Nota do editor: portais de notícias atualizadíssimas e memória curta formam uma péssima combinação. É por isso que às vezes vale refletir sobre um fato como se ele tive acontecido ontem.
Um rapaz de vinte e três anos invadiu uma escola municipal no Rio de Janeiro. Munido de dois revólveres, começou a disparar sistematicamente contra os estudantes, cuja maioria não alcançara os doze anos de idade. Resultado: doze vítimas fatais e mais uma dúzia de feridos. Entre eles, o próprio autor dos disparos. Atento aos fundamentos dos suicidas, Wellington deixou uma carta onde explanava a razão dessa atitude aparentemente irracional.
Levantando a cabeça acima da dor e das impressões de tão bruto ataque, a sociedade começa a tentar compreender o que levou a essa fatalidade. Um exército de psicólogos emerge nos noticiários encharcados por uma cobertura sensacionalista. Em meio a tantos infográficos, a vida humana, assim como na atitude de Wellington, acaba ficando em segundo plano.
Longe de ponderar sobre os meios da imprensa moderna, voltemos ao nosso pária. Antes de tudo, Wellington era infeliz. Desgostoso da vida e vitimado por sucessivos fatos trágicos, o rapaz não conseguia se desenvolver socialmente. Era lento, distante e desajeitado. Um prato cheio para a inconsequência juvenil das fileiras do ensino fundamental e médio.
Em sua carta, Wellington aponta que o desrespeito que sofria na escola o levou a cometer tal ato. Tanto que alguns ex-colegas do rapaz admitiram que a zoeira era excessiva e deliberadamente centrada nele. Hoje em dia, chamamos tudo isso de bullying.
Chegamos assim ao ponto focal da discussão: os padrões impostos pela sociedade. A polêmica ferve e uma chuva de dedos é apontada para todos os lados. Uns culpam a internet, outros culpam a religião, outros culpam a televisão. Todos estão errados e todos tem razão.
A sociedade moderna se construiu baseada em instituições. Algumas delas são formais, como a escola, com o papel de nos inserir intelectualmente na sociedade. Já outras são informais, como a família ou a religião, que acabam por condicionar nosso comportamento em grupo e individualmente.
Wellington sofreu tanto bullying quanto tantos outros sofreram. A diferença é que esses outros tantos acabaram por ser amparados por algum tentáculo de nossa estrutura institucional. Ou ao menos buscaram se amparar. Alguns desses viraram artistas, outros esportistas, outros grandes pais ou mães. Ou até mesmo religiosos.
A carência social de Wellington é evidente, mas talvez de alguma forma devastadora sua estima ignorou completamente o instinto de sobrevivência social. Inconscientemente passou ao largo de todos os mecanismos de coerção ou inclusão que o Estado democrático moderno oferece.
Ao encontrar amparo na religião, se deparou com o delírio, pois já era tarde. Os danos emocionais e a inércia psicológica já eram agudas. Buscou a Jeová, que nada pode fazer para desviá-lo do seu destino.
E naquela manhã de quinta-feira, ele não esteve sozinho. Cada disparo de sua arma foi puxado um pouco por cada um de nós. Todos nós. Nós que com nossas vidas justificamos esse mundo maravilhoso, mas que ao mesmo tempo nos assombra tanto.
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