Imagine um feiticeiro-hacker conservador que soltasse um encanto ortodoxo, excomungando de vez toda a pornografia dessa terra. Ou pelo menos do seu computador, que é onde a maior parte está armazenada. Bem-vindo à janeiro de 1990.

Como meu foco é em mulheres e viagens, eu recebo emails bastante criativos* vindos dos nossos leitores espalhados por todo o mundo (outro campeão em receber mensagens bizarras é o Dr. Health).

Um deles anônimo me mandou um email anônimo perguntando se eu tinha dicas sobre como virar produtor de filmes pornôs em Budapeste, visto que a Hungria, junto com a República Tcheca, é um dos países europeus que exporta talentos na área. Olha, fazer os filmes é relativamente fácil. Qualquer um com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça pode usar um YouPorn da vida para distribuir seus filmes. O complicado é tornar essa atividade rentável.

E para responder essa pergunta, a melhor maneira é contar um pouco sobre o contexto do surgimento da pornografia digital e como ela tem sido monetizada pelos profissionais que fizeram fortuna.

Vamos então ao nosso túnel do tempo para mostrar aos leitores impúberes que antes da Internet, a pornografia era muito mais compartimentada.

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Antes da Internet, passear na banca era pura diversão…

A reconstrução de um mundo midiático de pornografia escassa

Janeiro de 1990. Vinte anos atrás. Era uma raridade, para um pimpolho de espinhas na cara, encontrar vestígios de mulher pelada. Geralmente, elas se escondiam no armário do irmão mais velho, em posteres dobráveis de três páginas. Tudo bem que algumas vezes os posteres ficavam colados e não abriam mais depois de certo uso…

Outra dica serelepe era deixar o videocassete gravando os filmes que passavam depois da meia-noite na rede Globo e TV Manchete para assistir no dia seguinte, ao voltar da escola. A Globo exibia obras americanas como A Vingança dos Nerds (1984) e Porky’s(1982), enquanto a Manchete (já falecida) rodava o melhor da pornochanchada, com direito ao famoso nu frontal da Sonia Braga. Acho que minha miopia aumentou um grau ao ver aquela cena cabeluda. Ou foi culpa da Cláudia Ohana? Melhor não relembrar essas memórias.

Link YouTube | Como é que uma tosquice como Porky’s teve sucesso de audiência na telinha? Numa época de escassez de pornografia, é fácil ganhar o jogo usando três segundos de peitinhos.

A outra opção de minha doce infância era o SBT. O melhor de tudo era assistir ao Miele com seu programa Cocktail(1991)e as Garotas Tim Tim. Se não me falha a memória as minhas favoritas eram a Garota Pêssego (Silvia Rivera) pelo seu moderno corte no cabelo loiro platinado e a Garota Morango (Cláudia Barone), que superava em pelo menos dez centímetros de altura qualquer uma das outras.

Link YouTube | Cocktail, o show favorito da garotada no SBT. A beleza das mulheres anulava o efeito corta-tesão da barba do Miele, e o programa durou apenas um ano, mas será eterno para muitos de nós.

Para a molecada que viveu nessa época, havia mais duas fontes de fácil que mostrava um pouco de pele feminina: a científica enciclopédia Barsa e os catálogos de lingerie das Casas Pernambucanas, publicados aos domingos no Estadão e Folha.

Haja criatividade para fazer bom uso desse material!

Certa vez, tive de abstrair o ato de fazer justiça com as próprias mãos usando o sorridente rosto da Gina – aquela da caixa de palitos de dentes.

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Material de primeira qualidade para a “punheta-arte”, descrita com perfeição pelo Mr. Manson.

O hit da época era um misterioso Amor, Estranho Amor, no qual a Xuxa aparecia pelada transando com um menininho de doze anos de idade. O vídeo era o verdadeiro ET de Varginha: ninguém tinha visto a fita, mas todos ouviam falar de algum fulano que jurava ter visto. Tipo o vídeo da Cicarelli, com a diferença que esse todo mundo baixou.

Não bastasse a dificuldade de compartilhamento do saber da época, a Rainha dos Baixinhos arrumou uma liminar para recolher todas as fitas VHS de locadoras. Sem comentários.

Escassez de mercado = Oportunidade

Aos jovens infantes da Geração Y, meus caros nativos digitais, eu pergunto: em uma realidade longínqua como essa que vos descrevo, parece ser um ótimo negócio ser dono de uma revista que publica pornografia, suprindo a demanda, certo?

Exato. Foi assim que grandes empresas foram criadas do nada. A partir de uma idéia, e obviamente muito trabalho e força de vontade.

