Prostituição deve ou não ser considerada uma atividade fora da lei? Regulamentá-la seria melhor de algum modo?
Leia a minha visão no debate iniciado pelo Victor Lee no artigo “Belas, mas não prostitutas: entrevista com Anna Hutsol sobre turismo sexual na Ucrânia”, que teve mais de 170 comentários – longos e riquíssimos.
O problema da ilegalidade: os “consumidores”!
Pelo menos no Brasil, a exploração comercial da prostituição é ilegal.
Mas, se você quiser o serviço de uma prostituta, não é preciso nenhum esforço para conseguir. Toda cidade, por menor que seja, tem uma chácara ou casa cheia de moças alegres (algumas nem tanto) e dispostas a prestar serviços por dinheiro. Quando não tem, a cidade vizinha tem.
Tal acesso não é exclusivo do Brasil. A prostituição (e sua exploração) é universal, independente de ser legal ou não onde ocorre. E criminalizá-la ou impedir a criação de organizações e regulamentações em torno deste serviço pode ser a pior das soluções para o problema – “problema” para as autoridades; se não fosse, não seria considerado crime.
Criminalizar a atividade não acaba com o problema. O maior empecilho para eliminar a prostituição, uma vez que ela já é ilegal em alguns países, é o mesmo do tráfico. Os consumidores.
Enquanto há pessoas dispostas a consumir um serviço, perseguir quem o presta apenas aumenta o preço do produto e o apelo em vendê-lo. Quando uma prostituta é presa e outras deixam a profissão, a oferta diminui mas a demanda não, de forma que o preço aumenta e os incentivos para transgredir a lei aumentam. Os únicos locais onde o esforço do governo teve um impacto significativo na prostituição foram o regime autoritário chinês na década de 1960 e o governo Talibã no Afeganistão, e você já pode imaginar o tipo de ambiente onde isto ocorreu.
Este é o argumento que os autores do SuperFreakonomics, a continuação do famoso Freakonomics, usam para dizer que a prostituição vai continuar acontecendo, por mais que a condenemos.
A saída que que poderia ser tomada, punir os clientes e com isso diminuir a demanda, é quase impraticável. Segundo eles, o que tem acontecido principalmente em países desenvolvidos é uma diminuição da demanda porque sexo não é mais algo tão inacessível, à medida em que a liberação sexual e a liberdade feminina aumentam.
Ainda há o problema de se definir o que é a prostituição. Afinal, as fronteiras entre prostituição e troca de favores podem ser muito tênues. Ganhar presentes em troca de sexo, ou mesmo comida no caso de locais mais pobres, é prostituição? E qual o número de clientes que qualifica o sexo como um serviço? Um cliente que sustenta a mulher é a mesma coisa que vários clientes com favores? Exibir o corpo também é considerado prostituição? Ou apenas o contato sexual?
Enquanto isso, na maioria dos países, profissionais do sexo continuam sendo procuradas tanto quanto antes.
As consequências da ilegalidade
Enquanto a prostituição é crime, a(o) profissional do sexo está cometendo um crime. Como tal não possui amparo do Estado, eles estão desamparados, o que dá margem para que muita coisa errada possa acontecer. Para escapar da polícia, muitas vezes a prostituição precisa ocorrer em locais remotos, que deixam a mulher (ou o homem) à mercê do cliente, sujeita à violência e exploração.
Profissionais do sexo que precisam trabalhar em lugares ermos muitas vezes precisam da proteção de um cafetão, e podem estar sujeitas a condições de trabalho degradantes e até regime de escravidão. Aliás, não são apenas locais ermos, casas noturnas aqui em São Paulo chegam a “abrigar” mulheres que vêm de outros estados e trabalham para pagar a estadia e o consumo. Quando não são parte de um esquema de tráfico internacional de mulheres ou exploram a prostituição infantil.
Mais do que sexo, um problema de saúde
A falta de amparo que as condições de trabalho ilegal impõe também são uma questão de saúde. Quanto maior a diferença de status entre a prostituta e o cliente, ou quanto menor o suporte que recebe da comunidade, maiores são os riscos de saúde que ela corre. Sem preservativo, ela está sujeita a contrair e transmitir o HIV e outras DSTs.
A mulher desamparada possui muito menos poder de argumento e instrução para obrigar o cliente a usar camisinha. Enquanto o reconhecimento do Estado permitiria um sindicato e normas de trabalho, além de uma abordagem mais fácil para agentes de saúde convencerem as profissionais a utilizar o preservativo. Nos bordéis, por exemplo, as profissionais trabalham com riscos de saúde menores do que profissionais de rua.
A regulamentação da prostituição, ou melhor, o reconhecimento dela como atividade exercida e a legitimação da mesma, permite que responsabilidades possam ser cobradas. Bordéis podem contratar profissionais e assinarem carteira, permitindo pensão e assistência médica, ambas condições que favorecem a saúde das profissionais. Além disso, a legalização da atividade e sua exposição diminuem as chances e o apelo da prostituição infantil.
Por isso defendo a legalização e a regulamentação da prostituição: bom para as profissionais, bom para a comunidade. Preservativos e melhores condições de saúde protegem não só os clientes do HIV, protegem as mulheres, namoradas, ficantes e os namorados, ficantes e companheiros dela, qualquer pessoa sexualmente ativa.
Fontes:
- Dubner, Stephen J., Steven D. Levitt. SuperFreakonomics: o lado oculto do dia a dia.
- Harcourt, C, and B Donovan. “The many faces of sex work.” Sexually Transmitted Infections 81, no. 3 (June 2005): 201-206.
Link Vimeo | Documentário IMPERDÍVEL com relatos de prostitutas que trabalham na Praça da Sé – SP
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