Esclarecimento ao leitor
Antes de tudo, é preciso esclarecer que o artigo em questão pretende somente dialogar com os fatores que permitiram a fundação do Estado Israelense no território da Palestina, provocando assim um dos mais longos e dramáticos conflitos internacionais de nossa história recente. Portanto, não tenho aqui o objetivo de posicionar-me em relação a um ou outro pensamento político, o que levaria a ideia de propor uma discussão sobre o tema a uma linha de raciocínio agressiva e, consequentemente, a comentários e posições igualmente agressivos.
De fato, não é a intenção causar isso entre nossos leitores. Acho mais interessante esclarecer alguns pontos sobre a questão da fundação do Estado de Israel e do território da Palestina para que possamos conversar abertamente sobre esse assunto que, naturalmente, e pela carga histórica que carrega, já é bastante delicado e problemático.
Os judeus na Europa e o sionismo
Existem muitos argumentos que tentam compreender as raízes do movimento nacionalista judaico na Europa:
1. Assimilação da comunidade judaica aos povos locais;
2. O movimento nacionalista seria o único meio de preservar a fé judaica;
3. Perseguição antissemita aos judeus europeus (antissemitismo: preconceito ou hostilidade contra judeus baseado em ódio contra seu histórico étnico, cultural ou religioso) presente sobretudo na Europa Oriental, em países como Rússia ou Polônia.
Leão Pinsker e Theodor Herzl foram os principais líderes ou incentivadores do movimento sionista (movimento político e filosófico que defendeu o direito à autodeterminação do povo judeu e à existência de um Estado judaico independente) a partir do final do século XIX. Em 1896, Herzl publicou o livro intitulado Judenstaat (O Estado Judeu), em que defendia a criação de um território autônomo e independente para a comunidade judaica.
O curioso nesse caso é que o autor sugeriu parte de duas regiões para resolver o problema: a primeira seria a Palestina, mas a outra região pensada por Herzl seria a Argentina! Isso mesmo colegas, a terra de nossos “hermanos” foi pensada como solução para resolver o problema da morada final dos judeus. Figuras conhecidas como Maradona ou Messi poderiam ter nascido então na parte que teria cabido aos judeus.
Só para se ter ideia, mais de 100 mil judeus imigraram para a Argentina entre 1840 e 1914.
Mas essa é outra história. O fato é que imaginavam poder tomar territórios de civilizações ditas “atrasadas” e assim fundar seu Estado, mas em 1897, em um congresso sionista na Basiléia, ficou definido que a Palestina seria a melhor opção para o povo judeu. Portanto, nada de tango em hebraico para os argentinos.
A participação britânica
Ao final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os sionistas tiveram a oportunidade de criar órgãos independentes para representar o movimento por meio do que os ingleses chamaram de “Mandato Britânico sobre a Palestina”, ou seja, à grande potência imperialista da época não era interessante, naquele momento problemático, mais um tipo de “ação colonizadora”, embora esse posicionamento ferisse os acordos que os britânicos tinham com os árabes naquela época.
De qualquer forma, o movimento sionista necessitava de apoio das forças imperialistas e a ideia sobre o território palestino entrava diretamente nesta concepção. Sobre isto afirmou Theodor Herzl em seu livro:
“Se sua majestade, o Sultão, nos desse a Palestina, poderíamos comprometermo-nos a estabilizar completamente as finanças da Turquia.
Para a Europa, constituiríamos ali um pilar contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie. Manteríamos como Estado neutro, relações constantes com toda a Europa, que deveria garantir a nossa existência”.
Árabes na Palestina
O movimento nacionalista árabe teve também início em meados do século XIX. Nessa época, o território palestino era dominado pelo Império Otomano a comando do sultão Abd al-Hamid II (1875-1908) que, por sua vez, era contrário ao movimento sionista por entenderem nele uma tentativa de domínio europeu da região.
Os primeiros judeus começaram a chegar ao final do século XIX. De início, as relações com os árabes não apresentavam grandes atritos. O primeiro conflito violento entre os dois povos ocorreu em 1886, quando nativos atacaram o assentamento de Petach Tikva, o mais antigo entre os assentamentos judaicos da região. Assim, a partir de 1893, teve início, de fato, a primeira campanha árabe contra a colonização judaica.
Segundo estatísticas da ONU, em 1922, havia na Palestina 750.000 habitantes, dos quais 90% eram árabes.
O conflito entre os povos
Até aqui foi possível observar que o conflito no Oriente Médio, entre judeus e palestinos, está ligado a expansão do projeto sionista no início do século XX. Porém, as proporções catastróficas que este assumiu até o princípio do século XXI (hoje) estão também atreladas a algumas questões que envolvem a política externa da Grã-Bretanha:
1. O acordo que garantia apoio militar árabe aos britânicos durante a Primeira Guerra e, como retribuição, garantia ao povo árabe independência na forma de um Estado;
2. As desavenças na distribuição territorial entre os países vencedores da guerra e a posse da Palestina;
3. Revelação de acordos secretos entre os países vencedores da guerra.
A situação após a Segunda Guerra Mundial
Os britânicos sempre mantiveram estratégias políticas que lhes garantiam o controle da maior parte do Oriente Médio. Essas manobras se mantiveram bem posicionadas no período entre guerras, mas após 1945, o nacionalismo dos povos desta região tomou forte propulsão, sobretudo contra o movimento sionista e a presença e influência francesa e britânica na região.
