Escrever é se expor.

Não tem jeito de botar palavras no papel sem se abrir pro mundo. Veja só, ainda que você escreva pra si mesmo, o correr dos dedos acaba por revelar aquilo que ainda não havia sido dito. Ainda que você escreva para os jornalões e tenha seu texto podado e editado pela chefia, seu nome no canto do papel é uma abertura pra conversa.

Quem publica se põe sentado pra ouvir, de seu lado mais íntimo. É sempre um risco – por vezes demais, especialmente aqui no PapodeHomem, a troca é boa, parruda, construtiva. Mas muitas vezes é pesada, ofensiva, destrutiva e com um poder incrível de minar energia.

O espaço online parece bem aconchegante a quem não se sente confortável e pertencente às ruas de concreto. De alguma forma, ele hospeda um monte de pessoas a quem um avatar confere ilusão de autoestima e segurança.

Dentro dessa bolha, fica fácil perder a capacidade de sentir o outro. Nos melhores dos casos, a preocupação com a argumentação afinada, coerência e sutileza das palavras pode até existir, mas a intenção competitiva e desmoralizante envenena o tom da conversa. Na maioria das vezes, porém, correm soltos os xingamentos, as falácias lógicas, ofensas pessoais e raivas que refletem muitos dos ressentimentos pessoais de quem as escreve.

A violência ricocheteia em quem escreve e em quem comenta, sem reservas, mas a coisa pode ficar mais incisiva e recorrente com quem escolhe fugir dos papeis aos quais deveriam estar presos.

É o que acontece com as jornalistas Julie DiCaro e Sarah Spain. Ambas são jornalistas do site Just Not Sports, que cobre a área esportiva tomando como ponto de partida os próprios atletas.

Julie e Sarah recebem assédios diários nos comentários de seus textos. Intenções violentas, agressões verbais e provocações machistas, especialmente por ocuparem um lugar estereotipadamente masculino que é a cobertura de jornalismo esportivo.

Por isso, o veículo resolveu abrir a campanha #MoreThanMean e fazer um experimento social interessante: pediu pra que outros homens lesses esses comentários, frente a frente com elas, olhando em seus olhos.

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São ataques de cunho puramente pessoal, a seus trabalhos ou até mesmo ao simples fato de serem mulheres e estarem ali, existindo e, portanto, possíveis alvos dos ressentimentos e traumas de quem ataca.

Na maioria das vezes, o que chamaríamos de críticas não são reclamações em relação à qualidade de seu trabalho ou apontamentos sobre como poderiam produzir melhores reportagens. Não. São atacadas por terem cometido o crime de serem mulheres.

Porque, sim, homens e mulheres sofrem da falta de empatia na internet. Mas a incisividade dos ataques não aconteceu com Julie e Sarah à toa. Assim como o mundo físico, o universo online é incrivelmente mais hostil com as mulheres.

O estudo da Universidade de Maryland descobriu que, enquanto homens recebem de 3 a 4 xingamentos e ameaças por dia em um chat ou fórum online, a média das mulheres fica no assustador número de 100

Para aqueles homens que estavam diante delas, ler os comentários não foi tarefa fácil. Seus lábios tremeram, eles hesitaram, ficaram envergonhados e quiseram parar de ler. Foram forçados a testemunhar a violência constante com a qual estas jornalistas e muitas outras mulheres que se expõem na internet – ainda que estejam só fazendo seus trabalhos – são tratadas diariamente.

Bom que violentar mulheres dessa forma seja ainda um pouco mais difícil cara a cara – o que, infelizmente, não tem impedido que o assédio aconteça.

Nos espaços online, isso só vai parar quando nos propusermos todos a construí-lo de forma mais empática, num exercício de lembrar-se, constantemente, que o outro é um alguém tão real e vulnerável quanto nós.

A misoginia precisa ter seu fim na força de enxergar mulheres como completas que são, como sujeitos ativos de períodos complexos. Não somos reflexo das fraquezas de ninguém que não as que nos pertencerem. Não somos receptáculo da raiva acumulada e violência. Somos inteiras e existimos, e vamos ocupar todos os espaços, inclusive os virtuais.

Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.