“A mim, me diziam que eu só saberia o que é ser pai depois: alguns me diziam que depois que ouvisse o primeiro choro; outros falavam que eu me tornaria pai quando cortasse o cordão umbilical; e para alguns, minha paternidade só seria nasceria quando eu pegasse minha filha no colo pela primeira vez.”
Em um texto muito sensível, Daniel Carvalho Pereira, do Luto do Homem, fala sobre as dores de perder a filha logo depois do parto e, diante dessa tristeza, sem ouvir o choro de Joana, sem poder cortar o cordão ou segurá-la no colo em vida, ele se pergunta “Eu sou pai?”. Afinal, qual seria o elemento que dá aos pais o direito de se dizerem pais?
E, sabendo também que se dizer pai, não é sinônimo de exercer a paternidade, qual seria a chave para a ignição que faz nascer dentro dos homens os sentimentos que os transformam em pais?
Certamente não seria o nome na certidão de nascimento, nem da visão dos “outros” e, claro, também não somos nós do PdH aqueles que podem dar esta resposta. O nascimento ou despertar para a paternidade é um processo individual, sem certo ou errado, sem hierarquias, e que acontece uma ou muitas vezes na vida dos homens que abraçam a paternidade.
No PAI 2019, um rapaz veio conversar conosco do PdH e se identificou como um pai tentante. Ele e a esposa, decididos a conceber uma criança, tentavam há um tempo, mas não haviam conseguido nenhum 'positivo' nos testes. Mesmo antes da concepção, ele já estava mergulhado num processo de paternidade, de aprendizado, de amor para a criança que chegaria, talvez não em 9 meses, mas em um ou dois anos.
Nesse mês de agosto, dias 24, 26 e 28 teremos o PAI 2020: os desafios das paternidades atuais. Dizemos assim, tudo no plural, porque sabemos que as experiências são as mais diversas. Por isso, convidamos não um, mas vários homens para contar pra gente como foi o seu nascimento como pai.
Queremos te contar estas histórias e queremos que, ao fim, você possa nos contar a sua.
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Esse ano o PAI 2020: Os Desafios das Paternidades Atuais vai ser um evento online, por transmissão ao vivo. Na programação do primeiro dia, vamos falar justamente sobre o começo da vida — da gestação aos primeiros passos de ser pai. Se quiser se inscrever ou ver a programação, dá uma olhada aqui.
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Quando resolvi questões internas mal resolvidas, foi ai que eu virei pai.
Daniel Fonseca, Rio de Janeiro, 36 anos.
"Eu perdi um neném com a minha esposa por gravidez ectópica, de uma maneira muito grave. A gente queria a criança mas não tinha ideia de como gerar a criança. Eu costumo dizer que nessa época eu queria ter filho, eu não queria ser pai.
Você "querer ter filho" parece que você está buscando um prêmio um bibelô, e não é esse o sentido da coisa. Eu fui muito insensível com a minha esposa nessa época. Eu tive que enxergar porque isso fazia mal a ela e ai a gente teve que se reinventar como casal. O que vale a pena, e eu posso dizer isso hoje, é você querer ser pai, porque você assume a responsabilidade.
Nós perdemos mais duas vezes em tentativa. O último ponto de soberba foi quando eu demorei um ano para fazer exames e então eu descobri que o problema era eu.
Em uma educação em que o homem tem que ser varão e tem que ser uma máquina sexual, isso foi muito importante para quebrar o último gelo e para eu me preparar: entrar em terapia e resolver um monte de questões internas mal resolvidas. Foi ai sim que eu virei pai. Hoje minha filha está a caminho, minha esposa está com o maior barrigão e eu me sinto muito empolgado com a vinda de mais uma criança pro mundo!"
Eu fui sendo gestado como pai desde o momento que decidimos enfrentar as burocracias
Bruno Vilas Boas, Rio de Janeiro, 34 anos, pai do Sol.
"É interessante pensar nessa pergunta: quando eu nasci como pai? Quando eu descobri que ia ser pai, me vi de volta lugar muito dolorido na minha vida, que é o fato de não ter tido um pai, ou melhor, te ter tido um pai muito ausente de afeto e muito violento.
Eu não tenho memória de carinho do meu pai, mas tenho a memória do peso da mão dele. Ele não se importava se eu era um bom aluno, porque eu não era o filho que correspondia às expectativas dele. O tempo foi passando e eu fui percebendo que eu era gay. A frase “se eu tiver filho viado eu prefiro que morra” era muito frequente na minha casa. Minha experiência de paternidade foi muito marcada pela dor, pelo medo, por essa mágoa.
Quando eu fui expulso de casa por ele eu tive essa sensação: "Eu não tive uma família, mas eu vou construir uma. Eu vou ser pai." Passado um tempo eu conheci meu marido, o Victor. A gente está casado há 14 anos. Eu lembro que no primeiro encontro ele falou pra mim: “Bruno eu quero ter uma coisa séria, eu quero construir uma família.” Eu fiquei muito emocionado porque foi o que eu falei pra ele: “Eu quero ter um filho, eu quero ser pai”.
