Sabe aquelas seitas que acreditam em extraterrestres e anunciam para seus seguidores que no próximo ano, no dia 28 de outubro, precisamente às 4:05, a raça superior vai chegar e salvar a humanidade? Claro, os extraterrestres nunca chegam. Mas isso não impede a seita de seguir acreditando. Apenas aumenta a crença.
Se essas seitas te soam desagradavelmente familares, me permita te fazer uma pergunta.
O capitalismo falhou? Ou, se preferir, ele está falhando? Deixe-me ser claro. Eu não quero dizer: o capitalismo é imprestável, inútil, péssimo. Eu quero dizer: o capitalismo está falhando em ser o melhor modo de organizar o trabalho, a vida e o lazer humanos?
Imagine um país chamado Capitalismoestão. Imagine que o emblema desse país fosse uma grande mão invisível. Em toda praça de toda a cidade, sua bandeira fosse estendida orgulhosamente. Preços fossem seus ídolos, mercados fossem seus templos, produtos suas orações, e todos soubessem a que a grande mão serve: aos imortais ideais de competição, autosuficiência, riquezas.
Onde o valor de um homem fosse medido por seus bens, a medida de tempo das pessoas fosse equivalente a quanto elas ganham, e, ao mesmo tempo, milhões de indivíduos trabalhassem diligentemente hora após hora nas chamadas “inovações”. Bons feitos divinamente ordenados por seus titãs, os mercados.
Mesmo assim, algo estava errado em Capitalismoestão. Toda sociedade estava afundando. As classes médias, colapsando. Já havia se passado uma década perdida, e outra estava por vir. Seus jovens tinham se tornado uma geração perdida, procurando desesperadamente por oportunidades. A renda média, estagnada por décadas.
A economia sofrido uma grande recessão, e então se “recuperado”, mas durante a “recuperação”, o 1% mais rico tivesse obtido 95% dos ganhos. Milhões tivessem encarado o desemprego crônico e a pobreza. A mobilidade social ruim e piorando. A expectativa de vida, caindo.
Em resumo, a vida no Capitalismoestão estava ficando menor, degradante, infeliz e dura. Enquanto isso, outras nações ricas – aquelas que não veneravam a mão invisível tão completa, total, obediente e inabalavelmente – prosperavam.
A história do Capitalismoestão soa como a dos Estados Unidos para você?
Agora, me permita refutar essa ideia.
Talvez o que é praticado nos Estados Unidos não tenha nada de capitalismo. Parece ser uma mistura tóxica de capitalismo para os pobres, esmagados em contextos Darwinianos brutais; e socialismo para os ricos, para quem parece não haver limites de empréstimos, subsídios e privilégios. É um coquetel letal de favoritismo para os poderosos e luta infindável para os fracos. Uma quimera.
Então o que é esse sistema instável se não é bem capitalismo?
Eu o chamaria de “Crescementismo”. Não é só um sistema ou um conjunto de regras. É um modo de pensar, uma ideologia, um agrupamento de estimadas crenças. E que se solidificou em um dogma. Um dogma que está obviamente falhando, mas não pode ser destruído, porque virou uma questão de fé, a crença central de um culto, cujos padres e ministrantes ameaçam misteriosa, terrível e divina vingança sempre que sua autoridade é questionada.
O Crescementismo diz: crescimento a qualquer custo. Quando há crescimento, há sucesso; quando não, há falha.
O Crescementismo está disposto a sacrificar tudo por mais crescimento. Até mesmo os direitos ditos inalienáveis que guiaram a sociedade. Você está preocupado com o aumento da espionagem extrajudicial em massa, ataques de drones, seguranças privadas, contratantes militares ou mesmo apenas com as ferramentas que fornecem para o governo e empresas privadas informações detalhadas sobre o que você diz, faz e busca? Pena! Essas são nossas indústrias do crescimento, e ai do que ou de quem estiver no caminho delas.
Quem se importa com liberdade de expressão, direito de reunião, ou direito de privacidade quando tudo o que precisamos são bons empregos geradores de crescimento? Empregos como se tornar mordomo ou empregada (ou coach, consultor e “prestador de serviço”) para os super ricos, que podem comprar o “direito” de não serem revistados, impedidos ou vigiados. Os céus impeçam as pessoas de protestarem. Ora, isso pode prejudicar o crescimento!
O Crescimentismo, então, é antiético com a democracia. Direitos humanos e políticos básicos, da perspectiva de um crescimentista, são incômodas fontes de ineficiencia que devem ser eliminadas, apagadas. Elas criam fricção social e tensão que fazem das pessoas trabalhadores menos produtivos e os encorajam a questionar, agitar, desafiar, rebelar e pensar. Droga! Nós não queremos cidadãos, queremos força de trabalho.
O Crescimentismo acredita que o crescimento é o grande ponto, o alfa e o omega, o único propósito de todo o esforço humano – e, portanto, todo o esforço humano deve ser direcionado para o crescimento.
Esse é o grande erro do Crescimentismo. Porque o crescimento não é um fim em si mesmo. É um meio. Um meio para, na melhor das hipóteses, expandir o eudemonismo, a capacidade de viver significativamente bem e feliz. E um meio, ao menos, para aumentar a liberdade humana.
