Ontem foi um dia difícil. Fiz minhas coisas normalmente pela manhã, mas à tarde tudo parecia ir desmoronando levemente respiração após respiração.
Estava escrevendo um post aqui mesmo neste blog e, ao apertar Ctrl C + Ctrl V de maneira confusa algumas vezes, acabei perdendo a parte final do texto nos escombros da área de transferência do Windows. Tentei resgatá-la pesquisando como fazer isso no Google, sem sucesso (Windows 10 é fogo). Eu já estava fragilizado: aquela sensação de muita coisa acontecendo ao mesmo tempo — muitos projetos, muitas tarefas, pouca produtividade — e eu sem saber por onde ir.
É claro que perder parte de um trabalho nosso, assim como quando a gente esquece de salvar um documento no Word, pode piorar muito esse estado. Um cansaço extremo batia na porta do meu corpo, talvez vindo do dia anterior, em que eu fiquei vidrado por horas criando a primeira versão do site da Multiversidade. Fui deitar. Coloquei o despertador para dali a uma hora e meia, pra dar tempo de ir na yoga. Era finzinho de tarde e eu, querendo dormir, conquistei apenas alguns cochilos.
Revirava e revirava na cama, até que ouvi o barulho de conversas na sala. Pessoas haviam chegado em casa. Um estranho e pavoroso sentimento me tomou conta, e o looping mental em torno dele parecia não ter fim. Me senti envergonhado. E-n-v-e-r-g-o-n-h-a-d-o.
Por quê?
Porque eu era inadequado.
Quem confiaria numa pessoa que, em plena terça-feira às 18h30, está em casa dormindo? Uma pessoa que não tem um emprego que nem todo mundo e é facilmente tomado pela ousado e libertino sentimento da preguiça? Uma pessoa que se envolve em muitos projetos, mas não consegue dar conta deles? Alguém que tem alguns dias produtivos, mas outros em que não é capaz de entregar nada? Subitamente, me vi paralisado.
Eu não queria sair do quarto de jeito nenhum, embora racionalmente eu pensasse que deveria. E se as pessoas me vissem daquele jeito, saindo do quarto com os olhos apertados e o corpo cambaleante de quem acabou de acordar-sem-dormir?
Aquelas pessoas simplesmente não podiam me ver assim. Essa não é a mensagem que quero transmitir. Não é. Liguei o computador que estava em cima da cama e comecei a jogar Age of Empires II. Depois de algumas tentativas frustradas, consegui ganhar uma partida de Regicide jogando com os Teutons. “Ah, pelo menos uma vitória nesse dia ferrado!”, comemorei timidamente dentro de mim. Isso porque estou meditando todos os dias e ainda passo por essas coisas.
As pessoas foram embora e, algum tempo depois, trabalhei a coragem para externalizar o ocorrido e, finalmente, sair do quarto. É curioso quando nós mesmos criamos as prisões em que nos enjaulamos, não é?
Brené Brown sobre a vergonha:
Vergonha é o sentimento intensamente doloroso ou a experiência de acreditar que somos defeituosos e, portanto, indignos de amor e aceitação.
Muitas vezes as pessoas querem acreditar que a vergonha é exclusividade de quem sobreviveu a um trauma que não foi exposto, mas isso não é verdade. Vergonha é algo que todos nós experimentamos.
E ainda que pareça que ela se esconde em nossos recônditos mais obscuros, esse sentimento, pelo contrário, tende a se ocultar em lugares bastante conhecidos.
A resposta de Morihei Ueshiba, mestre do Aikido, à pergunta de um aluno:
— Mestre, você nunca perde seu equilíbrio, qual é o seu segredo?
— Você está errado. Perco constantemente meu equilíbrio. Minha habilidade consiste em restabelecê-lo.
Que saibamos como restabelecer nosso equilíbrio nos muitos dias de vergonha que ainda iremos experimentar.
Obs.: Este artigo foi originalmente publicado no Medium do autor.
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