Aos 23 anos e poucos meses depois de vencer o prêmio AVN na categoria Melhor Cena de Sexo Anal, em 2010, a lenda da indústria pornô Sasha Grey anunciou sua aposentadoria.

Depois de 20 minutos olhando esta foto, eu não consigo pensar em nada inteligente para a legenda

Na época, ela publicou uma carta no Facebook, que diz:

Se tornou bastante evidente que meu tempo como uma atriz de filmes adultos expirou. Não se preocupem, não encontrei Jesus. Uma coisa é certa, tenho orgulho em dizer que não carrego arrependimentos, sinto que de fato realizei tudo que poderia como uma atriz pornográfica. (…) Foi apenas o tempo perfeito para ir adiante… enquanto estava por cima (sim, trocadilho proposital). A vida às vezes nos leva em direções que não poderíamos ter imaginado.

Apesar do desejo de abandonar os filmes adultos, o passado retorna e lhe explode na cara. No último dia 2, Sasha Grey esteve na Emerson Elementary School para ler Dog Breath, de Dav Pilkey, aos alunos da primeira série. Ela é voluntária de um programa de incentivo à leitura chamado Read Across America. O gesto não foi visto com bons olhos pelos pais dos estudantes, que ficaram indignados por ter alguém com um passado na indústria pornográfica lendo para seus filhos. A escola também adotou uma postura duvidosa: negou a presença de Sasha Grey na escola, apesar das imagens do TMZ comprovarem o oposto.

Muito melhor que aprender a ler com gibis da Mônica

Em suma, Sasha Grey foi julgada não pelo ato de caridade, mas pelo seu passado.

Em resposta à polêmica, a atriz disse:

Acredito que educação é um direito universal. Eu me comprometi com este programa sabendo que as pessoas teriam suas próprias opiniões sobre o que eu já fiz, quem eu sou e o que eu represento. Eu sou uma atriz. Eu sou uma artista. Eu sou uma filha. Eu sou uma companheira. Tenho um passado com a qual muitos podem discordar, mas que não define quem eu sou.

Sasha Grey tem razão.

O que nos define neste mundo? Adotamos múltiplos papéis – o mesmo homem é um pai, um filho, um aluno, um amigo, um trabalhador, um lateral esquerdo não muito talentoso na pelada de domingo. E matamos quase que cotidianamente nossos personagens: o marido de hoje pode ser o divorciado de amanhã; o profissional habilidoso pode ser um desempregado; o garoto calado na escola pode se transformar num assassino em série ou num astro de TV.

Assim como as experiências passadas têm uma grande importância na constituição do homem, elas não podem delimitar o ser. O que somos hoje é a resultado de um mosaico de ações, aprendizados, influências do meio e demais elementos que se complementam, ainda que pareçam se anular. Somos muitas coisas: putos e santos, bestas e anjos, editores do PdH e gente decente.

Ninguém foge disso.

Soa clichê este papo de “não julgueis”. Mas 35% dos leitores do TMZ que votaram na pesquisa realizada pelo site acham inapropriado uma atriz pornô, ainda que aposentada, lendo para crianças. Já na página do PdH no Facebook, 17% disseram que é importante considerar o passado ao julgar uma pessoa.

Este é o problema: julgar. Não caio no erro de dizer que é possível passar pela vida sem lançar julgamentos. Inclusive, se julgamentos fossem inteiramente ruins, como saberíamos o que é certo e o que é errado. Julgar tem um papel fundamental na nossa sociedade. Contudo, devemos estar cientes de que não estamos acima da verdade e nunca temos informações suficientes para retratar com exatidão a realidade – o que torna qualquer julgamento uma ciência inexata. Devemos, assim, ter critérios. E o passado não deve ser um deles – ou eliminaremos coisas como arrependimento e perdão. (O que não se aplica ao caso de Sasha Grey, que não tem do que se arrepender, no meu ponto de vista.)

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Teto de vidro

Curiosamente, acreditamos que o que se aplica a nós não deve se aplicar aos outros. Nós podemos ter um passado negro e superá-lo, mas não admitimos que pessoas próximas o tenham. Ainda que sejamos a resultante do tal mosaico citado acima – inclusive com esqueletos escondidos no armário –, esperamos dos outros uma perfeição inalcançável. Um passado ilibado. Nenhum pecado na conta. Nenhuma mácula. Nada debaixo do tapete.

