Chivas Regal acredita que vencer do jeito certo é ter uma atitude empreendedora que pensa no coletivo e compartilha suas conquistas.

Por isso Chivas e o Papo de Homem desenvolveram uma série de artigos de empresas com uma propostas diferentes dos modelos de negócio tradicional e que acreditamos que estão fazendo a diferença no mundo de forma positiva – fique de olho no nosso canal, estamos desenvolvendo uma série de artigos para inspirar você.

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Casos de espionagem industrial existem aos montes e ficaram famosos ao longo dos anos. Já teve empresa que deixou todo mundo de cabelo em pé ao vasculhar o lixo da concorrente, escutas ilegais entre marcas de refrigerante e até canais de TV brigando por conta de fornecedores de figurinos e cenários.

Pois se você é engenheiro, arquiteto, designer de produto ou alguém quiser saber mais sobre os materiais, recursos e técnicas empregadas por uma das principais empresas de projetos com impactos socioambientais positivos do Brasil, pode cancelar o contrato do detetive. Basta digitar o seguinte endereço no navegador: www.materiabrasil.com.br.

Criada em 2005 como um escritório de design de produtos, a Matéria é uma empresa que não acredita no protecionismo excludente das patentes. Embora pesquise, desenvolva e já tenha registrado produtos como compensado de pupunha ou tintas de soja, a empresa acredita em operar de forma aberta e transparente. “Quando a Matéria começou com o nome Fibra Design, em 2005, era uma empresa pré-incubada, dentro de uma universidade. Por estar dentro de um ambiente acadêmico, a troca e a interação com professores, mestre de oficina e alunos já era uma coisa normal no sentido de trabalhar coletivo”, diz Bruno Temer, sócio que é designer de produtos, engenheiro ambiental e tem mestrado na área de engenharia de materiais.

“A questão do ser aberto e compartilhado foi um aprendizado que veio com o tempo. No início a gente operava patenteando, mas quando alguém pedia patente ou como fazia, a gente mandava tudo para a pessoa fazer também. A ideia nunca foi restringir, mas de alguma forma garantir o acesso — inclusive o nosso. Porque se você não registra e alguém vai lá e registra, você pode perder o direito de fazer uma parada que tu criou. Uma coisa muito louca”, diz Bruno. Depois de uma experiência negativa nesse sentido, a Matéria passou a utilizar licenças creative commons (que mantém os direitos de autoria ao mesmo tempo que permite que outras pessoas copiem, distribuam ou façam uso da sua criação).

“As pessoas tem essa coisa de proteger conhecimento. O cara tem mais tesão de ter uma patente na gaveta do que de ter 500 pessoas copiando. Eu tenho muito mais tesão em ver a galera copiando. Se estão copiando, melhorando, é porque a parada é maneira. Se a galera tá melhorando, quero saber o que eles fizeram para aprender também. É outra perspectiva”, explica.

Em 2011, essa proposta de compartilhar conhecimento foi além dos projetos criados pelos escritório e tomou forma própria com a criação da Materioteca, maior biblioteca de materiais responsáveis (de baixo impacto ambiental) disponíveis no Brasil. De forma gratuita, os integrantes da Matéria organizam — sob a ótica de indicadores como quanta água usa, o ciclo é completo, quanto de energia consome, como é feita a gestão de resíduos — informações sobre materiais, produtos e serviços sustentáveis disponíveis no Brasil. É possível interagir com a materioteca física no escritório e, online, encontrar resumos, dados sobre disponibilidade e contatos dos fabricantes de itens que vão desde sistemas fotovoltaicos e telhas ecológicas a camisetas e instrumentos musicais produzidos com madeira de demolição.

“Geralmente eu escuto: como é que você faz dinheiro com a plataforma?”. “‘Vocês pegam a comissão direto com o vendedor’? Não, cara. Clica aí na direita, é de graça e é só logar. Não tem taxa. Vai lá, compra com ele. Não tem comissionamento. Os materiais estão aí para serem usados. Se você tiver um feedback, é bem maneiro. Se quiser subir uma imagem do produto que você fez com o material…”.

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“A plataforma da Materioteca é deficitária financeiramente, mas a gente tem um ganho ambiental, social, de imagem, de tudo, né, cara. Pra gente é muito bom”, diz Bruno. Já existem duas equipes independentes que demonstraram interesse em criar materiotecas na França e na Austrália. “A gente acha muito maneiro. Se o cara da França implementar um código melhor de pesquisa, a gente vai trazer pra Matéria Brasil. Se o Matéria Austrália botar um esquema gráfico, atualizamos o nosso código. A possibilidade de melhoria da plataforma é muito maior dessa forma distribuída, com outras pessoas se engajando e a gente ir melhorando junto do que se pegarmos um projeto e ficar desenvolvendo a parada aqui, sozinhos.”

E para não deixar a pergunta citada por Bruno (“como é que você faz dinheiro?”) sem resposta, vale lembrar uma das frases mais comumente atribuídas ao físico Albert Einstein: “aprendizado é experiência. Todo o resto é só informação”. O modelo de negócios da Matéria gira em torno do conhecimento, e não dos dados soltos. “A informação é livre, é gratuita. Depois de Google, Wikipedia, não dá para pensar diferente. Agora, o conhecimento adquirido que temos a partir de quase 10 anos de experiências trabalhando com esses tipos de materiais é o que vendemos através dos serviços. O cara olha e fala: "olha! couro de peixe", "latex da Amazônia". “Pô, eu quero um tênis com couro de peixe e latex da Amazônia”. O cara que faz o couro de peixe não sabe fazer tênis, o cara que faz o latex também não. A empresa precisa de alguém que faça a ponte, o meio do caminho do desenvolvimento. Saber qual cola podem usar pra colar aquele latex. Aí está a diferença”.

