“Sendo sincero. Tem três coisas aqui que mata, entendeu? Primeiramente, droga. Depois mexer com mulher dos outros e pessoa que não paga seus compromissos”.
Foi exatamente assim que Naor Lopes da Silva, pescador e peixeiro da cidade de Baixo Guandu, no Espírito Santo, resumiu a situação que atravessa após a contaminação do Rio Doce pela quebra da barragem da Samarco. Aflito e pai de três filhos pequenos, ele teme estar enquadrado na última das três categorias que contou nos dedos.
Quando nos recebeu em sua casa durante a #ExpediçãoRioDoce, que eu e a repórter Nina Neves fizemos de Mariana à foz do Rio Doce para entender os efeitos do maior desastre ambiental da história do Brasil, Naor explicou o porquê. Dono de um dos principais estoques da cidade, ele tem cerca de R$ 40 mil reais em pescado acumulado nos 16 freezers que possui, mas não consegue dar vazão à mercadoria nem pagar o que deve aos seus fornecedores.
Ainda que possua um comprovante do IBAMA que mostra que os peixes foram capturados antes da lama tóxica da mineração chegar à cidade, cliente nenhum tem coragem de consumir os produtos. “Tá difamado. Falou que é peixe de água doce ninguém come, ninguém compra. Além de ter os meus peixes, aqui é um depósito e um monte de gente carrega aqui. Motoqueiro enche aqui e sai vendendo, mas não estão vendendo nada. O cara andou duas semanas com 60kg de peixe, sendo que em uma semana ele vendia 600 kg”.
Pelos cálculos de Naor, a clientela (atacado e varejo) foi reduzida em 90%. Ele explicou a situação que atravessa em reunião na Prefeitura e diz ter ligado chorando para a socióloga da Samarco que atende a população ribeirinha em busca de uma solução para o caso. A resposta não veio, mas contas de luz, em torno de R$ 1.500,00 ao mês, não param de chegar.
“Tentei vender a caminhonete para comprar outro carro financiado e pagar as dívidas. Quando cheguei lá, vi que meu nome tava no SPC por não pagar a conta de luz e não consegui”.
Atualmente, ele busca liquidar o estoque para diminuir o prejuízo. O quilo de robalo, que antes saía por aproximadamente R$ 45,00, quase não é vendido mesmo que por dez reais a menos, a R$ 35,00. O cascudo, que valia R$ 27,00 o quilo, não tem vazão a R$ 18,00. “Como o peixe entrava e saía rápido e muita gente pegava, eu ganhava na quantidade – R$ 0,50 ou R$ 1,00 no kg do peixe no atacado. Mesmo se eu vender o que está aqui hoje, não terei lucro. Já gastei muita luz nessa quantidade de tempo que ficou aqui”.
Embora o caso de Naor seja emblemático, ele não é único.
Como o desastre da Samarco coincidiu com a piracema, período de novembro a fevereiro em que a pesca fica proibida para preservar o ciclo de vida dos peixes de água doce, ele é só um dos pescadores com os freezers cheios. Colegas vendedores das cidades de Linhares e Colatina, como Bicudo e Cureco, também enfrentam a mesma situação.
Acabou-se o que era Doce.
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Procurada, a assessoria de imprensa da Samarco se ateve a dizer que vai distribuir aos pescadores da região, pelos próximos seis meses, uma ajuda mensal de um salário mínimo, uma cesta básica, mais acréscimo de 20% do mínimo para cada dependente. Até a publicação dessa reportagem, a empresa não tinha um posicionamento para situações como a do estoque de Naor.
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