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Como exercício, responda sinceramente: você continuaria seu namoro se soubesse que, anos antes, na faculdade, ela deu pra todo mundo? Você olharia torto para seu melhor amigo se ele dissesse que, na escola, aos 14 anos, ficou com um colega de sala para saber como era? Você daria emprego a um ex-presidiário?

Lembrei-me agora de um texto publicado aqui no PdH, “Vida e morte da safada Biatrixxx“.

Rolou aqui até um suspiro

Sua autora, que assinou com o pseudônimo enterrado havia algum tempo, relatou como construiu uma personagem para poder falar de sexo na internet e, depois, como a destruiu. O que me chama a atenção neste momento são os comentários ofensivos, ainda que a autora tenha “assassinado” sua personagem e hoje seja, quiçá, uma freira. Vou colar alguns aqui sem qualquer edição e reparem em como há quem relacione o passado à pessoa de maneira abominável:

Muito bom o texto, porém pra mim a única definição existente para a verdadeira personagem por trás da Biatrixxx é (Vagabunda, Vaca, Puta) como preferirem. Uma mulher que se expões dessa forma não é merecedora de respeito algum. Para os homens é demais também, pois a facilidade de se comer uma mulher dessa é enorme, para se relacionar um pouco mais sério JAMAIS. Serve como lanchinho.
E pras mulheres que acham o máximo, apoiam e concordarm com essa idéia, são todas vagabundas seguidoras de Biatrixxx.

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Eu acho q há um pouco de hipocresia nos cometarios, pq homem nenhum que contituir sua familia com uma mulher q aja dessa maneira, imagina quando forem ter os filhos ou melhor filhas, ela ficara fazendo a alegria da macharada por ai… entao o sexo foi criado pra ser compartilhado com uma pessoa só, justamente para evitar essa degradaçao, aposto que tem mulheres que nao sao felizes, uma amiga minha  transou com 4 homens diferentes na vida dela e ela se sentia meio que nojo disso.
Mulheres com contagens expressivas de parceiros é muito comum hoje em dia, tem mulher q já passou da casa das dezenas, isso é pessimo, o q essa mulher vai falar pra filha dela, e o pai dela o q vai pensar disso.
Entao é isso chega de hipocresia, a verdade é se tivesse que escolher entre a vigem e a km rodado que escolheria????
fica a dica!

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A questão aqui é a moralidade, cada um tem uma opinião formada sobre as coisas e essa é a minha, quem são vocês para julgar o que deve ser considerado como imoral, ou qualquer outro adjetivo, conceito, cultura, etc existente?
A única classificação que existe é a relacionada a moralidade, valores, etc. Como eu disse, o texto está ótimo e todos seres humandos são livres para fazerem o que quiserem, não há impedimentos. Porém eu acho SIM e tenho a CTZA de que mulher com esse tipo de atitude não merece ser respeitada, mto menos valorizada.
Fica muito fácil se relacionar caso não se conheça o passado de uma mulher como esta, porém eu DUVIDO e até APOSTO com qualquer um aqui, se namorariam esse tipo mulher conhecendo o seu passado e as coisas que tem feito. Tenho a plena ctza de q a resposta será NÃO.
Não existe um fundo e sim um poço de hipocrisia nos comentários de vocês, enfim não vale a pena explicar, infelizmente os homens estão cada vez mais fracassados.
Não sou machista, nem racista, nem preconceito, apenas tenho o meu ponto de vista e opinião sobre todas as coisas, e as vezes, em sua maioria, essa opinião pode ser interpretada erroneamente

Voltando ao caso de Sasha Grey… Haverá quem alegue: “Mas uma coisa é uma atriz pornô, um mulher devassa, ler para crianças inocentes; outra coisa é, por exemplo, dizer que alguém é mau sujeito porque, há 20 anos, arrumou uma briguinha na escola.” Engano: é exatamente a mesma coisa. É ser julgado pelo passado em detrimento do que você é hoje. É julgar o todo pela parte. É olhar a Lua e só enxergar seu lado escuro.

Acredite, leitor: sua namorada pode ser mais safada – no bom e no mau sentido do termo – que uma estrela pornô. E aceitar alguém de verdade, com o coração aberto, só é possível se você abraçar todo o passado.

sitepdh

Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.