Nota do editor:
Escute a versão narrada deste artigo feita em parceria com os caras do Vooozer, uma plataforma de audio criada para dar voz a internet.
Aperte o play abaixo e escute o audio do artigo e deixe sua opinião nos comentários.
***
Que a Carol Rocha e o Rodrigo Cambiaghi não me escutem, mas eu adoro carne. Vermelha de preferência.
Sou daqueles fãs de churrasco, como hambúrguer quase toda semana e sou o primeiro a pedir pra colocar bacon nas coisas, enfim, todos aqueles hábitos de um bom onívoro. Ao mesmo tempo, corro dos vídeos que mostram os animais sofrendo, procuro não saber de onde vem as carnes que eu como porque sei que, se eu for atrás, não vou encontrar coisa boa.
Pelo menos eu sei que esse é o primeiro passo: tomar consciência de que esse nosso hábito é uma bosta. A barreira só é vencida quando a gente percebe que, em troca da alegria de nossas papilas gustativas, estamos deixando gente morrer, gastando muito dinheiro e tornando o planeta um lugar pior.
A água bateu na bunda, pessoal.
Não posso garantir que vou parar de comer carne de uma hora pra outra – quem sabe quando a úlcera der as caras como foi com o Cambi. Por enquanto, o texto do Marco Springmann sobre o estudo que ele e um colega fizeram na Universidade de Cambridge, publicado originalmente em inglês no The Conversation e traduzido para o português por Julia Barreto, serviu para me convencer de uma coisa: algo precisa ser feito e nosso prazo é 2050.
Tornar-se vegetariano cortaria a produção de comida mundial em dois terços e salvaria milhões de vidas, por Marco Springmann
Comer mais frutas e verduras e cortar a carne vermelha e a processada te tornará mais saudável. Isso é óbvio o suficiente. Mas como as próprias galinhas e vacas comem e gastam suas próprias energias, a carne é também uma grande responsável pela mudança climática. Tornar-se vegetariano pode diminuir sua pegada ambiental drasticamente.
Mas isso tudo não passa do nível pessoal. O que acontece quando você multiplica tais mudanças por 7 bilhões de pessoas, e as inclui numa população crescente?
Na nossa pesquisa mais recente, eu e meus colegas estimamos que mudanças para dietas à base de plantas, alinhadas às diretrizes mundiais de alimentação da OMS, evitariam de 5 a 8 milhões de mortes por ano a partir de 2050. Isso representa uma redução de 6-10% da mortalidade mundial.
A emissão de gases do efeito estufa relacionados à comida também seria cortada em mais de dois terços. Somando tudo, essas mudanças na dieta valeriam para a sociedade mais de 1 trilhão de dólares – podendo chegar em 30 trilhões. Isso seria um décimo do PIB mundial estimado para 2050. Nossos resultados foram publicados na revista PNAS.
As projeções do futuro das dietas formam uma imagem sombria. É esperado que o consumo de frutas e vegetais aumente, assim como o de carne vermelha e a quantidade de calorias ingeridas no geral. Das 105 regiões incluídas no nosso estudo, menos de um terço segue as recomendações de alimentação.
Uma população maior, seguindo uma dieta pior, significa que em 2050 as emissões de GEE relacionados à comida representarão metade da “cota de emissão” que o mundo tem para limitar o aquecimento global para menos de 2ºC.
Para ver como mudanças na dieta poderiam evitar esse cenário tão pessimista, desenvolvemos quatro dietas e analisamos seus impactos na saúde e no meio ambiente: uma projetava um cenário baseado nas estimativas das dietas em 2050; outra num cenário baseado nas diretrizes globais, que incluíam quantidades mínimas de frutas e vegetais, e quantidades limitadas de carne vermelha, açúcar e calorias totais; e duas com cenários vegetarianos, um incluindo ovos e laticínios (ovo-lacto-vegetarianismo), e outro inteiramente à base de plantas (vegano).
Milhões de mortes evitáveis
Descobrimos que a adoção das diretrizes globais de alimentação poderia resultar em 5,1 milhões de mortes a menos por ano a partir de 2050. Já as dietas vegetarianas e veganas poderiam resultar em 7,3 e 8,1 milhões de mortes evitadas, respectivamente. Cerca de metade disso é graças à redução no consumo de carne vermelha e a outra metade se deve ao maior consumo de frutas e vegetais, junto com a redução do consumo energético total (também associada à diminuição da obesidade).
Há enormes variações regionais. Cerca de dois terços dos benefícios da mudança na dieta estão estimados para acontecer em países em desenvolvimento, em particular na Ásia Oriental e Ásia Meridional. Mas os países desenvolvidos vêm logo depois, e os benefícios por pessoa podem ser até duas vezes maiores do que nos países subdesenvolvidos, já que a dieta relativamente mais desbalanceada tem mais espaço para melhoras.
A China veria as maiores melhorias na saúde, com cerca de 1,4 a 1,7 milhões de mortes evitadas. Cortar a carne vermelha e reduzir o superconsumismo geral seriam os fatores mais importantes lá e em outros grandes beneficiados, como União Europeia e Estados Unidos. Na Índia, no entanto, mais de um milhão de mortes por ano seriam evitadas principalmente com o aumento do consumo de frutas e vegetais.
A Rússia e outros países da Europa Oriental veriam grandes vantagens por pessoa, principalmente devido à redução no consumo de carne vermelha. Pessoas de nações em pequenas ilhas, como Maurícia e Trinidade e Tobago, seriam beneficiados pela redução da obesidade.
Veganos vs mudança climática?
Nós estimamos que a adoção das diretrizes da dieta global cortaria as emissões de gases relacionadas à comida em 29%. Mas mesmo isso não seria suficiente para reduzir a emissão de GEE relacionados à comida juntamente com os cortes gerais necessários para evitar que a temperatura global aumente mais de 2°C.
Para realmente lutar contra a mudança climática, mais dietas a base de plantas serão necessárias. Nossa análise mostra que se o mundo se tornasse vegetariano, o corte de emissões relacionadas à comida chegaria a 63%. E se todo mundo se tornasse vegano? Um enorme percentual de 70%.
O quanto isso vale?
Mudanças na dieta trariam grandes benefícios econômicos, gerando economias de 700 milhões a 1 um bilhão de dólares por ano em assistência médica, cuidados informais não pagos e dias de trabalhos perdidos. O valor que a sociedade coloca no risco reduzido de morte pode ser tão alto quanto 9-13% do PIB mundial, ou 20-30 trilhões de dólares. A economia com a prevenção dos danos causados pelas mudanças climáticas ao reduzir a emissão de gases pode chegar a 570 bilhões de dólares.
Colocar um valor em dinheiro em boa saúde e no meio ambiente é uma questão sensível. No entanto, nossos resultados indicam que mudanças na dieta poderiam trazer grandes benefícios para a sociedade, e o valor deles criam um argumento convincente para dietas mais saudáveis e sustentáveis ambientalmente.
O tamanho da tarefa claramente é enorme. A produção e consumo de frutas e vegetais precisaria mais do que dobrar na África Subsaariana e na Ásia Meridional só para atingir as recomendações mundiais de saúde. Ao mesmo tempo, o consumo de carne vermelha precisaria ser globalmente cortado pela metade e cortado em dois terços em países mais ricos. Tudo isso sem abandonar o problema-chave que é o superconsumismo.
É realmente bastante coisa pra digerir.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.