Depois de escrever sobre a vitória no desafio de baterias do InterUNESP, em Araraquara, uma notícia me deixou com vergonha de ser aluno da universidade.

Como muitos de vocês devem ter acompanhado, houve a denúncia de um tal de Rodeio das Gordas, que ocorreu durante o InterUNESP desse ano. Trata-se de uma “brincadeira” na qual rapazes chegavam perto das garotas e as agarravam, tentando ficar o maior tempo possível para ganhar a disputa, como se a mulher fosse um cavalo.

Confesso que não vi isso ocorrendo lá, mas o InterUNESP é um evento grande, com participação de mais de 15 mil pessoas. Além disso, os eventos ocorriam em diversos ginásios e locais esportivos, além da tenda onde rolavam festas e jogos “alternativos”. Não duvido da capacidade de alguns universitários brasileiros que acham que possuem o rei na barriga.

Link YouTube | Ninguém faria isso sozinho, mas em grupo fica mais fácil, né?

Começou, então, a polêmica de chamar essa coisa toda de bullying. Vejamos a definição da Wikipedia:

Bullying é um termo em inglês utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo de indivíduos) incapaz(es) de se defender.”

Acho que a grande polêmica está na afirmação “incapazes de se defender”. Será que todo mundo é capaz de se defender de um ato de violência psicológica, por exemplo? Complexo.

Se formos generalizar um pouco as coisas, acredito que o trote, que ocorre na entrada dos calouros na universidade, também poderia ser considerado bullying. De qualquer forma, acho esse termo uma mera modinha. O fato é bem antigo em nossas universidades. Pensei, pois, em escrever esse texto para mostrar a quem nunca passou por um trote que a coisa pode ser bem pior do que esse Rodeio das Gordas.

Aqui vai a lista dos 10 trotes mais tradicionais e escrotos da universidade brasileira.

10º Apelidos carinhosos

A provável origem dessa tradição está na época da ditadura militar. Os estudantes procuravam produzir textos a favor da resistência, mas não se identificavam diretamente para não serem pegos pelas autoridades.

Depois que a ditadura acabou, os apelidos continuaram e foram tomando significados bem pejorativos, dependendo da pessoa, passando por apelidos preconceituosos relacionados à etnia (Negão, Preto, Tiziu, Macacão, Albino) ou com direta referência sexual (Clitoruda, Dá-o-Rabo, Vem-me-comê).

9º Corte de cabelo da moda

Para não passar de coitadinho, basta dizer que mudou de religião e começar a ouvir músicas estranhas para contextualizar o corte.

Esse dispensa qualquer explicação. Em algumas universidades, os calouros são obrigados a manter o corte de cabelo até a “data de libertação dos bixos”, que ocorre depois de uns três meses do ingresso na universidade.

8º Passar o palitinho

O desafio: passar um palitinho de boca em boca numa fila. Existem versões com duas filas para homens e mulheres, o que aumenta a dificuldade. Se alguém deixa o palitinho cair, ele é quebrado pela metade. Entendeu o drama, né?

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7º Elefantinho

Esse é um dos mais tradicionais. Dá uma puta dor nas costas, depois de uns 15 minutos andando desse jeito, que vocês não têm ideia. E vem com um bônus: você pode dar a sorte de ficar de cara com a bunda de alguém com dor de barriga e sentir os gases nobres antes que todo mundo.

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6º Cuecão

Esse é bem tradicional também. Faz os calouros desistirem de usar cueca até a data de sua “libertação”. Caso contrário, podem ter a incrível oportunidade de sentir suas bolas na garganta. Pode ser que a pessoa goste também, veja como o cara do vídeo abaixo fica dando risada. Tem gosto pra tudo.

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5º Creolina

Até agora a coisa estava engraçada. Ninguém pegou pesado. Alguns estudantes em Barretos acharam divertido jogar creolina nos calouros e ver a pele deles queimar.

