O popular, autoritário, carismático e workaholic líder venezuelano Hugo Chávez, falecido esta semana, vai permanecer por muitos anos como uma peça central para quem quiser entender o que se passou no mundo depois do final da guerra fria.

Ao contrário da maioria dos caudilhos latino-americanos, Chávez era bom de voto. Muito bom de voto, por sinal. E gostava de fazer piadas.

Chávez era tão bom nas urnas que qualquer crítica soa antidemocrática, afinal, ele sempre teve o mandato popular para governar. Fez seguidos referendos que lhe conferiam mais poder, mas ainda assim, como se pode rotular alguém de autoritário quando faz 60% dos votos em seguidas eleições? E como denunciar o homem que finalmente distribuiu as riquezas do petróleo entre seu povo?

Não precisa nada disso, Chávez foi o primeiro caudilho do século XXI.

Caudilho?

caudilho
cau.di.lho
sm (cast caudillo1 Chefe de um bando ou partido que defende uma ideia. 2Cabo de guerra. 3 Chefe militar.

Michaelis

Para ser caudilho é preciso ser autoritário e Chávez era autoritário. Durante anos ele centralizou o poder em suas mãos e controlou pelo menos 2 organizações paralelas na Venezuela. Uma, de características assistencialistas, seria formada pelas Missões Bolivarianas. A segunda, de caráter militar, é uma milícia com mais de 100 mil pessoas armadas que atende pelo nome de “Missão Bolivariana” criada após a tentativa de golpe frustrada de 2002.

Vejam o que diz o Washington Post:

The militia is named after Simon Bolivar, the independence hero who is an inspiration for Chavez, and its members range from housewives to engineers to public employees. Men and women in the militia regularly attend weekend training sessions where they learn to fire cannons, mortars and machine guns.

(…)

Chavez, who survived a failed coup in 2002, says the militia should be prepared to defend the country against any threat, foreign or domestic.

“A milícia tem o nome de Simon Bolívar, o herói da independência, que é uma inspiração para Chávez, e seus membros vão de donas de casa à engenheiros e funcionários públicos. Homens e mulheres da milícia frequentam regularmente as sessões de treinamento de fim de semana, onde eles aprendem a utilizar canhões de fogo, morteiros e metralhadoras.

(…)

Chávez, que sobreviveu a um golpe fracassado em 2002, diz que a milícia deve estar preparada para defender o país contra qualquer ameaça, nacional ou estrangeira”.

Na ocasião, em 2002, reza a lenda que Chávez estaria cansado pelos protestos constantes por sua renúncia e teria pedido ao exército que interviesse com força para acabar com aquilo. O exército negou e Chávez fez o que qualquer presidente faria em seu lugar: renunciou e passou o poder para o exército.

Hugo Chávez, em 2002

Algumas horas depois, sabendo da renúncia do presidente, um dos líderes oposicionistas se declarou presidente. O exército teria percebido a besteira que tinha feito e heroicamente voltou atrás.

Após o golpe, a oposição ainda tentou tirar ele do poder com uma gigantesca greve que paralisou o país e derrubou o PIB nacional em 2003. Ao final, o então presidente venezuelano venceu a queda de braço e ainda ganhou um novo brinquedo: controle total sobre a maior empresa venezuelana, a PDVSA.

Venezuela Saudita

Após a greve, uma nova realidade emergiu na economia mundial. Os esforços de Chávez em reativar a OPEC, a própria greve que diminuiu a oferta do petróleo e a invasão do Iraque catapultou o preço do petróleo para valores recordes superiores aos da década de 1970. Para a Venezuela, isso significava dinheiro extra para investir em medidas populistas e extensos programas sociais.

De fato, uma lei obriga a PDVSA a destinar 10% de toda sua receita para um fundo de ações sociais. Sem falar no preço ridículo e economicamente insustentável da gasolina no mercado interno venezuelano, cerca de R$ 0,10 por litro. Há ainda as doações de petróleo feitas para países amigos, como Cuba.

Embora seja louvável o foco assistencialista, afinal, pela primeira vez na história da Venezuela a riqueza do petróleo era dividida com todos, essas medidas acabaram impactando no resultado da PDVSA. Há anos a empresa não consegue investir em pesquisa e exploração como deveria e a produção caiu cerca de 30% desde a fundação do “Chavismo“.

Pior do que isso. Tente imaginar uma empresa com o faturamento da Petrobras contida em um país com apenas 1/5 da população brasileira. Assim é a PDVSA na Venezuela. Ela e o governo atuam como dois “buracos negros” de oportunidades, oferecendo melhores salários e os melhores contratos empresariais. Conquistá-los, claro, não é nada fácil. Aí entra o “jetinho venezuelano”, o que explica porque este país está cada vez melhor colocado nos rankings de corrupção e transparência.

