Como cientistas decidem o que vão pesquisar? Gostaria de pensar que eles têm uma abordagem estritamente científica para responder a essa pergunta, pensando em problemas importantes que precisam de solução, e quais desses problemas poderiam ser resolvidos com o tempo e dinheiro disponíveis. Mas será que os projetos de pesquisa são realmente propostos e financiados dessa maneira, ou há outras forças intervindo?

Físicos de partículas e astrônomos perceberam há décadas que precisavam coordenar seu planejamento para que pudessem ter aceleradores e telescópios para trabalhar. Essa abordagem “big science” implicou estar de acordo com os objetivos de longo prazo num campo específico e a partir disso ir atrás das agências relevantes do meio em diferentes países para conseguir o  financiamento. Esse método tem sido notavelmente bem-sucedido, como demonstrado pelas recentes descobertas do bóson de Higgs e das ondas gravitacionais, mas nem sempre funciona como o planejado — se funcionasse, uma empresa química chamada Magnablend não teria comprado o terreno abandonado do Superconducting Super Collider no Texas.

Mas o que acontece em outras áreas de pesquisa, que tendem a ser organizadas de baixo para cima, e não ao contrário?

No final de 2014, quatro proeminentes cientistas nos Estados Unidos publicaram um artigo polêmico, intitulado “Resgatando a pesquisa biomédica norte-americana de suas falhas sistemáticas”¹. O artigo descreve como duas diferentes tendências — o ainda crescente número de pesquisadores biomédicos nos EUA e o decréscimo dos financiamentos para o National Institutes of Health (NIH) — estavam gerando uma “hipercompetitividade” de bolsas e empregos. Essa situação, os autores argumentam, “suprime a criatividade, a cooperação, a adoção de riscos e raciocínios originais necessários para fazer descobertas fundamentais”.

Algumas das soluções propostas neste artigo, como a redução do número de estudantes Ph.D. na ciência biomédica, se provaram impopulares, mas poucos discordaram que “os baixos índices de sucesso [para a aprovação de bolsas na NIH] induziram um pensamento conservador, de curto prazo, nos candidatos, críticos e financiadores. O sistema agora favorece aqueles que podem garantir resultados, no lugar daqueles com ideias potencialmente revolucionárias que, por definição, não podem garantir o sucesso”.

Agências de financiamento estão cientes desse problema. “A maioria dos cientistas não quer ser conservadora em seu trabalho”, comenta Jon Lorsch, diretor do National Institute for General Medical Sciences (NIGMS), que faz parte da NIH. “Infelizmente, quando os recursos são escassos, o sistema tende a forçar os pesquisadores e os designadores de bolsas a serem mais conservadores. A preocupação constante de perder seu financiamento desmotiva o pesquisador a começar estudos arriscados ou ambiciosos demais.”

Uma manifestação alarmante dos problemas trazidos pela hipercompetitividade é que agora há mais pesquisadores da NIH financiados acima dos 65 anos do que abaixo dos 35, o que indica ser extremamente improvável que o campo se torne menos conservador num futuro próximo.

Estudos sobre a bibliografia de pesquisa reforçam a ideia de que a pesquisa biomédica está se tornando mais conservadora. Andrey Rzhetsky, da Universidade de Chicago, e três colegas de trabalho — Jacob Foster, Ian Foster e James Evans — recentemente usaram um processamento de linguagem natural (PNL) para analisar mais de 2 milhões de artigos científicos e quase 300 mil patentes, envolvendo pesquisas de mais de 30 mil moléculas na biomedicina, nos últimos 30 anos.

O estudo mostrou que a maioria dos pesquisadores se focavam em moléculas já conhecidas pela sua importância e que exploravam principalmente moléculas relacionadas umas com as outras. Além disso, as escolhas feitas pelos pesquisadores se tornaram mais conservadoras com o tempo. Por outro lado, pesquisadores que obtiveram sucesso em suas carreiras (ganhando prêmios pelos seus trabalhos, por exemplo) tinham mais chances de terem empregado abordagens menos conservadoras, tal como estabelecer conexões entre moléculas pouco próximas.

Agora há mais pesquisadores da NIH financiados acima dos 65 anos do que abaixo dos 35.

