É curioso como alguns acontecimentos deixam essa tal opinião pública horrorizada. Dias atrás o jogador de futebol, Giorgos Katidis, do AEK Atenas, foi proibido de defender a seleção da Grécia por toda a vida depois de fazer uma saudação nazista quando comemorou um gol da sua equipe durante um jogo do campeonato grego.
A federação de futebol da Grécia disse neste domingo em um comunicado que o gesto do jogador “é um insulto profundo para todas as vítimas de brutalidade nazista”.
O gesto de Katidis foi o emblemático braço e mão estendidos e fatalmente fere a memória de todas as vítimas. Quanto a isso não há discussão e acho igualmente repugnante quando hora e outra a cara deste velho fascismo, à moda de Hitler e Mussolini mostra as caras de forma tão “pública”, tão abusiva, descarada.
“Que homem nojento e desprezível” as pessoas repetiram por aí. Mais que depressa, alguém tomou a atitude e respondeu a isso: o atleta foi banido da seleção grega. Em 1968, nas olimpíadas mexicanas, Tommie Smith e John Carlos, foram banidos dos jogos depois de terem feito a saudação black power durante cerimônia de premiação. A imagem é também emblemática.
Mas isto me surge somente como outro momento histórico em que a manifestação do corpo expressa e emite uma turbulenta descarga política geral. Evidentemente que não estabeleço uma relação entre os dois fatos, tampouco coloco o movimento dos Panteras Negras ao lado dos facínoras fascistas. Como dizia Paulo Leminski, “todo ser em movimento é perigoso, todo ser que se transforma é perigoso”.
E penso que o poeta Leminski falava de diversas formas de perigo.
Há o perigo fascista que mobilizou e utilizou o desejo das massas e que culminou na catastrófica II Guerra Mundial (1939-1945), moldado e personificado em Hitler, Mussolini e sociedades determinadas a amá-los, este tipo de fascismo persiste também, embora não acredite em suas forças renovadas para afrontar o mundo em algum momento de nossa época.
Mas há, porém, outras formas de fascismo, aquela a que Michel Foucault chamou a atenção em sua introdução para a obra Anti-Édipo: o fascismo que está em nós todos, que martela nossos espíritos e nossas condutas cotidianas, o fascismo que nos faz amar o poder, desejar esta coisa que nos domina e nos explora.
Quando vejo um caso como o do jogador grego penso que alguém está sendo punido porque derrubou a máscara de homens, em minha opinião, sem caráter algum. Atentou contra os valores silenciosos de mentalidades ancestrais, grupos e suas tradições através dos séculos.
O que quero dizer é que não basta revoltar-se com um gesto, é preciso entender quem somos e o que está acontecendo. No período pós-guerra, algo entre 1945 e o começo doa anos 70, é possível observar que existia, em alguns setores da sociedade européia, formas corretas de pensar para aqueles que escreviam e aceitavam a ocupação de enunciar uma parte da verdade sobre si mesmo e sobre sua época.
Quase um manual básico do bom intelectual, que flertava com Karl Marx e mantinha os sonhos não muito distantes de Sigmund Freud. Entre a primeira guerra e o fascismo, os anos utópicos do surrealismo. Que se passava? Política revolucionária e anti-repressiva?
E o caso do pastor que agora preside uma Comissão de Direitos Humanos e foi amplamente execrado por diversos setores da sociedade? São acusações gravíssimas, com verdades jogadas feito homens que pulam de pára-quedas de um avião em movimento. É ainda surpreendente que tomemos alguns eventos em nosso país como surpreendentes.
É repugnante que exista tal comissão e que um sujeito com tamanha mediocridade e pobreza intelectual nos represente. Vida não fascista pastorzinho. Não ame o poder! Não ame! Claro que não vou chamá-lo de fascista ao estilo Mussolini, mas sim daquela espécie de fascista presente no cotidiano, de fazer amar o poder, esta coisa que já disse, domina e explora. Devemos buscar um fim para todo tipo de paranoia unitária e totalizante.
As pessoas que puniram o atleta, que pode até ser (claro que sabia o que fazia) que somente de maneira grosseira compreenda o universo em que se meteu, essas sim, nesses andares a cima é que moldam problemas. Nas relações engenhosas e nas formas inventivas de abraçarem o poder.
Sim, porque não se trata aqui, somente, quando digo dos que o puniram, de uma breve comissão disso ou aquilo. Falo principalmente da necessidade de amparar uma sociedade que evita o espelho. Que pretende esconder-se de si mesma e assim o faz.
O que me parece é que nossos problemas são muito mais graves do que um simples gesto. Como fazer para não se tornar fascista mesmo quando (sobretudo quando) se acredita ser um militante revolucionário? Como liberar nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres do fascismo? Como expulsar o fascismo que está incrustado em nosso comportamento?
Foucault fala daquilo que não devemos fazer para uma vida não fascista:
— Libere-se das velhas categorias do negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna), que o pensamento ocidental, por um longo tempo, sacralizou como forma do poder e modo de acesso à realidade. Prefira o que é positivo e múltiplo; a diferença à uniformidade; o fluxo às unidades; os agenciamentos móveis aos sistemas. Considere que o que é produtivo, não é sedentário, mas nômade.
— Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política, para desacreditar um pensamento, como se ele fosse apenas pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política.
— Não caia de amores pelo poder.
Portanto, é preciso que não tomemos de maneira tão rasa aquilo que se configura como um comportamento fascista. O iceberg é sempre mais profundo abaixo das águas, não lidemos somente com a sua superfície. Penso que há pensamento até em hábitos mudos, em instituições tolas. Para que seja possível acabar com o fascismo é preciso que ele seja encarado como uma amálgama de comportamentos, estar atento ao nosso desenrolar durante os dias, ou nos tornamos tudo aquilo contra o que lutamos.
É complicado, mas deste ponto de vista, esta atitude fascista (volto a repetir, não estou acusando aqui ninguém de cultuar uma foto do füher em sua cabeceira) invade instituições livres, comissões democráticas, palácios, cafés, universidades, teatros, bares, colégios, saguões de aeroportos, caminhões, estradas, florestas, parques aquáticos, livros de história, violinos, fotografias, poemas, metrôs, arquibancadas, motocicletas […].
Para viver, ainda, como Leminski o desejou, é necessário então esculhambar-se, virar-se, dar alterações, romper, ser um tanto inconveniente, rejeitar projetos de felicidade anteriormente impostos.
Abaixo ao estilo fascista de ser.
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