Qual a influência da evolução sobre o ser humano? Milhares de anos em sociedade, nossas tecnologias e nossa cultura não deixaram de lado nosso passado? E por que nosso saco encolhe no frio?

Antes de tudo, vamos esclarecer algo sobre evolução:

Fato 1A evolução não é adaptativa. Ela apenas favorece quem deixa mais descendentes. Aquele papo de que as girafas desenvolveram um pescoço mais comprido porque precisaram comer a comida lá no alto não está certo! Pelo contrário, sobreviveram aquelas que já tinham o pescoço comprido. A seleção natural, força motora da evolução, só pode agir sobre o que já existe. Imagine os esquimós daqui a 1 milhão de anos no Pólo Norte, eles seriam peludos para se proteger do frio? Não necessariamente. A evolução só favorece características já presentes que diferenciam algum indivíduo na população. De repente, quem se daria bem entre os esquimós é aquele que por acaso nasceu com um nariz excepcionalmente bonito e atraente para as mulheres…

Fato 2 – Por só agir sobre o que já está presente, a evolução nos prepara para o passado. Ela é muito melhor em improvisar sobre o que já está presente do que criar algo novo. E isto se aplica perfeitamente à nossa cultura e nossa mente. As características que estão presentes hoje são um reflexo do que foi selecionado ontem. Se hoje você tem nojo de vômito falso ou daqueles cocôs de cachorro de plástico, é graças ao mecanismo de evitar comida contaminada – que deve ter sido muito precioso para nossos antepassados.

Novos truques para um cérebro antigo

Imagine um chimpanzé criado que nunca viu uma cobra. Agora mostre uma para ele, ou qualquer coisa que se pareça com uma. O chimpanzé não vai se importar. Agora coloque-o numa jaula ao lado um macaco surtando e gritando com uma cobra. O chimpanzé criado vai passar a ter medo até de um pedaço de mangueira. A resposta é tão automática que pode ser despertada até mesmo com um vídeo de um macaco se assustando. O mesmo não acontece se você mostrar um vídeo montado com uma flor ou uma cadeira causando o medo. O chimpanzé só desenvolve medo de cobra.

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É rapaz, até ele tem medo.

Antes que você ria do macaco com medo da mangueira, pare e pense em quantas pessoas você conhece que têm medo de cobras. E a maioria delas nunca teve que encarar fugir de uma. Mas, nos nossos tempos modernos, isso não faz o menor sentido. Em vez de ter medo de cobras, aranhas, sangue e escuro, se estivéssemos plenamente adaptados à nossa cultura, deveríamos temer carros ou armas de fogo, afinal matam muito mais. Eu pelo menos não conheço ninguém que tenha fobia de cigarro…

Nosso cérebro foi moldado pela evolução com base no que passamos. Nossos novos hábitos ainda dependem de uma resposta às vezes inadequada. É como rodar o Windows Vista num computador desenhado para MS-DOS. Os palavrões são um reflexo disso e até o déficit de atenção (DDAH) já teve seu valor.

Por isso, por mais que evitemos diversas pressões seletivas como infecções e outros problemas de saúde, ainda refletimos nosso passado. Tanto que mantemos coisas como manteiga, sal e açúcar em nossa mesa, valorosos para um caçador-coletor mas não mais necessários em nossa dieta.

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Nosso ponto fraco

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Uma dessas dispensa qualquer poder sobre humano


Outro reflexo de nosso passado são nossos testículos. Não que eles não sejam mais necessários, o problema segue o ditado inglês: “location, location, location”. Bem como nosso cérebro, nosso corpo é uma adaptação da adaptação. Somos feitos com base em um corpo réptil, adaptado de um anfíbio, que aproveitou um peixe que se baseou no anfioxo. Dois dos nossos ossos do ouvido, por exemplo, já foram ossos da mandíbula de répteis.

Uma olhada rápida em nossa anatomia mostra uma das maiores gambiarras. Os espermatozóides são produzidos nos testículos mas são lançados pelo pênis através da uretra – uma conexão de banda larga muito mais potente do que sua internet. Como a uretra está logo acima dos testículos, o caminho mais lógico para o duto espermático (ou canal deferente, aquele mesmo que é cortado na vasectomia) é uma conexão direta entre ambos. Mas não é o que acontece. O canal deferente sobe dos testículos até o osso púbico, faz a volta, passa pela bexiga, segue pela próstata e finalmente encontra a uretra. Essa volta toda é um ponto fraco, nos deixa susceptíveis a hérnias e outros problemas.

Em outros vertebrados, peixes, anfíbios e répteis, as gônadas – órgão que originam os testículos e ovários – ficam próximas ao fígado e rins, bem lá em cima. Nenhum deles padece da nossa maior fraqueza. Diferente deles, os mamíferos possuem temperatura regulada internamente e bem quente. Ótimo para a performance de neurônios e músculos, péssimo para a formação de espermatozóides.

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Pra quê inventar se dá pra fazer uma gambiarra?

Nossa temperatura corporal fica em torno de 37°C, mas a temperatura ideal para a espermatogênese é 34°C. Qual a solução evolutiva para o problema da temperatura? Desenvolver novos tipos de células? Tentar uma outra via para formar espermatozóides? Não, mais fácil deixar os testículos para fora, dentro de uma bolsa, aproveitando um ventinho. Para garantir o frescor, os testículos precisam descer e ficar dentro do saco, vulgo bolsa escrotal. Daí o caminho enorme que o canal deferente precisa fazer.

É essa busca pela temperatura ideal que regula o movimento escrotal. No calor, ele desce e se afasta do corpo para se resfriar. Já no frio e próximo do momento da ejaculação, ele se aproxima do corpo. Aliás, fica aqui uma dica: cuecas apertadas não dão a folga para esse movimento todo e podem prejudicar a fertilidade do dono. Taxistas e motoristas, que passam muito tempo sentados e mantém a região entre as pernas quentes, também sofrem desse problema.

Portanto, da próxima vez em que for andar de metrô e esquecer de por a mão na catraca, levando aquela pancada de perder o fôlego, lembre-se que é o preço que pagamos pelas gambiarras da evolução.

P.S. 1 – Para quem leu o texto anterior sobre ciúme e evolução e quer uma crítica à idéia proposta, há um texto em inglês muito bom da Scientific American aqui.

P.S. 2 – Leu este texto e gostou? Que tal então votar no meu blog Rainha Vermelha para a categoria ciência do BestBlogsBrazil?

Atila é um biólogo viciado em informação e ciência. Autor do blog Rainha Vermelha e editor do Lablogatórios, o primeiro condomínio de blogs de ciência brasileiro. Vá lá expandir seus horizontes!

Atila Iamarino

Doutorando pela USP, biólogo viciado em informação e ciência. Autor do excelente blog <a>Rainha Vermelha</a> e editor do <a href="http://scienceblogs.com.br/">Science Blogs Brasil</a>