E porque é um meio, não um fim, crescimento é necessário, mas não suficiente. Para que? Prosperidade. E em lugar algum isso é mais evidente que nos Estados Unidos, onde a economia está “crescendo” mas a maioria das pessoas abaixo de 40 anos está bem pior que suas gerações anteriores.
Mas esperem! O João da Silva agora tem riquezas com as quais nunca teria sonhado. TVs 3D gigantes com subwoofers do tamanho de pequenos países. Um venti-soy-latte-ccino maior do que um barril de cerveja… por $3.99! Logo, terá um carro voador, um robô-mordomo,uma casa auto-limpante, óculos falantes que te dizem a temperatura. É impressionante!
Todos esses brinquedos são bons. Mas não são substitutos para sociedades funcionais ou real prosperidade humana; ou para o fato de que é necessária uma sociedade funcional para gerar real prosperidade humana.
Uma boa educação, transporte, energia, saúde, comunidade, comida, todos esses e outros são as fundações de real prosperidade. Real prosperidade não é ter um supergadget em todos os bolsos enquanto formação educacional, renda, riqueza, comunidade, oportunidades e expectativa de vida estão caindo e insegurança, solidão, pobreza, desigualdade estão em disparada.
Supergadgets que reduzam eu e você a algo como miseráveis zumbis obesos que nunca tenham lido um livro, não possuem direitos e não se lembram por que eles importam… bom, se esse é o lado positivo do capitalismo, talvez essa seja uma barganha que só um tolo aceitaria.
Se lembram das seitas que acreditam em extraterrestres? Eles nunca chegam. Os líderes dizem:
“Seguidores! Os extraterrestres se atrasaram em Júpiter. O próprio fato deles não estarem aqui é como sabemos que eles estão a caminho. Eles estarão aqui ano que vem, mesmo dia, mesma hora! Apenas aguardem!”
Soa familiar? É a história que o crescementismo segue contando a todos nós, sobre nossas vidas. Que um dia, se acreditarmos no poder mágico do crescimento, seremos salvos. Está logo após a esquina. A economia está pegando embalo. O PIB está crescendo novamente. Apenas segurem mais um pouco. Ah, as coisas não melhoraram pra você nesse trimestre? Elas com certeza vão no próximo!
Crescementismo é um tipo de seita. Como todas as seitas, nos pede para negar a realidade, para nos sacrificar, para cortar nossos laços com todos que amamos e para nos deixar levar por pensamentos místicos. Seus altos sacerdotes nos confortam com encantamentos que têm se mostrado simplesmente errados por décadas. Seus ministrantes recitam as preces que falharam, por anos, em nos trazer chuva. E ainda assim dizem: mantenham a fé. Um dia a salvação será sua.
O maior crime do Crescimentismo – e sim, é um crime, já que está nos custando, nesse momento, vidas que deveríamos estar vivendo, ao invés do dias em que ficamos limitados – é impedir a sociedade de desenvolver um conceito sofisticado de prosperidade. E consequentemente, de como alcançá-la. Ele está falhando por estar nos impedindo de ir além da antiga, enferrujada ideia de que posperidade se resume a coisas e adornos, bugigangas brilhantes e futilidades – e que, ao contrário, poderia ser saúde, amizade, propósito, sabedoria, resiliência, felicidade, um senso marcante de que nossos dias fizeram sentido.
Minha resposta, então, é essa. O Capitalismo virou Crescementismo. E o Crescementismo é para essa época o que a alquimia foi para uma passada. Uma fútil, mística e risível busca para transformar chumbo em ouro. Mas chumbo é apenas chumbo. E a verdadeira riqueza da vida é ter vivido com sentido.
O problema com alquimia é funcionar apenas ao nos dizer o que desesperadamente queremos ouvir: “Psiu, aqui está o segredo! A fórmula secreta! A receita escondida! – que nos deixa incapazes de pensar, sentir, sonhar, questionar, desafiar, rebelar”.
A ciência seguiu emperrada por séculos enquanto os alquimistas procuravam em vão pela Pedra Filosofal, a qual eles sabiam, apenas sabiam, que tinha de ser possível. E nós também estamos emperrados, atraídos pelo brilho sedutor do Crescementismo.
Mas nunca houve um atalho para transformar chumbo em ouro. E não há atalho para construir sociedades que funcionem, nas quais todas as pessoas tenham a chance de viver uma vida que importe. E, para cada um de nós, não há atalho para viver uma vida com propósito.
Então, talvez, seja hora para deixarmos esse culto. Os extraterrestres provavelmente não vão chegar. A quinquilharia barata de plátisco que nos rodeia provavelmente não vale o que pagamos – não só em dinheiro (ou melhor, em crédito) para tê-las, mas em liberdade, tempo e lágrimas.
Talvez seja hora de cada um de nós respirar fundo, dizer ao Crescementismo para se ferrar e trilhar nosso próprio e novo caminho.
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Nota do editor: texto publicado originalmente na Harvard Business Review, traduzido com aval do autor. Agradecemos a Eduardo Pinheiro pela dica e a Anna Haddad pela ajuda na tradução.
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