Pensando nesse ponto de convergência entre escassez de mercado e oportunidades, convidei o Dr. Money para trocar uma idéia conosco. Ele confirma: a necessidade não suprida por pornografia gerava diversas possibilidades de empreendimento.

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“Nos anos 80 tinha uma locadora no meu bairro que possuía a maior coleção de fitas pornô da cidade. E o dono da mesma era um cara grandão que deixava envelopes pardos em cima da bancada, junto com canetas e as instruções: escolha a fita que deseja alugar, preencha o código no envelope e apresente na saída para registro. Era a festa da gurizada menor de idade.
No início dos 90 já estava na Internet, então começou a ficar mais fácil encontrar fotos – na época, principalmente das modelos famosas em poses sensuais. Claudia Schiffer e Cindy Crawford, apenas para ficar com as tops, circulavam em disquetes e transferências lentas em modems de 1200 bps.
Nesta época já estava ligado em negócios, tinha uma impressora colorida, uma Citizen 200GX se não me engano, matricial, barulhenta, mas que funcionava bem para iniciar um dos meus primeiros empreendimentos. Imprimia as fotos das modelos em várias folhas que depois eram montadas como um quebra cabeças. O resultado: um poster para colar atrás da porta do quarto dos adolescentes cheios de espinhas na cara :-)”
(Trecho de conversa entre Fabricio Peruzzo e Victor Lee)

Não vou entrar no mérito da questão sobre se o sujeito que alugava as fitas para a criançada está certo ou errado. Isso dá muito pano pra manga – descarregue suas opiniões nos comentários e vamos ver o que a galera pensa. O ponto é que em todos os cantos tinha gente que via uma maneira de aproveitar a oportunidade existente. E claro que os grandes players, como a Playboy, não deixavam nada escapar.

O negócio é tão complexo que o grupo Playboy divide suas atividades em três grandes segmentos: entretenimento, publicações e licenciamento, e existem empresas e equipes enormes dedicados a diferentes projetos dentro de cada um desses segmentos.

Exemplos? Playboy TV, Playboy Cyber Club, PlayboyStore.com, Playboy Radio, licenciamento da marca “Playboy” em roupas e acessórios, eventos na Playboy Mansion e mais, isso tudo sem contar a própria revista Playboy. É trampo bagarai.

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Acha que a profissão do Hugh Hefner é fácil? Quem topa assumir os negócios e salvar a Playboy da crise financeira?

A Penthouse Media Group Inc. é outra que viveu seus dias de glória e, hoje sofre para pagar as próprias contas. Para buscar um lugar ao sol, a marca Penthouse está sob o comando de um grupo de mídia eletrônica, a FriendFinder.

Aqui temos um caso típico de um inovador superando a empresa velha (quem gosta do assunto pode procurar o livro Crossing the Chasm, do Geoffrey Moore). A velha geração da Playboy e Penthouse alavancou resultados principalmente com base na criação de uma marca sólida ao fincarem bandeira como pioneiros em um mundo de escassez de pornografia.

Sim, eles foram saco-roxo ao arriscar, desafiando os costumes de sua época. Mas passada a luta inicial, o espírito inovador dá lugar a um instinto reativo e protetor do status quo. A empresa deixa de inovar, o que não é grande problema quando todos os demais fatores continuam iguais. Mas quando existe uma grande mudança nas regras, isso é fatal. Na popularização da Internet, faltou às grandes empresas estabelecidas uma pegada firme e dinamismo que permitisse a sobrevivência e aumento de lucros com uso da nova mídia.

Era óbvio que uma empresa de nova mídia como a FriendFinder chegasse dando voadora de dois pés, adquirindo marcas como a Penthouse a preço de banana e reinventando o negócio.

Em vez de escrever nesse artigo o que é que a turma da nova mídia está aprontando, vou retornar à pergunta do leitor que pretende se aventurar na produção de filmes pornográficos em Budapeste. Existe como prosperar na indústria pornográfica ainda hoje, depois da explosão da Internet? A resposta é positiva.

Da mesma maneira que Playboy e Penthouse exploraram uma necessidade de mercado décadas atrás, existem outras necessidades ainda não supridas hoje. E vamos falar mais sobre elas na continuação da série “PdH Porn”, que vai detalhar os modelos de negócio na história do pornô no mundo digital.

* Um importante esclarecimento sobre os “emails criativos”: não estou reclamando – ao contrário, digo que os leitores de espírito não convencional são muito bem vindos para me escrever com perguntas e sugestões. Basta enviar pelo formulário de contato e deixar claro que sua mensagem deve ser encaminhada para mim que a equipe PdH dá conta do recado.

Victor Lee

É o embaixador europeu da PapodeHomem e está sempre de malas prontas para ir onde tem mulher bonita. É autor do <a>"From Victor With Love - Diário"</a>."