Podemos justificar essa mudança com a formação de uma sociedade mais consciente e aberta a ideias ocidentais de liberdade e independência, sendo dessa época o surgimento dos primeiros líderes que comandavam a população revoltosa nas ruas e que se clamava contra a exploração estrangeira.
Para se ter ideia, em 1941, o Estado iraniano conseguiu resistir a uma invasão comandada por britânicos e soviéticos em seu território e assinou acordos com esses países que lhe garantiram a soberania de suas fronteiras (não é difícil observar que até os dias de hoje o Irã representa uma forte “dor de cabeça” ao mundo ocidental).
O fato é que após 1945, o poderio britânico estava enfraquecido (economia em crise, dívida externa e impossibilidade de manter o custeio das tropas no vasto Império) e foi necessário recorrer ao apoio norte-americano para que não perdessem completamente suas atividades no Oriente Médio. Foi dessa forma que, após passar à ONU a responsabilidade sobre o conflito árabe-israelense, a Grã-Bretanha retirou-se por completo da região palestina em 1948, motivo que estimulou e intensificou o conflito na região.
O lado anti-judaico do movimento sionista
Entre 1942 e 1943, muitos judeus já haviam sido mortos pela política extrema de extermínio da ação Nazista, porém, outros tantos conseguiram escapar (inclusive para regiões do Brasil).
Reside o problema em que esses refugiados encontravam-se em péssimas condições de sobrevivência e era necessária uma ação que atendesse essa população. Esse foi um bom motivo para que os sionistas pressionassem os ingleses e exigissem a entrada na Palestina. Discussões e negociações foram travadas entre Churchill, Roosevelt e a liderança sionista.
Poucos resultados efetivos. Mesmo dentro dos Estados Unidos, muitos judeus eram contra a formalização do Estado israelense na região da Palestina. Aí entrou uma grande sacada dos sionistas europeus: o grupo de refugiados foi literalmente abandonado pela ação aliada na Europa e mesmo pelos próprios sionistas na arrecadação de fundos.
Essa comunidade foi assim deixada ainda após o fim da guerra, pois bem, reside nisso a estratégia sionista, pois seria bem mais fácil convencê-los nestas condições a partir para uma nova vida na Palestina (visto que a maioria dos judeus temia e ou mesmo era contra a mudança para a região da Palestina).
Israel, ONU e o Estado
Após a resolução da Assembleia Geral da ONU, em 29 de novembro de 1947, foi recomendada a implementação do Plano de Partilha da Palestina. Em 14 maio de 1948 foi declarado o estabelecimento de um Estado judeu, que fora batizado como o Estado de Israel (inicialmente a região fora dividida em oito territórios, sendo três israelenses, três árabes, um enclave árabe em território judeu e uma última parte, Jerusalém, que estaria em controle internacional).
Mediante a situação, os povos árabes invadiram Israel de imediato, em apoio ao povo palestino. Teve início, dessa forma, a Guerra de 1948, que envolveu, além de judeus e palestinos, Iraque, Egito, Jordânia, Líbano e Síria. A organização sionista, mais preparada militarmente, preocupou-se em tomar a maior parte possível dos territórios desenhados e definidos pela ONU e, ao mesmo tempo, registrou-se já ali uma grande baixa de aldeias entre os povos árabes.
Os primeiros grupos palestinos de refugiados (milhares deles) foram formados nesse período. A partir disso, sabemos dos tristes dias que tragicamente estavam marcados a esses dois povos fadados a um conflito que perdura a mais de sessenta anos.
As devidas considerações
Pode-se afirmar que a fundação do Estado de Israel não representou uma estratégia britânica ou americana como tanto se imagina. Tampouco colocá-lo como uma criação ocidental (a não ser pela perspectiva de inspiração do sionismo no imperialismo europeu), ao contrário, a presença israelense foi um “prejuízo” a esses países (os próprios ingleses chegaram a oferecer outras regiões aos sionistas, como parte do Sinai ou Uganda).
Produzindo esse texto, vejo que acima de qualquer coisa, é necessário “humanizar o inimigo”, buscar brutalmente uma rejeição – não do outro -, mas da figura do inimigo, buscar transformar esse em homem e assim encontrar soluções que resolvam este conflito.
Lembro-me que, ainda garoto, assisti pela televisão uma matéria com crianças de Saravejo e o depoimento de uma adolescente me arrancou lágrimas, não sei ao certo, mas ainda me recordo disso com facilidade e os conflitos daquela também triste região dos Balcãs sempre me sensibilizam.
Há uma obra bastante interessante intitulada A terra das duas promessas, escrita pelo palestino Emil Habibi e por seu amigo israelense Yoram Kaniuk, que busca expor uma visão do conflito e acima de tudo humanizar tais relações a partir de um comovente relato. Fica aqui um de meus trechos preferidos:
“Por acaso não foi você, meu caro Emil, que contou a respeito do pescador árabe que vivia perto de Haifa, em Tantura, junto ao mar, e falava aos peixes? Você contou que um menino judeu se aproximou e lhe perguntou em que língua estava falando com os peixes? E o homem disse: árabe. E o menino perguntou se os peixes entendiam árabe. E o homem (você) respondeu: sim. Os peixes grandes, velhos, aqueles que estavam aqui antes do surgimento do Estado de Israel, entendem árabe! E o menino pergunta, e quanto aos peixinhos? Por acaso eles entendem hebraico? E o homem disse: tanto árabe como hebraico, o mar não tem fronteiras…”
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