A morte de 56 pessoas em um presídio de Manaus expôs mais uma vez falhas crônicas do sistema penitenciário brasileiro como a superlotação e a falta de segurança dentro dos presídios. Em resposta ao episódio, o presidente Michel Temer antecipou o anúncio do Plano Nacional de Segurança, na quinta-feira (5). No dia seguinte, outro massacre causou 33 mortes em uma penitenciária em Roraima.
A primeira manifestação pública de Temer sobre o assunto, três dias após o massacre, enfatizou que o governo vai construir mais cinco presídios de segurança máxima. A segunda ação mencionada foi a liberação de R$ 150 milhões para implantação de bloqueadores de sinal de celulares em presídios estaduais.
As medidas foram as destacadas por Temer dentro daquilo que o presidente classificou como “necessidade imperiosa” de a União atuar no sistema de segurança – hoje uma atribuição principalmente dos governos estaduais, como determina a Constituição.
Na avaliação de organizações e entidades que se dedicam ao estudo e avaliação de políticas de segurança pública, a resposta de Temer reforça uma característica das ações públicas para essa área nas últimas décadas: a criação de vagas em presídios e mais rigor no ordenamento jurídico.
Eixos de ação de um lado, realidade do outro
O governo federal não informou a previsão da entrega dos futuros presídios. Com eles, espera-se aumentar entre 1.000 e 1.250 o número de vagas disponíveis no sistema penitenciário. Além dessas unidades, há previsão da liberação de verbas para construção de presídios estaduais, com capacidade média de 1.000 lugares, o que resultaria em mais 30 mil vagas, aproximadamente.
O dado oficial mais recente calcula em 376.669 as vagas existentes, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2014. Quantidade bastante inferior à população carcerária brasileira.
607.731
era o tamanho da população carcerária no Brasil em 2014, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
Entre 2000 e 2014, o número de vagas quase triplicou no país, mas no mesmo período o déficit ficou 2,3 vezes maior. Ou seja, o aumento da capacidade dos presídios foi insuficiente para dar conta das exigências do sistema penitenciário. As novas vagas anunciadas, hoje, reduziriam em somente 13% o déficit.
231.062
era o déficit de vagas em presídios brasileiros em 2014, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
No âmbito do Poder Legislativo, a maioria das proposições apresentadas por deputados e senadores, relacionadas à segurança pública, gira em torno de projetos que sugerem a tipificação de novos crimes ou o aumento de penas para crimes já existentes.
A proporção consta em levantamento realizado pelo Instituto Sou da Paz, com base no trabalho de deputados e senadores em 2015. Como exemplos, o estudo lembra a discussão sobre projetos de lei para diminuir a maioridade penal de 18 para 16 anos ou para aumentar o tempo de internação de adolescentes autores de atos infracionais. As duas estão em tramitação, mas paralisadas atualmente.
No levantamento do Sou da Paz, entre os 731 projetos de lei relacionados à violência e/ou segurança na Câmara, 134 propuseram o aumento da pena e 131 criavam novos crimes. Entre os 18 projetos que entraram em vigor, 25% tratam de endurecimento das penas.
Ações têm efeito paliativo
Medidas como aquelas, na avaliação do instituto, tendem a prender mais e a manter os presos por mais tempo reclusos. Como resultado, aumenta-se a população carcerária, sem que o sistema tenha condições de absorvê-la.
“É consenso no Brasil que prendemos muito e prendemos mal. Transferir lideranças [de facções criminosas] e prometer construir presídios são medida paliativas e que não atacam o problema”, avaliam Bruno Langeani e Felippe Angeli, representantes do Sou da Paz, em entrevista ao Nexo. Para eles, políticas mais eficientes devem articular também ações jurídicas e de prevenção, como atividades em regiões de vulnerabilidade social.
Ao se manifestar sobre o massacre de Manaus, a ONU (Organização das Nações Unidas) classificou a superlotação das penitenciárias brasileiras como “endêmica”, apesar dos investimentos públicos para aumentar a capacidade das unidades.
Para a ONU, parte da solução está também em reduzir a população carcerária. Algo que vai em sentido contrário, por exemplo, à proposição e à sanção de leis nesta área nos anos passados.
“Fica claro que, na opinião dos parlamentares, a segurança pública deve ser tratada na dimensão eminentemente penal. (…) Ao tornar a prisão como principal resposta para a violência e insegurança, temos negligenciado fatores importantes como a melhoria da investigação policial, a integração social de grupos populacionais mais suscetíveis à violência e a eficiência do sistema de justiça criminal."
Instituto Sou da Paz – Relatório do estudo "Papel do Legislativo na Segurança Pública"
Mais inteligência e alternativas à prisão
Na avaliação de Langeani e Angeli, do Sou da Paz, tanto o governo federal quanto os parlamentares poderiam dedicar esforços a medidas que não tenham como resultado único a prisão.
“Quem está na cadeia, um dia vai sair. É do interesse da sociedade que ele não saia em dívida com uma facção criminosa ou psicopatizado pela crueldade das condições que o Estado oferece”, afirmam eles.
A criação de mais vagas em penitenciárias é necessária. No entanto, ela será inócua se não for articulada a outras ações no curto prazo que, por exemplo, reduzam a população carcerária e melhorem as condições de cumprimento de pena para quem efetivamente deve estar preso.
O próprio Ministério da Justiça afirma que, do total da população carcerária, 42% são presos provisórios, ou seja, estão presos sem condenação. Não são raros os casos em que a espera pelo julgamento ultrapassa a pena a ser aplicada.
Eixos de ação no curto prazo
Medidas Alternativas
Aplicação de outras penas, que não a prisão, para criminosos não violentos, como tráfico de pequenas quantidades ou furtos. Entre as possibilidades estariam prestação de serviços comunitários, interdição de direitos e perda de bens.
Lei das Cautelares
Ampliar a aplicação da lei número 12.403, de 2011, que possibilita aplicar outras formas de punição, como fiança, prisão domiciliar, recolhimento noturno às prisões e uso de tornozeleira eletrônica. Ainda assim, de acordo com o Sou da Paz, a maioria dos juízes segue preferindo manter suspeitos presos até o julgamento, o que aumenta a população carcerária.
Audiência de Custódia
Aprovação de uma lei nacional que amplie a realização das audiências de custódia, quando os presos em flagrante devem ser apresentados em até 24 horas a juízes. A prática exige que o juiz avalie quase de imediato se há ou não a necessidade de o suspeito ser mantido preso. Há um projeto de lei sobre o assunto, de 2011, já aprovado no Senado, mas que aguarda avaliação da Câmara. Atualmente, essas audiências ocorrem somente nas capitais, mas de forma pouco sistematizada.
De acordo com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, construir presídios não é a prioridade do governo nem o único eixo de atuação do Plano Nacional de Segurança. “É que a situação das construções foi tão ignorada que há necessidade de se construir em escala para se ter o mínimo”, afirmou durante uma nova apresentação do plano, na sexta-feira (6). “Não precisamos de quantidade de preso. Precisamos prender com qualidade”, complementou.
Parte das medidas defendidas pelo Sou da Paz também aparece na proposta federal. Segundo o ministro, outra frente será analisar a situação dos processos de presos provisórios e, até 2018, diminuir a superlotação dos presídios em 15%.
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Nota da edição: a crise penitenciária brasileira parece ser o primeiro grande problema que estamos enfrentando em 2017, sendo assim achamos justo escolher este artigo que esclarece o assunto produzido pela Lilian Venturini como forma de renovar nossa parceria com o jornal digital Nexo.
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