A gente decidiu que a gente precisava ter coragem o suficiente pra ser pai. Essa palavra é uma das palavras que mais marcam nossa paternidade: coragem.
Eu gosto de pensar que eu me vejo sendo gestado pai: o momento da concepção dessa paternidade é quando a gente se olha, decide ser pai e começa a enfrentar as burocracias para isso, sendo dois homens.
Em todo o processo de gestação de ser pai, a gente escutou todos os preconceitos do mundo. Essas coisas todas machucavam muito. Mas o nosso desejo, nosso sonho, nossa coragem de ser família, de ser mais, foi muito maior que isso e isso foi uma gestação no coração."
Para ler o relato completo do Bruno, clique aqui.
Da idealização da paternidade, ao renascimento da realidade
Igor Vieira, 30 anos, pai do Bento, que vai completar 4 anos.
"Acredito que durante a gestação eu idealizei nascer como pai. Eu imaginava muito com seria quando ele estivesse aqui. A relação com a barriga era uma delícia. Mas o Bento nasceu prematuro e a gente teve muitos desafios com a amamentação.
Então, durante esta fase a núcleo era realmente ele e a mãe. Muitas das idealizações que eu tinha feito durante a gestação foram por água a baixo. Eu demorei pra conseguir encontrar o meu lugar ali dentro desta realidade.
Quando ele tinha um ano, um ano e meio foi quando ele começou a interagir mais comigo, começou a me reconhecer mais. Eu percebo que eu tinha projetado muita coisa e que por essa relação dos dois, que gerou um apego que repercute até hoje, eu percebi que eu renasci como pai, se é que a gente pode dizer assim, quando ele tinha uns dois anos. Ai eu conseguia me aproximar mais, me enquadrar melhor nessa relação com ele.
Acredito que a cada dia nasce um pai novo dentro de mim, de acordo com as demandas que vem dele, com as demandas que a gente cria juntos. É um renascer dia após dia."
Nascendo com as batidas do ultrassom
Wellington Sabino, 36 anos, pai Lis de 3 anos e da Isis de 1 ano.
"Eu imagino que as mulheres de modo geral, tem essa percepção da maternidade, e isso aflora muito mais rápido que com a gente [homens], porque todas as transformações já acontecem no corpo delas, então elas absorvem não só a informação, mas o próprio corpo dando sinal pra este aflorar na maternidade
Muitos dizem que quando nasce um bebê, nasce uma mãe, nasce um pai. Mas eu acredito que eu nasci como pai no primeiro ultrassom, assim que eu ouvi o coração da minha filha. Ali eu nasci como pai.
Antes disso, apesar de ter ciência da gravidez, a gravidez era uma informação muito boa, muito feliz — eu estava realizando um sonho — mas o sonho ainda tava no campo da irrealidade. Quando eu vi o coração bater no ultrassom, ali eu sabia que era verdade, nasceu uma nova pessoa dentro de mim.
Involuntariamente eu já passei a me comportar como pai, minha relação com a barriga se intensificou, a relação com a minha esposa se intensificou. Hoje eu renasço todos os dias como pai, mas a minha primeira sensação de paternidade, de pertencente, de saber se sentir fisicamente a presença da minha filha ali, me fez nascer e foi ouvindo as batidas do coração da minha filha."
Quando as almas se olharam de fundo a fundo
Eduardo Monteiro, Pirassununga, pai da Maria Luiza de 3 anos e do Antoni de 6 meses.
"Eu nasci como pai no dia 03/03 de 2017, as 03/03 da manhã após pouco mais de 4 horas de trabalho de parto, num parto domiciliar natural, dentro de um sitio sem energia, porque, após muito tempo usando o chuveiro, o disjuntor derreteu e ficamos a luz de velas.
Foi um lugar muito romantizado, muito sonhado por nós.
Após essas horas de trabalho de parto, Malu veio ao mundo empelicada. Eu estava nas costas da minha esposa, com uma sensação maravilhosa de ela estar quebrando todos os meus dedos para fazer as forças das contrações e me senti num lugar privilegiado, tendo a visão que a mãe tem: olhando toda aquela engrenagem funcionar.
Depois do rompimento daquela bolsa maravilhosa, Malu veio ao mundo, abriu os olhos, se conectou com a gente e olhou no fundo da minha alma. Eu tive um imprinting com ela: quando o lobo vê uma alma com a qual ele se conecta e ali nasce essa necessidade do cuidar.
Foi tão forte isso pra mim. Quando ela olhou lá dentro de mim, instantaneamente virou uma chavinha, tudo virou um silêncio e eu realmente entendi meu propósito de vida. E aqui eu estou caminhando todos os dias de coração aberto, para aprender o que tenho que aprender, para caminhar junto dela e ser o meu melhor pra ela."
Ser pai é estar presente
Rafael Stein, pai da Maria e do Francisco.
"Eu sempre quis ser pai. Minha esposa brincava que, se dependesse de mim, casaríamos grávidos. Logo veio a Maria Clara.
