Considerado um bad boy do balé, o ucraniano Sergei Polunin
começou a dançar aos três anos de idade, mesma idade que tinha quando seus pais
se separam. Sem sucesso. Elétrico, foi colocado pela mãe na ginástica – o sonho
da rígida Galina era ter um filho campeão olímpico – antes de voltar ao balé
alguns anos depois. Aos treze, foi para Londres e passou a viver sozinho,
treinando no Royal Ballet. Aos 19, se tornou o mais novo bailarino principal da
história da companhia.
Aos 22, depois de um período com apresentações brilhantes
mas festas até tarde, boatos sobre drogas, noites em claro jogando videogame e
uma série de tatuagens espalhadas pelo corpo (chegou a ser sócio de um estúdio),
pediu para sair.
Sonhava com um futuro distante da fama nichada que o balé
impunha. Queria ser modelo,
um astro de cinema ou tão conhecido quanto os jogadores de futebol e lutadores
de boxe que sempre admirou.
Cansado da disciplina do balé, pensou em se aposentar.
“Eu não era capaz de juntar as coisas. Em relação à dança,
eu não me sentia no comando de coisa alguma”.
Sergei Polunin em entrevista ao The Telegraph
* * *
Depois de quase um ano vagando pelo mundo e recebendo
convites de outras companhias, encontrou um lugar – e um mentor – na Rússia. O
também bailarino Igor Zelensky, diretor artístico do teatro Stanislavsky,
acolheu Sergei. Na Rússia, ganhou a liberdade para treinar e fazer
participações especiais em balés ao redor do mundo. Lá, reviu antigos amigos da
ginástica e encontrou um canal de televisão dedicado à ópera e à dança. Também
na Rússia, e por sugestão de Zelensky, se tornou estrela ao ganhar um reality
show de dança.
* * *
Não sei patavinas sobre balé, e todas essas coisas que escrevi
até aqui descobri pesquisando sobre Sergei na internet. Mas sinto que posso
dizer que o conheço.
O conheci há mais ou menos uma semana, em uma igreja vazia,
na ilha havaiana de Maui.
Dançando, claro.
* * *
Não sei exatamente em que momento da infância as coisas se
separam em de menino ou de menina. Mas fico grato que em Kherson, sua cidade
natal, Sergei Polunin tenha faltado a essa “aula”.
Se a construção clássica da identidade masculina passa pelo
repúdio à vulnerabilidade e ensina a esconder os sentimentos, a performance do
bailarino no vídeo dirigido pelo fotógrafo David LaChapelle é uma aula magna no
sentido contrário.
Para fazer o que Sergei faz em pouco mais de quatro minutos,
é preciso ter atitude, honestidade, coragem, integridade, compaixão e uma série
de outras nobres virtudes ligadas ao imaginário do que é ser homem.
E não falo apenas da capacidade de expressão, entrega dilacerada
e intensidade de execução nos movimentos de Sergei.
“Take Me to Church”, do compositor irlandês Hozier, é uma
canção que protesta à respeito das posições da igreja católica sobre a
homossexualidade. O clipe original da música, dirigido por Brendan Canty, faz
referência à crescente onda de homofobia na Rússia, que já causou ataques à
comunidade LGBT e acarretou a aprovação de leis que cerceiam o direito desses
cidadãos.
Ou seja: um dos principais bailarinos da Rússia disse, com
as sapatilhas nos pés, que ser homem não é sinônimo de caçar sem camisa pelas
estepes siberianas.
Eu mesmo demorei a entender, mas também é possível ser frágil,
atormentado, falho e sofredor, sem ter medo daqueles que decidem amar quem bem
entender.
Gostar de balé, odiar futebol ou entender/respeitar/apoiar a
união de pessoas do mesmo sexo, tanto faz. As coisas e ideias que nos fazem
mais ou menos homens não estão no outro. Estão na nossa cabeça.
Ouviu, Putin?
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