Esse conservadorismo e inércia têm uma séria desvantagem: podemos até pensar que o governo e as agências de financiamento exercem um certo grau de influência sobre o que a ciência realiza, por exemplo, focando em doenças específicas, mas não é o caso. Por exemplo, uma pesquisa de Lixia Yao, da Universidade da Carolina do Norte, e de seus colegas de trabalho — Ying Li, Soumitra Ghosh, Evans e Rzhetsky — descobriu que a alocação dos recursos biomédicos nos EUA é mais influenciada por financiamentos e pesquisas prévias do que pelas atuais carências do setor.

As condições mais “excessivamente estudadas” em 2011 incluíram vários tipos de câncer, falha renal, diversas condições cardíacas e alguns problemas respiratórios. Numa análise separada do impacto de 111 condições médicas em diferentes países pelo mundo, Evans e seus colegas descobriram que problemas encontrados nos países desenvolvidos recebiam mais atenção dos pesquisadores do que doenças encontradas desproporcionalmente nos países subdesenvolvidos.

Teóricos, comecem: Cientistas comemoram a primeira colisão de alta energia no experimento CMS, no CERN. Dados do Grande Colisor de Hádrons permitiram milhares de publicações teóricas. Fabrice Coffrini / Staff / Getty Images

Existem outras razões mais elementares, a parte das pressões do financiamento, que poderiam explicar esse cenário conservador das ciências biomédicas? A suspeita com que muitos “cientistas da vida” veem a teoria e modelos matemáticos pode ser parte do problema. Diferentemente da física, em que teoria e experimento são um casal, ambos com a mesma importância, e o conservadorismo parece menos evidente, nas ciências biológicas o trabalho teórico tem pouco reconhecimento. Isso é surpreendente se formos considerar que a maior ideia na biologia — evolução pela seleção natural — começou como teoria.

Bill Bialek é um físico teórico na Universidade de Princeton e na Universidade da Cidade de Nova York que trabalha com problemas na interação da física com a biologia. Num eloquente artigo publicado dezembro passado no sistema preprint arXiv , ele enumerou uma longa lista de exemplos em que a teoria promoveu contribuições cruciais para a biologia no passado e discutiu questões atuais que poderiam se beneficiar com dados teóricos.

A imaginação dos físicos teóricos pode correr solta de uma maneira que deve parecer alienígena para a maioria dos biólogos

Ao mesmo tempo, ele reconhece que muitos biólogos são céticos em relação à teoria e aos modelos matemáticos, geralmente porque sentem que não sabem o suficiente sobre o sistema que estudam. Não há dúvidas que a biologia é mais complexa e caótica que a física, e que proteínas e células são temperamentais de uma maneira que partículas e átomos não são. No entanto, Bialek também criticou o que descreveu como “noção persistente de que a biologia se desenvolveu sem ideias teóricas significativas” e a “abordagem anti-matemática [que] constitui a corrente principal do ensino da biologia”.

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Bialek conclui que tudo isso significa que “não podemos esperar que a própria comunidade biológica irá criar uma audiência genuinamente mais receptiva à teoria”. Sua solução é que a comunidade física ofereça um espaço para tal pesquisa, mas ele sabe que muitos de seus colegas físicos irão argumentar: “Para muitos físicos, o fenômeno da vida ainda é muito desordenado para ser acessível, e duvidam que caso haja algo fundamental para ser dito, ou a própria investigação do fenômeno da vida, não signifique apenas peneirar por um monte de detalhes”.

Fotocolagem feita com imagens da Echo / Getty Images e Robert Pernell / Shutterstock

“Conservador” não é uma palavra que pode ser usada para descrever muitas áreas da física teórica. Enquanto biólogos estão gastando mais e mais tempo tentando angariar fundos para fazer seus experimentos (evitando a teoria e os modelos matemáticos), muitos físicos teóricos precisam somente de um lápis, papel, um laptop e uma conexão de internet. Pouco nos espanta, portanto, que sua imaginação pode correr solta de uma maneira que deve parecer alienígena para a maioria dos biólogos.

Uma consequência dessa liberdade é que existem teorias na física que não possuem nenhuma evidência experimental — tal como a supersimetria e a teoria das cordas — e teorias em que há pouca ou nenhuma perspectiva de evidências experimentais, como o multiverso. Contudo, a recente descoberta do bóson de Higgs (previsto pela primeira vez em 1964, detectado em 2012) e das ondas gravitacionais (previstas pela primeira vez em 1916, detectadas em 2015) confirmam o papel fundamental exercido pela teoria e teóricos na física.

