Ser um macho saco-roxo custa muito mais caro do que você imagina, entenda porque a evolução favorece com que homens morram mais cedo.

Um dos fatos mais duros para quem trabalha com saúde: homens morrem antes. As causas podem ser várias: problemas do coração, violência, assassinato, acidentes, acidentes de trabalho e outras. Na verdade, quase qualquer fator de risco mata proporcionalmente mais homens, o quase deixa de fora fatores como câncer de mama. E isso não está restrito a humanos, em vários animais os machos morrem mais cedo, a não ser que sejam castrados. Mas por quê?

Imagine um grupo de 20 homens e 20 mulheres numa ilha devastada por um furacão que decidem repovoar o local. Quantos filhos eles podem ter por ano (descartando gravidez de gêmeos e interrompidas) no máximo? 20. Ok. E se duas mulheres morrerem, qual o máximo de filhos? 18. Agora 12 homens morreram, como fica a contagem? Ainda 18 filhos. Mas não precisa imaginar, temos um caso real.

Com tantos homens na ilha, não é o monstro de fumaça que vai matar tantos.
Com tantos homens na ilha, não é o monstro de fumaça que vai matar tantos.

Em 1790, 6 desertores do navio HMS Bounty desembarcaram nas Ilhas Pitcairn na Polinésia, junto de outros 6 homens e 9 mulheres polinésias. Isolados por muitos quilômetros de qualquer civilização, 15 homens e 13 mulheres se estabeleceram lá. Qual o resultado dessa desigualdade? Quando os sobreviventes foram encontrados, 8 anos depois, 10 das mulheres ainda estavam vivas, 3 haviam morrido de doenças. Quanto aos homens, 1 estava vivo. Dos que morreram, 1 estava doente, 1 se suicidou e os outros 12 foram assassinados. Uma competição bem pacífica.

O que o exemplo ilustra? Simples, em termos bem francos, os machos são descartáveis. Quem restringe o tamanho e o potencial reprodutivo de uma espécie, principalmente entre mamíferos que criam os filhotes dentro de uma placenta, são as fêmeas. Salvo a diversidade genética, mas deixemos de lado por enquanto, mais machos ou menos machos não interferem na quantidade de filhos que uma população pode ter (quantidade, qualidade fica para outro texto).

Uma questão de saúde

Claro que estou simplificando bastante. Quando levamos em consideração espécies como a nossa, em que o macho tem um papel importante na criação dos filhos, não somos tão descartáveis assim, mas a evolução ainda joga contra.

Na nossa sociedade, principalmente em lugares menos desenvolvidos, homens morrem antes principalmente porque se envolvem mais em situações de risco. Assassinato, consumo de álcool, direção perigosa, tráfico, esportes arriscados, tabagismo, em todos esses casos há um predomínio masculino. E mesmo em países desenvolvidos, há uma diferença entre a longevidade de mulheres (maior) e dos homens. Homens sofrem mais de várias doenças como problemas do coração.

O mesmo acontece em ratos, machos ficam mais doentes e morrem mais. A não ser que sejam ratos castrados, estes vivem o mesmo que as fêmeas e costumam ser maiores e mais saudáveis do que os companheiros que ainda têm bagos. Nos humanos, eunucos também crescem mais e vivem mais tempo, como era o caso de servos chineses castrados quando crianças.

Você pode ter “cojones”, mas vai viver menos por isso.
Você pode ter "cojones", mas vai viver menos.

O problema – espero já ter deixado claro – está na testosterona. A estratégia reprodutiva entre os machos é bem diferente da das fêmeas. Elas escolhem os machos que vão fecundá-las, já que têm garantida a capacidade de ter filhos. Nós temos menos a perder, já que somos mais descartáveis, e por isso arriscamos mais. Adotamos a estratégia:

Live hard, die young

O sucesso reprodutivo do macho não é garantido. A fêmea que quiser ter filhos, terá (se for saudável, basta ser flexível quanto à escolha). Já o macho tem que batalhar pelo seu sucesso.

Nós produzimos testosterona, o hormônio que estimula o desenvolvimento de características sexuais secundárias como pêlos no corpo, voz grossa, acúmulo menor de gordura no corpo e maior massa muscular. São essas características que vão nos ajudar a disputar e conquistar as fêmeas (ou pelos menos faziam isso). Evolutivamente, testosterona é a receita do sucesso, mas ela cobra seu preço.

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Tá achando que isso não custa caro?
Tá achando que isso não custa caro?

Para batalhar pelas fêmeas, precisamos ser fortes. Geralmente, nas espécies animais em que os machos disputam fêmeas, eles são bem maiores do que elas, e nossa espécie não é exceção. Recursos não são ilimitados, se vamos ter mais músculos, um corpo maior, teremos menos para investir em outras coisas como nosso sistema imune. Não só isso. Um corpo maior e mais musculoso consome muito mais energia – como qualquer mulher tentando emagrecer já descobriu – nós demandamos mais calorias do que elas. Mais energia exige mais caça e maior exposição para conseguí-la.

Não só precisamos ser mais fortes, precisamos estar mais dispostos à disputa. Não é à toa que somos mais propensos ao suicídio, a atitudes agressivas como brigas, ou mesmo a guerra. Por mais que estejamos em uma fase cultural de defender a igualdade entre os sexos e abolir rótulos, como, isso é mais “coisa de homem” ou mais “coisa de mulher”, os números não mentem.

Sinceridade forçada

Essa diferença entre os sexos tem um outro efeito. A testosterona também causa uma certa sinceridade, uma sinceridade evolutiva. Alguns efeitos dela sobre nosso organismo são parecidos com os de hormônios relacionados ao estresse, como o cortisol. A testosterona têm um efeito imunossupressor, ou seja, ela diminui nossa imunidade geral. Em várias espécies animais, uma quantidade maior de testosterona está diretamente relacionada com mais parasitas infestando o macho.

Além de termos menos recursos para investir no sistema imune, nós machos temos uma imunidade geral mais fraca. Qual o sentido disso?

Quando a fêmea escolhe um macho, está escolhendo características que vão favorecer a sua prole. Se uma fêmea escolhe uma característica desfavorável, a evolução dá conta dela rapidinho.

Quanto mais testosterona um macho tem (dentro do normal), maior seu sucesso – fora das nossas condições sociais recentes – mas isso foi algo que teve uma grande influência em nossa evolução e deixou sua marca.

Ao mesmo tempo, quanto mais testosterona, mais parasitas o macho tem. Isso quer dizer que, um macho que tenha bastante testosterona e apesar dela tenha poucos parasitas, é um macho realmente saudável. Mesmo com o sistema imune suprimido, ele é capaz de se defender de parasitas e provavelmente terá uma prole mais saudável. Talvez, a testosterona desempenhe o papel de pôr à prova o quão saudável o macho é.

Mesmo com muita testosterona, dá-se um jeito de se livrar dos parasitas
Mesmo com muita testosterona, dá-se um jeito de se livrar dos parasitas

Enquanto isso, as fêmeas escolhem e vivem mais. Como disse o outro sobre a mulher, quem tem hemorragia vários dias todo mês, não pode ser o sexo frágil.

Se você se interessou pelo papel que a evolução pode ter na diferença entre os sexos, e como ela influencia nós machos, então aguarde, este é o primeiro de uma série de textos aqui no PdH que vai explicar muita coisa sobre a evolução do cafajeste.

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Atila Iamarino

Doutorando pela USP, biólogo viciado em informação e ciência. Autor do excelente blog <a>Rainha Vermelha</a> e editor do <a href="http://scienceblogs.com.br/">Science Blogs Brasil</a>