Era meu sonho ter o segundo filho e, 4 anos depois da Maria, veio o Francisco. Fiquei com medo, as minhas referências eram todas masculinas. Como eu conseguiria educar e criar uma menina? Eu não estava preparado.
Dez meses, após o nascimento do Francisco, veio o diagnóstico do câncer da Micaela, minha esposa. E eu não sabia o que fazer da nossa vida…Eu não sabia como me portar diante da minha esposa e dos meus filhos.
Passei a ver o quanto ela fazia e o quanto eu, como pai, perdia na relação com ela e com meus filhos… o quanto deixava de receber por não estar presente na rotina das pequenas coisas do lar.
Sabe aquela história de que você se sente pai somente quando vê seu filho nascer? Para mim, é mentira, acredite. A paternidade se exerce na hora do banho, na hora de fazer a comida, ajudando seu filho quando ele pede para ir ao banheiro, virando a noite medindo a febre, levando e buscando na escola, participando do grupo de mães do whatsapp, dizendo 'não' às vezes, fazendo o coque do ballet ou, ainda, tendo de costurar a fantasia.
Nos tornamos pais estando presente no dia a dia, construindo vínculos que nos dão a oportunidade de encostarmos na eternidade e continuarmos vivos mesmo depois que a morte chegar."
Para ler o relato completo do Rafael, clique aqui.
Cinco despertares diferentes
Adriano Bisker, 47 anos, @paidecinco.
"Antes de ter meus filhos, questionava aos amigos sobre o momento em que eles se tornaram pais: para alguns, foi quando seus filhos nasceram, outros responderam que foi quando seguraram seus filhos pela primeira vez ou quando trocaram uma fralda.
Confesso que tive perspectivas diferentes no nascimento de cada um dos meus cinco meus filhos (seja no primeiro casamento ou no segundo quando nasceram minhas trigêmeas).
Meu segundo filho tinha menos de dois anos quando me separei. Eu era um mero observador do avançar da idade dos meus filhos. Decidi que não era isso que eu queria como pai. Queria mais, muito mais. Passei a exercer este papel que sabia que cabia a mim: cuidar, do meu jeito, das necessidades básicas e emocionais, podendo exercer, entender e sentir, finalmente, o que era ser pai.
Cresci e amadureci como pessoa. Isso me deixou preparado para a chegada das trigêmeas, com a minha esposa, mãe de primeira viagem, e eu já com alguma bagagem. Ocorreu o que imaginava: a junção da sincronia (perfeita) com a minha esposa, a necessidade (física) de estar presente, a vontade (psicológica) que querer fazer parte e principalmente a abertura. Estava realizado como pai. Eu senti, tinha a confiança.
Percebi que era pai ao sentir as pequenas coisas: a serenidade do olhar ao dar um banho em cada um, o embalar para diminuir o incômodo de uma cólica, as descobertas, os sorrisos, os primeiros passos, o desabrochar dos dentes. O brilho nos meus olhos quando percebi que havia tomado as rédeas da minha paternidade, foi quando entendi o que era ser Pai."
Cantando a paternidade
Marcelo Correia, pai da Liz.
"Meu despertar paterno ocorreu na sala de parto. Embora estivesse muito feliz com a gravidez e ansioso pela chegada da Liz, nenhum sentimento se comparou ao de ver minha filha chegar neste mundo.
Passei a viver algo que nunca havia sido ensinado, nunca havia discutido com meu pai, com meus amigos ou com ninguém. Mas abracei a paternidade de peito aberto, meio atrapalhado mas disposto a aprender tudo, pois entendi o tamanho da minha missão e recebi sua chegada como uma oportunidade de ser uma pessoa melhor.
Ela trouxe muita luz para mim e minha família. Desde então, venho me transformando como homem, como companheiro para minha esposa, como ser humano e, não poderia deixar de ser, como músico e compositor.
Eu que, um ano antes dela nascer, havia abandonado uma carreira no mundo corporativo para me dedicar ao sonho de ser músico, com a chegada da Liz, tudo ganhou um propósito maior. Decidi que queria falar sobre paternidade, sobre masculinidade e outros temas que considero importante, buscando inspirar outros homens a viverem este momento da melhor forma possível.
Daí em diante, todas minhas canções ganharam um toque de “pai de menina.
Nessa canção falo sobre a paternidade em tempos de pandemia, sobre como podemos transformar esta situação em um momento de presença, acolhimento e, por que não, de alegria para nossos filhos. Espero que gostem"
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Mecenas: C6 Bank, Carrefour e Philips
Tanto este texto como o nosso evento PAI 2020: Os desafios das paternidades atuais estão sendo feitos com todo o carinho por nós da Equipe PdH junto com o Homem Paterno e todo este trabalho e dedicação só é possível porque estamos recebendo o apoio de pessoas que acreditam na missão de tranformar paternidades reais e construtivas: o C6Bank, Carrefour, Philips e, claro, nossos membros PdH!
O PAI 2020: Os Desafios das Paternidades Atuais acontece dia 24, 26 e 28 de agosto, às 20h30, por transmissão ao vivo.
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