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GOMA: quando pensar em rede dá liga

Ao longo do tempo, a Matéria já chegou a ter 13 ou 14 funcionários no Rio mais uma sede em São Paulo. A coisa mudou de figura quando se envolveram com a criação da GOMA — uma associação de empreendedorismo em rede com foco em inovação e impacto social, economia criativa e design sustentável.

“A GOMA nasceu dentro da matéria. Com a plataforma da Materioteca sendo open source e tendo cada vez mais creative commons e coisa aberta, ter um escritório próprio, com uma oficina própria, que fabrica produtos próprios, começou a ser uma coisa incoerente. Ainda mais quando ele ficava ociosa”, diz Bruno. “O que era o nosso escritório virou uma associação de 90 pessoas. Eu não preciso mais ter uma equipe de 14. Eu tenho uma equipe de seis, cara. Se eu quero um trabalho de arquitetura atravesso a sala e vou falar com o Estúdio Guanabara, que é uma outra empresa. A gente opera de forma bem flexível”.

Oficializada como uma associação em 2013, a GOMA consumiu muito da Matéria até que os sócios encontrassem um equilíbrio. “A gente teve problemas sérios de não conseguir pegar projetos ou se embananar com tempo. De repente, toda a Matéria tava trabalhando na GOMA”, diz Bruno. A saída foi abrir ainda mais a operação e confiar na comunidade construída.

“O modelo de incubadora e coworking não são muito distribuídos. Acaba centralizando nas mãos de alguns e, nesse, caso da Matéria. A gente era o dono do prédio, pagava as contas, ditava as regras. A gente tinha o CNPJ. A GOMA foi uma forma de distribuir mais ainda o que estava acontecendo. A gente começou a convidar empresas maiores, mais maduras, pra compartilhar também modelo de gestão, experiência, projetos. Começamos a ver que era um modelo muito interessante: em vez de ser dono de coworking, ser um espaço de fato compartilhado, onde todos são donos”. A Goma cresceu, tem maturidade, e Bruno e outros fundadores se sentiram mais seguros em dar um passo atrás e ver outros associados assumirem cargos de responsabilidade. “Aí, nesse sentido, 30 ou 35% dos clientes da Matéria hoje vêm da GOMA ou de parceiros dela. É uma coisa muito boa pra gente”.

“Esse processo foi bom porque trouxe pra gente uma percepção muito boa do que a Matéria tem de diferente. O Pedro (Temotheo, um dos sócios) é muito criativo, representa graficamente qualquer ideia que você dê. Mas às vezes ele viaja e eu trago pro chão na materialidade do como fazer, do processo. A gente tem essa complementaridade. Foi muito bom se afastar para poder se encontrar nessa bagunça que hoje é a GOMA”

A missão é democratizar: o pensar da economia criativa, os materiais, a reclicagem, a energia elétrica…

Com projetos tão distintos como a construção de uma Materioteca para a Embraer (mapeamento de matérias-primas nacionais passíveis de serem utilizadas em interior de aeronaves executivas); a construção de uma unidade recicladora móvel em parceria com a WWF (assista ao vídeo abaixo) ou a produção de brindes para a Copa do Mundo da FIFA, é até difícil definir o que a Matéria faz na prática.

Link do Youtube

“A Matéria começou como Fibra Design Sustentável, em algum momento virou só Fibra porque o design sustentável já não era mais a nossa pegada. Aí de Fibra a gente entendeu que não trabalhava só com fibra, a gente trabalhava com materialização. A Matéria Brasil hoje trabalha com materialização de ideias. É muito completo, é muito abrangente. Você vai falar design? É, design é uma ferramenta. Análise de ciclo de vida é uma outra ferramenta. Quando penso em engenharia de materiais, pra gente é outra puta ferramenta interessante. O Design Thinking pra gente é uma linha guia muito forte. Todo projeto passa pelo fluxos de entender o problema de fato, ressignificar completamente o problema em oportunidade, abrir possibilidades e desenvolver uma solução. E essa solução pode ser um tênis, um material educativo, um evento ou um encontro com pessoas inspiradoras”.

"A Matéria Brasil hoje trabalha com materialização de ideias."

Um desses encontros citados por Bruno é o ColaborAmerica. Em novembro desse ano, o evento gratuito articulado a partir da Matéria reuniu mais de dois mil empreendedores, líderes de negócios, policymakers e cidadãos para repensar e propor mudanças que visam construir outra economia na América Latina. “A Manu, que é uma designer humano centrada, foi quem puxou. Ela convidou 180 palestrantes de 15 países diferentes e botou a galera toda pra conversar em roda, sabe? Estabelecer conexões. Conexões de pessoas muito diferentes que pensam sobre universos diferentes dessa nova economia, que não é uma nova economia. São milhares de possibilidades econômicas diferentes”.

Embora as linhas de atuação de cada um dos sócios pareça bem diferente — um novo ColaborAmerica, a terceira geração das máquinas de reciclagem e até a iluminação de aldeias indígenas com energia fotovoltaica — estão na pauta para 2017, dá para dizer que elas têm em comum o que realmente importa: propósito. “O que dá muito tesão na Matéria é um projeto muito bem feito, do início ao fim”, finaliza Bruno.

Ismael dos Anjos

Ismael dos Anjos é mineiro, jornalista e fotógrafo. Acredita que uma boa história, não importa o formato escolhido, tem o poder de fomentar diálogos, humanizar, provocar empatia, educar, inspirar e fazer das pessoas protagonistas de suas próprias narrativas. Siga-o no <a>Instagram</a>."