Ninguém está aqui para falar que é complicado ser homem. Ser homem na verdade, se você for pensar com calma, é bem cômodo, com vantagens que vão desde ganhos práticos como ser quase socialmente aceitável urinar de pé na rua até ganhos mais práticos ainda como, sei lá, receber mais do que uma mulher para realizar o mesmo serviço e poder falar que gosta de futebol sem ouvir alguém dizer “mas você sabe MESMO o que é um impedimento?”.

Se você é homem, calma, respira. Não estou falando que é culpa sua, não precisa dizer “nem todos os homens”. Eu sou homem também, estamos juntos nessa jornada. Eu uso a palavra “top” sem ironia alguma, estou apenas dando aquela contextualizada na realidade da coisa.

Em suma, como eu vinha dizendo, não é exatamente complicado ser homem. Assim, se a vida fosse um joguinho de RPG para Dreamcast e você pudesse escolher entre começar como homem ou mulher, eu tenho quase certeza que a revista Ação Games iria te recomendar começar como homem mesmo.

Mas existem as chamadas questões, claro. Como qualquer texto que usa a expressão “homem moderno” tem a obrigação contratual de mencionar, vivemos uma era de mudanças de referencial, em que as imagens de homem, as expectativas de homem, a visão do que é um homem, precisou mudar para se adequar a uma sociedade diferente em que todos têm papeis diferentes e já não cabia mais aquela visão de homem da época do seu avô, por exemplo.

Ou seja, as suas definições de masculinidade foram atualizadas e agora você pode chorar em filme mas não pode mais obrigar a sua filha a casar com um cara que ela não gosta mas que você escolheu por razões financeiras. Se você gosta de assistir dramas é bom, se você gosta de casamentos forçados já não é tão bom assim, eu imagino.

Em tese, o “homem moderno” seria essa ruptura. Mais sensível, nada machista, mais aberto, uma visão diferente do mundo, um cabelo mais bonito, um instagram mais bem diagramado – aquele lance das cores das fotos combinarem que quando a gente vê a gente pensa “rapaz, está aí o Instagram de um cara moderno, né?”.

"Moderno, né?"

O homem moderno seria diferente do pai incapaz de demonstrar afeto, do avô que mandava a avó calar a boca na mesa do jantar, do bisavô que sinceramente nem vamos nos aprofundar porque sabe-se lá o que era normal de fazer naquela época, cara. Eram períodos complicados.

O homem moderno seria esse cara sem medo de usar a saia, sem neura com acessórios na barba, que respeita a mulher, que entende o amigo, e que sabe que não apenas não existe nada de errado com uma camisa rosa como ela combina 100% com uma gravata preta.

Mas como você pode perceber conversando com a sua amiga que recebeu o convite de um fotógrafo de nu que queria apenas assediá-la, lendo na timeline a história da conhecida que teve um encontro com um cara que achou que transar era obrigação da garota por ele ter pago o jantar ou mesmo lembrando de alguma briga específica com aquela ex-namorada que apontou o quanto você repetia na sua vida os piores traços de comportamento do seu pai, o homem moderno é, num certo grau, uma grande farsa.

Sim, infelizmente, se formos pensar bem, o chamado “homem moderno” é talvez uma das maiores fake news de nossa era.

E, de novo, calma, respira, vem comigo. Eu não estou te acusando mais do que eu estou me acusando – ainda que ok, admito, eu esteja me acusando um bocado sim, mas me ouve, a gente vai chegar lá junto.

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A questão é que o chamado “homem moderno” muitas vezes é basicamente uma roupagem nova nos mesmos problemas antigos. Temos um corte de cabelo mais bonito, assistimos filmes com menos tiro, trocamos o futebol por uma oficina de bambolê, trocamos o “se transou no primeiro encontro não é pra casar” por “a mulher tem o direito de exercer a sexualidade dela com liberdade, bicho”. Mas dentro da nossa cabeça muitas vezes estão as mesmas coisas. No nosso comportamento os mesmos erros. Nas ações as mesmas intenções. Na mudança de discurso menos um ganho de respeito pela mulher e mais a ideia de que “bem, se ela vai exercer mais a sexualidade dela, com sorte vai exercer lá em casa, né?”  

Porque, claro, parecer moderno é muito mais fácil do que ser moderno. Parecer sensível é muito mais fácil do que realmente tentar ter empatia com os outros, parecer feminista é muito mais fácil do que realmente ouvir sem ficar na defensiva quando alguém te acusa de machismo, parecer liberal é muito mais fácil do que realmente entender que cada pessoa pode fazer o que quiser da vida dela e você não tem absolutamente direito nenhum de se meter nisso. E todas essas coisas são, é claro, muito mais complicadas do que colocar um acessório na barba (ainda que nada contra isso, tenho até amigos que são e admito que eu mesmo já pensei em fazer isso uma vez).

E talvez esse seria o principal traço do “verdadeiro” homem moderno – conseguir alinhar discurso e prática. Não vender uma modernidade que você não tem, não fingir uma compreensão que você não alcançou, não passar uma imagem que no fim das contas ainda não traduz aquilo que você é.

Porque poucas coisas parecem ser realmente mais modernas do que a gente ser capaz de aceitar que ainda não é tão moderno assim e precisa ouvir muito, aprender muito, corrigir muito antes de poder dizer que é.

Mecenas: Aramis

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João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode