Gente, para um pouco agora. Pensa. Pensa no que está acontecendo nas ruas, pensa nas mensagens que estão sendo ditas. Pensa no sentimento que está ganhando forma. Enquanto você reflete aí, me responde: o que é uma democracia? Já volto nisso.

Passando pela Paulista hoje, o clima de carna-protesto me deixou meio tenso. Vi dezenas, senão centenas, de pessoas com cartazes exibindo diferentes mensagens. A maioria era inofensiva, da cura gay, passando pela PEC 37 [recomendo ler “PEC 37: o que é? Ou: é bom se manifestar, mas é preciso pensar“], até fora corruptos.

carna-protesto
carna-protesto
“Ê farra boa!”

Mas tinha uma minoria de mensagens que sempre ganhava mais força nos gritos de ordem. “Ei, , vai tomar no cu.” Ou, “Ei, , vai se fuder, o nosso movimento não precisa de você.” Faixas grandes exibiam em letras garrafais “O MEU PARTIDO É O BRASIL”, ou “Eu sou apartidário”. Ou ainda coisas esdrúxulas como a hostilização dos profissionais de imprensa. As pessoas estão gritando nas ruas que não precisam dos jornalistas.

Hoje, em Brasília, pessoas tacaram fogo no Itamaraty enquanto tentavam invadir o prédio. No Rio, a população entrou em confronto direto com a polícia. Em Porto Alegre, alguns tentavam saquear o centro. Em Ribeirão Preto uma família acabou de perder seu filho, morto atropelado pela manifestação.

Não, gente. Assim não.
Não, gente. Assim não.

Se você juntar todas essas mensagens elas descrevem uma realidade muito perigosa, que começa a tomar forma nas entrelinhas desse movimento que está atravessando o Brasil. Sabe quais nações não têm partido e onde a imprensa não existe? As pessoas estão pedindo as cabeças dos políticos sem entenderem que, no processo, podem estar sacrificando uma coisa que a geração anterior trabalhou muito duro para conseguir. A nossa democracia.

"Passeata dos 100 mil", em 1968
“Passeata dos 100 mil”, em 1968

Então, me diz aí, o que é uma democracia? Passa rapidinho na Wikipédia e volta aqui.

Agora me diz, com toda a honestidade que nos é capaz de reunir, quem foi que colocou no poder os representantes que administram o país? Você se lembra do candidato a vereador que você votou na última eleição? E deputado? Senador?

Pois é. Se o Brasil está do jeito que está, hoje, é corresponsabilidade nossa. Fomos nós que colocamos esses caras lá. E se você não votou em nenhum deles, você não representa a maioria, não nessas eleições. Numa democracia, é preciso respeitar a vontade da maioria. Por quê? Por que a via contrária é a repressão, o autoritarismo, a unidade de ideias, sob uma única bandeira. Soa familiar?

Não adianta gritar nas ruas que esse partido ou aquele não presta, e que não precisamos de representantes. Precisamos sim. Não seja idiota. Quanto mais tivermos pluralidade de vozes, mais longe estaremos do controle absoluto de uma minoria.

Na Paulista, hoje, uma massa mandava o pessoal dos partidos irem tomar no cu. Jogavam latas, garrafas e vaiavam. Vaiavam muito. Esses militantes partidários, ao revidarem as hostilizações, recebiam mais vaias sob os gritos de “SEM VIOLÊNCIA.” Como pode uma coisa assim?

Se você se sentiu no direito de ir se manifestar, porque os militantes dos partidos não podem? Não é esse o direito ao qual nos referimos quando queremos nos organizar? Qualquer pessoa tem o direito de ir para as ruas e dizer o que pensa, seja ela ligada a alguma bandeira ou não. E quanto mais bandeira tivermos, melhor.

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Agora, prestem atenção em onde isso pode parar. Esse movimento apartidário pode rapidamente ser capturado por minorias que querem exercer sua vontade sobre a maioria. A propriedade privada fica ameaçada. Nem a polícia consegue segurar. Daqui a pouco vão começar a pedir a presença do exército nas ruas. E se isso acontecer, meu amigo, fudeu.

Já ouviu falar no Estado de Exceção?

Não? Vai lendo.

É a suspensão temporária dos direitos e garantias constitucionais. Por quê? Porque se as pessoas continuarem a se sentirem no direito de invadir espaços públicos, a quebrar e saquear lojas e a exigir a cabeça dos representantes que elas mesmas elegeram, caracteriza-se a implosão da democracia.

Nessa hora, alguém (com uma patente bem alta, pode apostar) vai ter que tomar decisões muito rapidamente para reestabelecer a ordem para proteger o Estado. Não será por meio de votação. Não será pelos três poderes. Não será nas urnas. Será na porrada, no toque de recolher, na privação de correspondência. Já pensou se de uma hora pra outra bloqueiam o acesso ao querido Facebook e Twitter? Pergunte aos chineses o que eles acham disso.

Não, gente. Não é isso que queremos. Tá na hora de parar e pensar no que está acontecendo. Não dá pra ir pra rua pra ser massa de manobra. Pensa no país que você quer, não no país que te parece em um primeiro momento melhor. Se você não quer passar pelo que seus pais passaram, a hora é agora.

Só saio às ruas agora quando realmente existir um motivo para protestar. Me chamem quando essa palhaçada de “meu partido é o Brasil”, leia-se, “totalitarismo”, acabar. Meu compromisso é com a democracia, não com essa perigosíssima imbecilidade.

* * *

Nota editorial: texto originalmente publicado ontem, no blog Bitcount.

Edição: Essa última parte do texto tem gerado uma certa confusão que foi gentilmente levantada por pessoas que tiveram a boa vontade de vir aqui comentar. Gostaria de deixar claro que não sou a favor de as pessoas ficarem em casa com medo e saírem apenas no dias das eleições. Esse não é o espírito do texto. Sou a favor de protestos que tenham objetivos claros, como esse que começou objetivando a redução das passagens de ônibus e teve êxito. O que não pode é que grupos menores usurpem do ímpeto popular para instaurar uma agenda que não representa os anseios do povo. Se for pra ser assim, é melhor ir às reuniões estudantis, discutir com os amigos e promover debates na internet… até que se encontre um motivo palpável para o movimento. E ei, essa é a minha opinião. Discorda? Vamos conversar pacificamente na área de comentários.

Edição 2: Uma versão anterior do texto dizia que o rapaz de Ribeirão Preto foi “atropelado pela manifestação”. Essa informação não é a mais adequada. O texto foi alterado para “atropelado durante a manifestação”. Obrigado, Julliane Silveira!

Marco Túlio Pires

Coordenador da Escola de Dados e Assessor de Inovação e Transparência na Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado São Paulo. Jornalista, é programador interessado na interseção entre ciência da computação, jornalismo, novas plataformas e governo aberto. Escreve de vez em quando em <a>Bitcount</a>."