Já se foi o tempo em que achávamos normal jogar lixo e embalagens no chão – década de 50? – e hoje ouvimos um grito ou outro quando alguém manda o pacote de salgadinho pela janela do carro. Devagar e sempre, vamos em frente.

Gosto de acreditar que boa parte das pessoas já usa as lixeiras de diversas cores instaladas pelas ruas do país, principalmente nas grandes metrópoles, mas ainda tenho a impressão que as lixeiras recicláveis públicas não colaram.

Não é que não saibamos usá-las – só não adquirimos o hábito. E o departamento de marketing da vida já se deu conta disso e está fazendo dinheiro.

É o caso da empresa Triciclo, que criou a Retorna Machine, um programa de pontos por reciclagem que já espalhou algumas de suas máquinas pela cidade de São Paulo. Explico: depois de fazer o cadastro no site ou no app da empresa, você pode depositar ali latinhas e garrafas PET que lhe forem inconvenientes na sua jornada diária. Em troca, ganha pontos – uma lata e uma garrafa valem, respectivamente, dez e quinze pontos. A cada cem acumulados, são 35 centavos de crédito que entram diretamente no seu Bilhete Único. Pra completar uma passagem (R$3,50), lá se vão cem garrafas.

Façamos as contas: 35 centavos seriam equivalentes a dez garrafas. Isso resultaria em, aproximadamente, meio quilo de PET  – ou seja, 10 centavos que seriam pagos a um catador de material reciclável, já que a média fica em 20 centavos por quilo para eles. Parece lucro cadastrar.

Mas você deve estar se perguntando como é que a empresa ganha dinheiro, é claro.

Bom, não esqueça que suas informações e dados pessoais são uma mina de ouro. Ao se cadastrar, seus dados pessoais ficam registrados, bem como, ao jogar lixo nas máquinas, a sua localização.

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Isso serve muito bem às marcas, que pagam pelo serviço e instalação da invenção em metrôs, shoppings e onde mais o espaço permitir, e estampam a frente e a lateral brilhantes com seus logos e cartazes propaganda. E estar associado à supostas iniciativas de sustentabilidade é cool, hip, consumo-consciente-like.

Quem é de São Paulo sabe que Bauducco e metrô são inseparáveis

Além disso, o cruzamento de dados pessoais e informações de localização pode ajudar a traçar perfis de consumidores que melhor orientam o direcionamento publicitário dessa ou aquela marca e produto pra este ou aquele lugar, de acordo com quem o frequenta e quais são seus hábitos de consumo.

A sacada aqui, meus amigos, não foi eco-sustentável. O business é de marketing – o bom e velho conhecido sustento pela propaganda.

Não tenho respostas pra dilemas morais, confesso. A iniciativa é interessante e, em certa medida, educativa. Pode ser que funcione por aqui e seja expandida pra todo o país e tenha papel informativo.

Por outro lado, vejo um possível paradoxo em ter marcas investindo em publicidade veiculada por uma mídia que estimula sustentabilidade, já que poucas não adotam abordagens de consumo agressivo.

Aqui em São Paulo já são cinco máquinas ativas, em lugares movimentados como Terminal Rodoviário do Tietê e Estação da Sé. Vale acompanhar o movimento – será que vai pra frente?

Que a recompensa de 35 centavos frente o que ganha um catador de lixo é vantajosa, não há dúvidas. Mas a que custo?

Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.