catarinense nascido no mesmo ano que eu, 1980. Não vou reescrever tudo o que já foi dito sobre ele. A verdade é que em em 2009 eu seria do time dos despeitados e odiaria o Digão com todas as forças. Nesse ano tomei um pé na bunda na véspera de Natal e passei a data chorando ao lado do Papai Noel de shopping. O recado de minha ex foi claro: vira homem.
"Como assim, vira homem?"—a frase ficou remoendo e nem percebi a Simone cantando "então é Natal…". Meses depois de acalmar a raiva desiludida, de tirar a parte do término que era dela, percebi que eu estava envergonhado. Ela sempre se queixou de que na esfera pública, na empresa e entre amigos, eu era imbatível. Sem nenhuma hesitação eu trocaria as lâmpadas do local de trabalho e até faria massagem na minha chefe, mas em casa eu parecia uma versão cansada, legitimado a afrouxar o cinto e ser mais permissivo comigo mesmo (e com ela).
Essa é a realidade da identidade masculina. Pouco nos apropriamos da vida íntima caseira e da relação afetiva. Então, quando surge um Rodrigo Hilbert, falando elogiosamente e sem pudores da sua parceira, cozinhando pratos refinados, fazendo reparos na casa sem hesitação (com requintes de marceneiro) e participando da paternidade, o colocamos na esfera de super-homem.
A verdade dolorosa é que isso é o papel que qualquer homem deveria desempenhar em sua vida pessoal, se não estivesse se sobrecarregando emocionalmente em outras esferas. Ao queimar todo o cartucho para ganhar o bônus profissional, a maior parte dos homens já acha que fez a sua parte e pode chegar em casa e vegetar na frente da TV.
Entendendo minhas incompetências, eu fui aprender a cozinhar, fazer reparos em casa (o Youtube é vida, mas sabia que temos uma coluna de Do It Yourself?), me organizar no espaço, cuidar do meu corpo e aprender qualquer coisa que supostamente fosse papel de uma mulher.
Com o tempo, afirmar esse tipo de divisão me pareceu até vergonhoso, não tem nada que seja papel de ninguém, mas de quem mora na casa.
O endeusamento de Rodrigo Hilbert é um retrato desse desleixo que muitos homens encabeçam nas suas vidas e relações amorosas. As ideias para jantar, tirar férias, agendar compromissos familiares, não precisam vir da parceira. Quando nos deparamos com a criatividade quicando na nossa frente, podemos chutar. Curiosamente, eu fui um dos inúmeros exemplos de homens que vão se cuidar, aperfeiçoar, fazer terapia, consultar um médico, encontrar uma paixão pessoal, enfim, ser mais proativo somente depois de um pé na bunda. Podemos mais que isso.
O destaque dele é o contraste daquilo que negamos em nós como seres humanos. Ele assume sua parte primitiva mas não negligencia a sensibilidade. É capaz de malhar e pensar, caçar e embalar seus filhos, serrar madeira e sussurrar palavras doces, ser "homem" e "mulher", adulto e criança, introspectivo e extrovertido.
O que nos impede de seguir essa trilha? Um monte de armaduras emocionais que nos impomos em nome de uma ideia caricata de homem.
Penso nas muitas mulheres que se relacionam com nossas piores versões e sinto uma certa tristeza. Quantas viram seus parceiros perderem dedos e membros por diabetes não cuidadas? Quantas testemunharam parceiros caindo de prédios tão identificados com suas posses que não suportaram dívidas? Quantas precisam lidar com aqueles que seguem alcoolizados por má gerência emocional?
Esses homens seguem presos numa ilusão de supremacia solitária que só causa auto-destruição. Mas nós não precisamos continuar derrotados.
Podemos fazer uma pequena lista honesta das nossas pendências, de nossas insuficiências, de nossas sensibilidades negligenciadas e colocar a mão na massa. Peça ajuda à parceira e aos amigos, eles devem ter pitacos sobre onde você pode melhorar.
Diminuir o Hilbert não nos engrandece, só deixa bem evidente os rastros de nossos medos e inseguranças. As mulheres já fazem jornada dupla, na rua, na chuva, na fazenda e a gente reclamando da casinha de sapê do Hilbert.
Seja um homão da porra e o Hilbert será mais um entre nós.
Nos comentários podemos compartilhar nossas listas de pendências para os outros se inspirarem.
Mecenas: Natura Homem
Natura Homem acredita que existem tantas maneiras de exercer as masculinidades quanto o número de homens que existem no mundo. Sem modelos a serem seguidos, sem colocar ainda mais pressão sobre os nossos ombros.
As nossas verdades, os nossos ritmos, os nossos jeitos de ser e estar no mundo. Seja homem? Seja você. Por inteiro. Natura Homem celebra todas as maneiras de ser homem.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.