Escorpião, cobra, estrela-do-mar, besouro d’água, cavalo-marinho, centopeia, bicho da seda, casulo de abelha. Tudo exposto e servido como uma das iguarias deliciosas da cozinha chinesa. Na China, não é fácil encontrar esse tipo de comida em qualquer restaurante.
Ela é mais admirada no sudeste do país, na região de Cantão. Ainda assim, não muito popular. Mas num país com 1,3 bilhão de habitantes, tudo que se move é proteína. E proteína é fundamental da alimentação humana.
No centro de Pequim, perto de uma das regiões que concentram mais ocidentais pela quantidade de shoppings e hotéis de luxo, está uma das mais famosas ruas da cidade: a Rua Donghuamen. Ela é responsável por resgatar na capital a tradição culinária chinesa.
Não arrisquei provar nada, mas por um empurrãozinho, testaria a cobra. Na feira, no final da tarde, trabalhadores colhem seus espetinhos de insetos para serem degustados no metrô enquanto vez ou outra alguém grita: um grupo de turistas está se arriscando a degustar.
No centro do país, o exótico sou eu. Menos acostumada a turistas, a província de Sichuan ainda assim me preparou uma refeição típica, altamente apimentada. “Quero água”, pedi. Servem-se um copo de água quente. “Não, quero gelada”. Espanto da minha guia: “Vai fazer mal pro seu estômago!”. No outro dia, no carro, ela me perguntava por que consumimos aspartame. Tive que confessar: “pra compensar o açúcar de alguma outra coisa”. Ela insiste: “como chocolate? Muito doce pra mim”.
16 dias no país em que nem nas grandes capitais acha-se chocolate facilmente, almoço em Shanghai, a mais ocidental das cidades chinesas. No menu, sobremesa incluída. Servem-me tomates-cereja. Vegetal cru está fora da dieta chinesa. O tomate é fruta e é servido no final da refeição. Pro meu paladar desacostumado do açúcar, caiu como uma luva.
Apesar do rechaço às iguarias locais que não fazem parte da cultura culinária ocidental, entrei no clima. Pouco açúcar, pouca bebida gelada nas refeições e poucos vegetais crus. Há de se respeitar: o país é de magros e tem baixo índice de câncer. Genética? Sim. Mas dieta também, pois é nos grandes centros ocidentalizados que os chineses devagar começam a engordar.
Faço um balanço dos meus hábitos alimentares. Lembro que os árabes não apreciam porco, tão consumidos na China e no Brasil. Eu adoro. Na última segunda, de volta ao Brasil, correndo à noite na avenida Sumaré (São Paulo-SP), deparo-me com um casal de meia idade passeando com seu porquinho encoleirado.
Ele foi levado para fazer xixi. Educado e amigo, abanava o rabinho feliz. Um flashback me leva a uma festa straight-edger a que fui há 9 anos. Nela ganhei um ímã de geladeira que dizia: “porcos são amigos, não são comida”. Na mesma hora, caí e torci meu pé. Nada grave. Foi só a constatação de que comer besouro, cobra e tomate de sobremesa fazia mais sentido do que nunca.
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