A depender da hora do dia que se acesse portais de notícia, a lama de rejeitos de mineração da Samarco pode ser extremamente tóxica ou ter composição quase indiferente em relação às águas da Bacia do Rio Doce. Recentemente, afirmou-se tanto que a água mesmo depois de tratada poderia causar câncer quanto que a lama não é tóxica.
Diagnósticos contraditórios devem continuar existindo, mas para tentar esclarecer algumas questões relativas ao impacto ambiental da quebra da barragem em Mariana nós falamos com Dante Pavan, fundador do Grupo Independente para Avaliação do Impacto Ambiental (GIAIA). Doutor em biologia pela USP, ele trabalha desde 2007 com avaliação de impactos ambientais e se interessa por desenvolver possíveis modelos de empreendedorismo sustentável, aliando conhecimentos de biologia ao uso da terra de maneira a criar um sistema de exploração econômica que mantenha os principais parâmetros do ecossistema.
Como surgiu o GIAIA? Quais os objetivos do grupo?
Quando eu soube do rompimento da barragem de Fundão, peguei meu carro e vim para regiões que ainda não tinham sido afetadas para coletar amostras e ver como a lama se comportava. Meu objetivo era ter uma noção do processo para depois unir estas informações às pesquisas específicas que fossem ser feitas, mostrando a extensão real do impacto sobre o meio ambiente. Além disso, queria evidenciar que os mecanismos que existem para regular atividades como a mineração não as regulam. O nível de degradação ambiental só aumenta e a legislação existe como se não existisse.
Com dois ou três posts e gente interessada nas mesmas coisas, formou-se o GIAIA. Eu topei seguir para o Rio Doce e gastar uma reserva como se fossem minhas férias. Logo, cada um se prontificou a organizar uma coisa no grupo e também surgiu o crowdfunding. Somos uma equipe muito dinâmica, mas estimo que façam parte hoje 60 pesquisadores.
O que você tem encontrado em suas pesquisas de campo?
São dois grandes impactos: o inicial foi uma avalanche de lama que saiu do leito do Rio Gualaxo do Norte arrastando e quebrando tudo e deixando uma camada grossa no solo, que foi até o Rio do Carmo (que, por sua vez, deságua no Doce). Isso matou tudo no caminho: a vegetação foi coberta e milhares de animais morreram. Algumas populações foram simplesmente exterminadas, o que inclui fauna e flora em Bento Rodrigues e nas margens dos rios.
Mais para baixo, a contaminação ficou restrita ao rio. Esse é o segundo grande impacto: como o rejeito vai se deslocando. O rio tem cheias e secas normais que vão influenciar para onde o material vai ser espalhado. Lá embaixo, plantações de cacau vão ser inundadas com esta água, lagoas que recebem enchentes normais serão contaminadas.
Na foz, por exemplo, a água está agora com uma coloração alaranjada. O que dá essa cor é um material que se desloca mais rápido, mas ainda há outros elementos mais pesados descendo até lá. A vida no rio claramente foi afetada e todo esse rejeito continua exposto à chuva, que permanece levando isso às águas.
Uma angústia coletiva é: quanto tempo o meio ambiente vai levar para se recuperar desta catástrofe?
Por enquanto é impossível dizer o tempo necessário para que tudo isso melhore, mas pelo menos em cinco anos ainda vai ter um nível de contaminação muito alto, devido aos próprios ritmos normais de secas e cheias do Rio Doce. Ou seja, este é um período importante de observação e só depois dele será possível tentar prever algo.
À medida que for comprovada a presença de metais pesados, as enchentes e inundações dos próximos anos podem contaminar as regiões e plantações. Esse tipo de observação que fazemos hoje vai permitir pensar em soluções futuras para quando os problemas chegarem.
Já é possível dizer, afinal, o que há na água do Rio Doce?
Ainda não temos resultados dos relatórios, mas pelo que vi, tem muito minério de ferro bruto pulverizado, proveniente da própria atividade mineradora. A água misturada à areia do fundo do rio (depositada pelo processo de erosão que se instalou na Bacia do Rio Doce), por exemplo, hoje contém todo esse material da Samarco. Todas as enchentes se tornarão pulsos de contaminação dessa forma, ao revolver o material. Mas estas ainda são hipóteses, claro, construídas a partir de observações.
O que deve ser feito para garantir que este desastre não se repita em outras barragens?
Na minha opinião, todo esse desastre tem a ver com o licenciamento ter sido feita às pressas para vender o máximo de minério de ferro na época em que ele estava valorizado. Esta é uma das lutas do GIAIA: que o processo de licenciamento seja mais técnico-científico. Um relatório de impacto ambiental técnico-científico é mais preciso do que os exigidos por órgãos estaduais, e pode fazer com que empreendimentos nem venham a ser realizados. Enquanto isso não é feito, derrubam a Amazônia, acabam com os rios e o solo no País todo, porque há atitudes que, apesar de enquadradas como legais, empobrecem terrivelmente uma região.
Além disso, as universidades não formam pessoas para medir impactos ambientais nem prestar esse tipo de contas à sociedade. Não se fomenta pesquisa nesta área, sendo que uma das maiores demandas de mão de obra do biólogo é por esse tipo de trabalho. Avaliação de impacto ambiental hoje é feita no improviso.
E acima de tudo, na minha opinião, o maior problema é a capacidade que grandes empresas têm de se envolver com a escolha dos governantes e das pessoas que vão controlar os órgãos de licenciamento. Este é um problema relativo a como as campanhas políticas são financiadas.
Vimos uma equipe de prestadora de serviços para a Samarco (Aplysia) sair para pesquisa no Rio Doce junto com equipe do governo (IEMA). Está certo isso?
É um pouco complicado… Quando a gente faz um relatório de impacto ambiental (o que a Aplysia vai fazer), vai passar por pessoas do meio ambiente da própria Samarco antes de ir para o Ibama. Ou seja, a empresa acaba tendo uma influência muito grande no processo. Isso cria uma pressão sobre os conteúdos mais problemáticos que o relatório tenha, por exemplo. Essa proximidade com a equipe do governo não é anormal, mas também não é muito boa.
Quando a empresa está fazendo pesquisa de campo seria importante o órgão fiscalizador acompanhar por que às vezes as pessoas são descuidadas e imprecisas, mas raramente isso acontece.
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Esse texto faz parte da coleção Expedição Rio Doce, reportagem especial produzida para o Papo de Homem pela repórter Nina Neves e pelo repórter e fotógrafo Ismael dos Anjos – iniciada com um chamado à nossa comunidade para recebermos sugestões de perguntas a serem investigadas.
Nosso enviados percorreram 2.500 km da Barragem de Fundão à foz do Rio Doce para investigar a maior tragédia ambiental da história do Brasil. Tem alguma pergunta? Nosso time vai tentar responder a vocês com reportagens que serão publicadas ao longo da semana.
No futuro pretendemos realizar mais reportagens especiais sobre temas de grande interesse das pessoas, e essa ida a Mariana é uma semente dos nossos sonhos para o futuro.
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