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Segundo a Transparência Internacional, a Venezuela é o país mais corrupto das Américas junto com o Haiti.

Alô Presidente

É preciso admitir que Chávez ousou mexer com a ordem estabelecida. O cara tinha culhões. No primeiro dia como presidente, seu juramento já mostrava o respeito que ele tinha pelo poder e como ia dançar do seu jeito.

Juro delante de Dios, juro delante de la Patria, juro delante de mi pueblo que sobre esta moribunda Constituciòn impulsaré las transformaciones democráticas necesarias para que la Repùblica nueva tenga una Carta magna adecuada a los nuievos tiempos. Lo juro.

“Eu juro por Deus, eu juro diante da Pátria, eu juro diante de meu povo que sobre esta moribunda Constituição empurrarei as transformações democráticas necessárias para que a nova república tenha uma Magna Carta adequada aos novos tempos. Eu juro.”


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Ninguém presta juramento a uma constituição moribunda. Só Chávez e, talvez, Chuck Norris atuando no papel de Hugo Chávez.

A partir daí começou o encantamento geral da nação. A primeira arma foi o programa de televisão Alô Presidente, em que Hugo Chávez passava até 6 horas ao vivo respondendo telefonemas de espectadores. Eventualmente o programa acabou se tornando mais um espaço para divulgar as novidades do governo.

Depois Chávez mudou o nome do país para República Bolivariana da Venezuela em homenagem a Simon Bolívar, o maior herói da história do país e homenageado frequente. Diz a lenda que, em algumas reuniões, Chávez mantinha uma cadeira vazia para que o fantasma de Bolívar pudesse participar.

E então o presidente elegeu um inimigo externo comum. Neste caso foram os norte-americanos. Eles seriam culpados por tudo e o atual vice-presidente chegou a “denunciar” a responsabilidade estadunidense até na doença de Chávez.

Mais recentemente, o homem passou a distribuir casas para seguidores no Twitter. A última casa, por sinal, foi entregue pouco depois dele voltar de Cuba pela última vez.

Legado controvero

É fato que Hugo Chávez teve seus méritos ao distribuir a riqueza do povo, mas, de certa forma ele “malufou” a venezuela e preparou um legado maldito para seu sucessor. A economia está ainda mais dependente de petróleo, a inflação subindo e o endividamento continua crescendo. Em 2005, a conta óleo representava 85% das exportações. Em 2006 foi 93%, 2007 94%, 2008 95%, 2009 93% e em 2010 foi de incríveis 97%.

Na Arábia Saudita, para ficar em um exemplo, esta concentração é de 90% e o país está localizado em um deserto quase estéril.

Isso ocorreu mesmo com o volume de produção de petróleo caindo ano a ano. Hoje o faturamento da PDVSA, a única empresa responsável por explorar a segunda maior reserva de petróleo do mundo é menor do que a Petrobras e apenas 20% da sua contraparte saudita. Ou seja, a galinha de ovos de ouro está doente.

Chávez e seu possível sucessor, Nicolas Maduro

Além disso, Chávez concentrou boa parte do poder nas mãos do presidente e pode ser que o próximo ocupante do cargo não seja tão bem humorado quanto ele. Por sinal, o histórico de buscar um inimigo externo tornou fácil a vida dos próximos líderes do “Chavismo”. Eles não são responsáveis por nada, a culpa é sempre dos EUA.

O seu alinhamento diplomático anti-EUA acabou por se mostrar temeroso. A Venezuela agora tem “amigos” de índole muito questionável, como Síria e Irã. Os ataques repetidos à liberdade de expressão e a radicalização da política por meio do uso de suas milícias são outros pontos que certamente irão infernizar a Venezuela nos próximos anos.

E para você, o legado de Chavez é mais positivo ou negativo?

Mais sobre Chavez e fontes de dados:

Obituário de Chavez na Economist

Fonte El gobierno de Chávez después de 10 años: Evolución de la economía eindicadores sociales

Sobre a milícia bolivariana

Sobre a evolução do preço do petróleo

Para os tamanhos de Petrobras e PDVSA

Preço da gasolina na Venezuela

Sobre o ranking da corrupção

 

Daniel Bender

Jornalista, Diretor de E-commerce e Caçador de Descontos no <a>1001 Cupom de Descontos</a>. Sempre disponível para conversar no boteco. "