É muito comum ouvir que certas correntes não tradicionais do pensamento educativo somente estão disponíveis para poucas pessoas.

Educação que se faz com respeito à liberdade e espaço para construção de autonomia, pedagogias democráticas, libertárias, anarquistas, o movimento da desescolarização, educação personalizada, aprendizagem autodirigida e autoeducação, heutagogia, aprendizagem viva e mais uma série de visões a respeito de como aprender são taxadas eventualmente como elitistas e excludentes. Será?

Sem a pretensão de exaurir uma questão tão complexa, gostaria de suscitar alguns questionamentos e elaborar algumas hipóteses. Minhas perguntas são:

1. Se é possível abarcarmos tudo que elenquei acima sob a alcunha de “educações alternativas” — e sei que alguns acadêmicos separatistas talvez torçam o nariz pra mim agora — , estariam essas educações restritas a uma determinada elite?

1. Se a resposta para a pergunta acima for sim, por que isso ocorre?

Há muitas outras questões navegando na minha cabeça, mas vamos só fazer um esforço inicial de elaboração com essas duas, por enquanto.

Seriam as educações alternativas restritas a poucas pessoas?

Quantas pessoas você conhece que acreditam e praticam (seja em suas próprias vidas, seja com seus filhos) uma educação considerada alternativa? Se puder, responda no final do texto comentando, eu realmente gostaria de saber. 

Eu conheço muitas. Várias.

Naturalmente, você pode argumentar que é porque eu fui ao longo do tempo moldando minha rede de contatos por conta do meu mergulho no campo da educação — e, no meu caso, não em quaisquer educações, mas em educações alternativas.

Das inúmeras pessoas que conheço que se enquadram nessa categoria, imagino que poucas têm um perfil de renda mais baixa (classes C, D ou E, se quisermos ser mais específicos). Poucas não dispenderam boas doses de tempo de suas vidas sentadas em bancos de escolas e faculdades — uma parte considerável delas, inclusive, estudou em “bons” colégios e “boas” universidades.

Não tenho nenhum dado estatístico, mas suponho que poucas dessas pessoas que conheço são negras e/ou pertencem a famílias que sofreram historicamente e continuam sendo vítimas de estigmas étnico-raciais. Por fim, não tenho a menor ideia em relação a como essa população se comporta em relação a variáveis como gênero ou orientação sexual (uma limitação desse “estudo”, certamente).

Renda, escolaridade, origem étnica. Seriam essas as variantes que definem alguém como representante de uma elite? Provavelmente há mais análises a serem feitas, mas creio que esses três fatores sejam importantes para compreendermos a formação dos privilégios em nossa sociedade.

Esse grupo de praticantes de educações contra-hegemônicas é, à luz dessas variáveis, bastante privilegiado em relação a outras camadas sociais. Isso influencia nas escolhas educacionais dessas pessoas? Provavelmente, dado que outra hipótese possível é que não são muitas as famílias menos privilegiadas socialmente que optam por educações alternativas.

Assumo que a variável privilégio, então, está associada (isto é, correlacionada) à variável escolhas educacionais alternativas. Quanto maior o privilégio, maior a chance de se haver decisões educacionais que fujam da rota do ensino tradicional que já conhecemos.

Mas seriam os privilégios a causa das escolhas educacionais alternativas? Lembrando a velha máxima: causalidade é diferente de correlação.

Por que as educações alternativas são restritas a uma elite privilegiada?

É possível pensar que quem não é privilegiado a partir da ótica do sistema (de maneira simplista, quem não é branco, não tem grana nem escolaridade elevada e certamente não estudou em colégios e universidades de renome) precisa buscar nos meios institucionais formais o reconhecimento social de que necessita.

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Essas pessoas geralmente não têm acesso às redes de contatos e ao capital cultural (na perspectiva de Bourdieu) que quem é privilegiado têm. Vale lembrar o caso recente da prisão de Eike Batista, que foi parar numa cela comum porque não tem curso superior.

Quando é que, na cabeça dele, ele precisaria disso? Quando é que ele cogitaria ser preso? Provavelmente nunca, porque ele não precisava das muletas formais — ele tinha o mais importante.

Suponho que nunca deva ter passado na mente de um jovem comum do Capão Redondo o sonho ou mesmo a possibilidade de se “criar a própria educação”, o que guarda certa proximidade com “recriar a própria vida” (a não ser que esse jovem tenha estudado ou esteja estudando no CIEJA Campo Limpo ou em algum lugar parecido).

Será que ele pode mesmo recriar, reinventar seu caminho em direção a uma existência mais preenchedora de suas necessidades? Mais harmoniosa consigo mesmo? Uma realidade mais amena? Não sei. Poder talvez até possa, mas o trajeto seria incrivelmente (e dolorosamente) desafiador. Muito mais do que nós conseguimos imaginar.

Veja bem: nós, pessoas privilegiadas que estudamos em escolas tradicionais — ou seja, que nada tinham de alternativas — , sofremos opressão epistemológica. Não respeitaram nossas formas e preferências de pensar, nossos sentires e nossas vontades na escola e nos outros ambientes pedagogizantes que imitam a escola pelos quais passamos.

Fomos atropelados pelo trator da verdade objetiva e desfigurados pela tortura da padronização. Ainda que tenhamos realmente penado com tudo isso, não sofremos opressão social. Não da forma e com a dureza que um jovem do Capão provavelmente sofreu. Não nos acostumamos a ver nossos conhecidos mortos em chacinas.

Não perdemos familiares e amigos para o tráfico das drogas. Não ficamos sem danoninho.

O que concluo disso é: boa parte dos grupos menos privilegiados sofrem opressão social e epistemológica. No que se refere a esta última, não existem muitas iniciativas educacionais alternativas para esse público (isto é, rotas de fuga que convidam a pensar um conhecimento rizomático). Via de regra — muito cuidado aqui porque há exceções — o que essas pessoas dão conta é de se agarrar às estruturas já estabelecidas.

Digo dar conta não no sentido de inteligência ou capacidade, mas sim de contexto. Agarrar-se às estruturas já estabelecidas parece mais seguro; tentar caminhos outros é arriscado ou “não é para elas”. Isso quando elas sabem que existem rotas alternativas. A superestrutura, neste caso, é bem boa em eliminar as possibilidades de fuga do trajeto único.

Criar? Inventar? Empreender? Ser artista? Fazer o que nasceu para fazer ou o que se quer fazer? Não se é permitido imaginar esse tipo de coisa. Há toda uma teia cultural (e social e econômica) que asfixia esses potenciais trajetos emancipadores.

Nós já temos as garantias e as chancelas que nossos privilégios nos deram: nos é permitido vislumbrar outros horizontes.

Obs.: Este artigo foi originalmente publicado no Medium do autor em duas partes que dá pra ver aqui e aqui.

Alex Bretas

Cofundador da <a>Multiversidade</a>