É interessante como pessoas iguais podem se comportar de maneiras diametralmente opostas em relação a um mesmo fato, dependendo apenas da interferência ou não desse fato nas suas vidinhas pacatas.
Recebi há alguns dias um e-mail falando de um abaixo-assinado contra a aprovação do Ato de Proteção à Propriedade Intelectual (PIPA) e do Ato de Combate à Pirataria Online (SOPA). Até alguns dias atrás tinha ouvido comentários a esse respeito. Somente busquei maiores detalhes sobre os projetos que estão em votação no Congresso dos Estados Unidos após o “apagão” de alguns sites, em protesto. Naquele dia todos comentavam o assunto. Saiu artigo de capa até mesmo aqui no PdH.
Ao acessar o tal abaixo-assinado, fui direcionado a uma página que mostra os últimos usuários que a assinaram. Observando esta relação por alguns segundos me impressionei com a quantidade de usuários brasileiros que eram exibidos. Parecia muito maior do que de americanos – que, em tese, seriam mais afetados do que nós por aquelas leis. Em uma conta rápida, cerca de 20% das assinaturas eram de brasileiros.
Quando Eduardo Azeredo apresentou seu infame projeto de lei, que diz respeito diretamente a todos nós, internautas brasileiros, a repercussão foi menor. Muito menor. Você sabe o que havia na versão inicial do projeto do deputado? Sabe que, com alterações, ele já foi aprovado pelo Senado Federal? Sabe que, se as sugestões do Ministério da Justiça e das diversas Polícias forem incorporadas ao projeto pela Câmara dos Deputados, toda a internet brasileira será grampeada? Sim, companheiro, tudo que você fizer na internet ficará registrado, e a polícia terá acesso aos dados sem necessidade de autorização judicial. Bastará uma suspeita de que você tenha praticado cibercrimes.
O que motivou tantos brasileiros, muitos dos quais sequer sabem da existência do “nosso” projeto de lei, a se manifestarem contra os dois projetos americanos? Passei a observar os comentários. A revolta se devia, em todos os casos que observei pessoalmente e em vários fóruns, à possibilidade de sites onde se baixa conteúdo de graça serem “excluídos” da internet. A reclamação começa e termina em “Não poderei mais baixar meus filmes/séries/jogos/músicas!”
Fala-se em censura, em autoritarismo, em corporativismo. Mas não há nenhum comentário sobre as medidas contidas nos projetos que caracterizam a censura, o autoritarismo e o corporativismo. O Congresso dos Estados Unidos é malvado porque quer me impedir de baixar o que eu quiser sem ter que pagar por isso.
Não quero abordar o prejuízo que a pirataria traz para quem compra um produto legal. Nem discutir se a disponibilização de conteúdo em sites de download gratuitos é ou não pirataria, ou se o projeto de Azeredo, que não trata do download ilegal de conteúdo, não foi divulgado porque a malvada mídia manipuladora tem interesse em sua aprovação. O que me deixou intrigado foi o contra-senso: o protesto é válido, mas muitos o estão apoiando para que possam continuar fazendo algo que é criticado também pelos próprios idealizadores do protesto.
As empresas e sites que apoiaram o protesto contra aquelas leis de nomes que soam tão ridículos em português não fizeram isso para que você possa continuar baixando, de graça, conteúdo pelo qual deveria pagar. O que elas repudiam são os métodos de controle e repressão, que podem retirar do ar páginas que não são utilizadas para a pirataria, entre outras coisas.
Se os dois projetos impedissem somente o acesso dos americanos aos sites de download, será que haveria tanto apoio dos brasileiros, ou de usuários do mundo todo? Estaríamos tão preocupados com a censura ou com o “fim da liberdade na internet”? Ou o nosso posicionamento seria “eu vou continuar fazendo meus downloads mesmo, então foda-se”, como ocorreu com o projeto de Azeredo?
Responda, com sinceridade: por que você, que espalha aos quatro ventos que o Congresso americano quer criar uma ditadura digital, foi contra o SOPA e o PIPA? Porque realmente entende todas as implicações de sua aprovação e não concorda com elas? Ou porque, se os projetos forem aprovados, você passará a ter que pagar pelo conteúdo digital que consome?
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