“Não podemos pedir para os pesquisadores simplesmente arriscarem mais. A mudança precisa vir dos grandes financiadores.”

No entanto, nada deixa um físico teórico mais excitado do que o anúncio de um resultado experimental inesperado. Em 15 de dezembro do ano passado, por exemplo, a colaboração do ATLAS e do CMS no Grande Colisor de Hádrons no CERN anunciou que eles tinham visto sinais do que poderia ser uma nova partícula com uma massa de 750 GeV, ; no final do mesmo ano, só duas semanas depois, um total de 123 preprints citando o artigo do ATLAS apareceram no arXiv.

Essa prática é frequentemente rejeitada como “perseguição de ambulância”, e na maioria dos casos o resultado do experimento que gerou toda essa excitação não sobrevive a investigações posteriores. Contudo, Mihailo Backovic, um físico teórico da Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, discorda da sugestão que teóricos que correm para escrever artigos sobre resultados experimentais “especulativos” são oportunistas: “Não há dúvida que o que leva as pessoas a escrever artigos é principal e primeiramente seu amor pela ciência”, ele diz. “Eu acho que escrever artigos sobre, digamos, o sinal de 750 GeV não tem nenhuma diferença fundamental de escrever artigos sobre outras dimensões ou supersimetria. A maioria dos físicos teóricos é especulativa!” Entre os mais recentes artigos de Backovic, estão um artigo teórico sobre o sinal de 750 GeV e outro sobre o próprio fenômeno da “perseguição de ambulância”.

Outra razão para o conservadorismo nas ciências biológicas, de acordo com Rzhetsky, Evans e seus colegas, é que pesquisadores que trabalham sozinhos precisam publicar um fluxo regular de artigos para progredir em suas carreiras. No entanto, este não é um método eficiente para a ciência, como um todo, se desenvolver. Para encorajar pesquisas mais ousadas e arriscadas, sugerem: patrocinar indivíduos no lugar de projetos, avaliar grupos de pesquisadores no lugar de indivíduos e encorajar a publicação dos resultados de experiências que não deram certo.

“O incentivo precisa mudar”, explicou Evans numa entrevista para a revista Science. “Não podemos pedir para os pesquisadores simplesmente arriscarem mais. O objetivo deles é publicar artigos, serem citados e conseguirem estabilidade para sustentar suas famílias. A mudança precisa vir dos grandes financiadores.”

Julia Lane, da Universidade de Nova York, concorda que a ênfase deveria ser menos em avaliar os resultados produzidos por bolsistas individuais e mais em avaliar o conjunto das bolsas. “Vários projetos deveriam falhar”, ela diz. “Se muitos deles fossem um sucesso, então quem deveria estar financiando o trabalho é o sistema privado, e não o governo.”

No NIGMS, Lorsch e seus colegas estão cientes desses problemas e usam diferentes abordagens, incluindo resenhas de especialistas e estudos sobre taxas de publicações e citações, para garantir que eles patrocinem a melhor pesquisa. “Uma esfera em que estamos muito interessados”, ele disse, “é ajudar pesquisadores a explorar uma área maior da biologia, a fim de achar caminhos e procedimentos que ainda nem imaginamos.”

O uso difundido de “organismos modelos” — tal como ratos e drosófilas — talvez seja outro tipo de conservadorismo nas ciências biológicas. “Será que estamos perdendo uma grande parte da biologia ao usarmos apenas um punhado de organismos modelos tradicionais?”, pergunta Lorch. “Há organismos que deveríamos estar estudando e não estamos? Às vezes acho que somos que nem aquele provérbio do homem bêbado procurando as chaves do carro à noite debaixo do poste de iluminação, não porque ele derrubou ali, mas porque é o único lugar que enxerga.”

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Nota da tradução: este artigo foi originalmente publicado em inglês no Nautil.us e traduzido para o português por Julia Barreto.

Com ilustrações de Lisk Feng.

Peter Rodgers

Peter Rodgers é o principal editor do eLife. Já foi editor-chefe da Nature Nanotechnology (2006-2012) e o editor da revista Physics World (1996-2005). Pode ser encontrado no <a>Twitter</a>."