No dia 24 de abril, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a PEC 33, projeto de emenda à Constituição que pretende fazer com que as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade de leis aprovadas pelo Congresso sejam examinadas (e até mesmo revogadas) pelo próprio Congresso.
O próprio autor da PEC, deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), explica o motivo do projeto:
De acordo com o texto da PEC 33, para que o STF declare a inconstitucionalidade de uma lei ou emenda, são necessários nove votos (82% do total) — hoje, o Supremo funciona com 10 ministros (pois a 11a cadeira está vaga). Já para mudar a Constituição, o Congresso precisa de 3/5 de deputados e senadores — 60%. Isso significa que o poder do STF (que, até o momento, arbitra sobre a constitucionalidade de leis feitas por congressistas) será reduzido a quase nada.
Neste cenário, o próprio Legislativo (quem faz as leis) é quem dará a palavra final sobre suas peripécias legislativas, e não o judiciário (quem julga a validade das leis e sua conformidade com a Constituição). Assim, o STF perde a soberania de atuação contra os excessos dos nossos políticos.
Os favoráveis ao projeto de emenda alegam que o STF tem decidido além de sua competência. Eles afirmam, por exemplo, que a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias, decisão favorável proferida pelo Supremo em maio de 2008, é um exemplo de inconstitucionalidade.
Quem é contrário à PEC 33 afirma que o projeto é uma retaliação ao julgamento do mensalão. Para eles, a bancada governista resolveu punir o STF por punir os mensaleiros. (Vale ressaltar: o projeto de emenda à Constituição é de 2011, ou seja, anterior ao julgamento do mensalão, em 2012; contudo, a PEC entra numa fila para votação — e pode nunca ser votada –, cabendo à Câmara dos Deputados decidir quando acontece o pleito. Decidiram pela votação após o julgamento.)
Gilmar Mendes, ministro do Supremo, foi enfático ao comentar a PEC 33:
“Não há nenhuma dúvida, ela é inconstitucional do começo ao fim, de Deus ao último constituinte que assinou a Constituição. É evidente que é isso. Eles [da Comissão de Constituição e Justiça] rasgaram a Constituição. Se um dia essa emenda vier a ser aprovada é melhor que se feche o Supremo Tribunal Federal. É disso que se cuida.” — Fonte
O presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, também é contrário ao projeto de emenda. Para ele, a forma como a PEC anula a separação dos poderes “fragiliza a democracia”:
“A separação de poderes não é uma noção abstrata. Faz parte do direito de todos os cidadãos. Integra o conjunto de mecanismos constitucionais pelos quais um poder contém ou neutraliza os abusos do outro.” — Fonte
Não há termo que defina melhor a manobra dos deputados, a não ser golpe. Um golpe contra o Supremo, Casa que ganhou reconhecimento público recentemente. Trata-se de uma ditadura às avessas e, ainda assim, péssima.
YouTube | Arnaldo Jabor comenta o mundo a PEC 33
Ditadura, só que ao contrário
Vamos definir ditadura para, em seguida, dissecá-la.
A acepção do termo “ditadura” no Houaiss é a seguinte:
“Governo autoritário exercido por uma pessoa ou um grupo de pessoas, que tomam o poder desrespeitando as leis em vigor, com supremacia quase absoluta do poder executivo, apoiado pelas forças armadas, e com o poder legislativo inexistente ou enfraquecido e subordinado ao poder do(s) ditador(es), o mesmo acontecendo com o judiciário, e onde geralmente não há estado de direito, imprensa livre, liberdade de associação, de expressão, nem eleições livres e regras claras de sucessão.”
Já a Wikipédia traz “ditadura” da seguinte forma:
“Ditadura é a designação dos regimes não-democráticos ou antidemocráticos, ou seja, governos onde não há participação popular, ou que essa participação ocorre de maneira muito restrita. Na ditadura, o poder está em apenas uma instância, ao contrário do que acontece na democracia, onde o poder está em várias instâncias, como o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
Assim, podemos observar que a ditadura é um regime onde a maioria não tem voz — e gostamos que a maioria tenha voz! Agora, o que acontece se a maioria é ludibriada por interesses atrozes e influências obscuras que, devido a tais elementos, não necessariamente decide pelo correto e justo?
Aqui, quando falo de maioria, não falo de mim ou de você — afinal, para o bem e para o mal, nem todas as decisões estão em nossas mãos. Falo dos deputados e senadores. Marco Feliciano foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias pela maioria dos deputados, por exemplo. Porque foi maioria significa que foi correto? Pois assim como este senhor foi eleito pela maioria, leis são aprovadas pela maioria, por mais absurdas que sejam.
Para conter estes excessos, existe o STF.
(E para se ter ideia da monstruosidade nos excessos, 83% das leis federais e estaduais analisadas pelo STF em 2011 foram declaradas inconstitucionais pela Corte, de acordo com o Anuário da Justiça.)
Se o Supremo não pode atuar de acordo com sua prerrogativa, a sociedade estará fadada às decisões nem sempre acertadas dos deputados e senadores. Assim, o que a maioria dos congressistas decidir, será lei — e sabemos que eles representam não “o povo” em sua definição mais generalista, e sim interesses próprios e do seus eleitorados específicos. Há, por exemplo, a bancada evangélica, que faz leis de acordo com os preceitos de sua religião; há a bancada ruralista que, convenhamos, está pouco se fodendo com a natureza; e por aí vai…
Vale lembrar que hoje, das 513 cadeiras na Câmara dos Deputados, 328 são ocupadas por partidos da base aliada do governo, 96 por partidos independentes e 89 por partidos de oposição. Ou seja, neste cenário, a base governista aprova o que quiser, ainda que seja algo estapafúrdio.
Se a PEC 33 for adiante, a maioria vencerá. E isso será, por mais esdrúxulo que possa parecer, antidemocrático.
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