Ah, vai, para de ser chato, é só uma brincadeira de integração!

4º Combustível

Você abastece seu carro com pinga? Não? Então por que dar álcool combustível para o calouro?

3º Ficar pelado

Degradante, a não ser que você seja muito extrovertido. É incentivado por veteranos com problemas íntimos com sua própria sexualidade. Obrigam os calouros a ficarem pelados no meio de grandes aglomerações de pessoas, sobretudo nas festas da faculdade.

Link YouTube | Acho que entendi o significado da palavra “pelada” pra futebol.

2º Mastiguinha

O veterano pega um alimento, por exemplo uma linguiça servida no churrasco da faculdade, mastiga algumas vezes e cospe na mão de um calouro, que é obrigado a comer. Também existem variações, como na forma de fila. Começa com o veterano, passa para o primeiro calouro que mastiga, cospe na mão do próximo calouro, que mastiga e vai passando até chegar no último, que tem de engolir.

No final deve estar bem pior que isso.

1º Abuso psicológico

O veterano lança mão de toda a sua autoridade (atribuída por quem mesmo?) e ordena o que desejar ao calouro. Aqui entram todos os outros trotes degradantes, personalizados, que somente cada veterano pode planejar. Pode causar, inclusive, a morte de pessoas, como aconteceu com um estudante de medicina da USP, em 1999.

Algumas outras situações comuns são ordens aos calouros para pular na piscina (na temperatura ambiente de menos de 10ºC), tomar bebida alcoólica até passar mal, ajoelhar no chão contendo cacos de vidro, comer cebola, alho e folhas de guaco, tomar reforço (uma mistura de catchup, mostarda, ovo cru, cerveja e o que mais tiver na área)… Não há limite para a criatividade maligna. Entram aqui também os gritos no ouvido e a humilhação verbal perante as demais pessoas do recinto.

Qual o limite da brincadeira saudável?

A questão do trote sempre foi muito polêmica. Nunca tive uma opinião definida. Conversando com pedagogos e psicólogos, muitos já me falaram que o simples fato de um calouro receber um apelido carinhoso já pode deixar traços marcantes em sua personalidade, dependendo do significado do apelido e do modo como é recebido internamente.

Perder sangue, não cabelo, não dignidade. | UFRGS e UNISC 2010.

No entanto, não me sai da cabeça também que algumas brincadeiras foram muito importantes, na minha fase de calouro, para a integração com os demais estudantes, inclusive meus colegas de sala que se enrascavam comigo. Na fase de veterano, provocar brincadeiras saudáveis também abriu a comunicação com os calouros que eu ainda não conhecia.

Quanto aos trotes solidários, não acredito que funcionem muito bem. Não satisfazem a vontade do veterano em dar trote, em se sentir superior. Portanto, por mais que ache válida a iniciativa, não acho que seja solução para o problema.

É também difícil definir limites para o trote. Como podemos permitir o corte de cabelo se uma tesoura pode machucar, mesmo que não intencionalmente, a orelha de um calouro? Portanto, a iniciativa que as autoridades tem tomado é proibir totalmente o trote na universidade, para evitar abuso. Fora da universidade, o calouro que tomar trote e se sentir lesado, pode procurar a polícia e fazer uma denúncia contra o agressor.

Pintar muros de escolas em vez de perder tempo com tarefas sem sentido.

E você, caro leitor, o que acha do trote nas universidades? Tirando as ações bizarras que causaram sofrimento e até morte, claro. Comente também sobre o que acha do “Rodeio das Gordas”. Se ele ocorresse com qualquer tipo de menina ou com meninos, seria também um problema?

Danilo Scorzoni Ré

Engenheiro Florestal, amante da natureza e de ecoturismo. Apesar de ambientalista, não gosta de eco-chato e ainda acredita na capacidade do ser humano em promover um futuro melhor. É <a>@dscorzoni</a> no Twitter."